A escassos dias da primeira edição dos Prémios Esports Portugal, achei por bem fazer um balanço daquilo que 2018 nos trouxe e as perspectivas que deixa para 2019 e para os anos futuros naquele que é um mercado em constante mutação e crescimento.

Quando, em 2015, aqui escrevi sobre o ano dourado dos eSports, dificilmente conseguia prever tudo o que de então para cá se verificou. O crescimento era expectável, claro, mas era virtualmente impossível prever a diversificação associada ao crescimento.

Audiência

Se, em 2016, a audiência era estimada em 121 milhões de espectadores, 2018 trouxe para os ecrãs 165 milhões de seguidores, num crescimento de perto de 14% face a 2017. 2019 ainda está fresco, mas a continuar com a linha de crescimento, os analistas da Newzoo estimam que em 2021 os números atinjam os 250 milhões de espectadores.

Fonte: Newzoo

Com maior ou menor acerto, estimativas serão estimativas. Mas é insofismável o crescimento de 2016 para 2018, à boleia do facto da indústria dos videojogos estar a segmentar-se e a criar novos tipos de aficionados. O jogador já não é só o jogador. O jogador é também o espectador. É o comprador. E as diferenças vincam-se na medida em que estas três vertentes têm vindo a crescer. Ou seja, há mais jogadores, mas também há mais espectadores e, sobretudo, há cada vez mais compradores, até porque há cada vez mais produto e aquilo que no passado poderia considerar-se um luxo, hoje em dia é cada vez mais uma componente cultural da sociedade em que vivemos. Os videojogos passaram a fazer parte das nossas vidas. Deixaram de ser objectos estranhos. Deixaram de ser reservados para prendas pontuais e passaram a assumir um papel de destaque no investimento em entretenimento e cultura por parte das famílias e dos indivíduos que constituem o mercado. Se dantes um ou outro jogo eram reservados para alturas dos Natais e Aniversários, períodos facilmente balizados em termos de orçamento familiar, hoje em dia assistimos a uma menor definição desses períodos de compra e, consequentemente, a um incremento do valor investido por cada indivíduo e agregado familiar.

De igual forma, os videojogos deixaram de ser vistos como única figura merecedora de atenção durante um período finito de tempo. Ou seja, os seus ciclos de vida tornaram-se mais curtos, associados ao consumismo e incremento da oferta. Temos, então, cada vez mais jogadores a fazerem crescer a sua biblioteca de jogos.

Fonte: Forbes

Quanto à forma como os encaram, as coisas também têm vindo gradualmente a mudar. Há os que o fazem de forma casual, há os que o encaram de forma mais dedicada e há os que imiscuem os videojogos no seu estilo de vida, de forma natural, eliminando a componente de corpo estranho que por vezes lhes era associada. Indesmentível é o facto de que há cada vez menos “não jogadores”. Começa a ser difícil encontrar alguém que não jogue, não tenha jogado, nem que seja aquele seu guilty pleasure no telemóvel.

Co-relacionado está, então, o aumento do número de espectadores. E aqui a tendência é claramente para aumentar, talvez porque a forma de entrada é um pouco oposta ao que seria natural. Os eSports assumem aqui um papel importante na aquisição de espectadores devotos, seja pelo jogo em causa, seja por um evento em particular. Ou seja, parece haver um percurso inverso àquele que é comum na ligação a um videojogo que vai crescendo em nós. Parece mais normal haver gente que começa a assistir avidamente a conteúdo alusivo a um jogo ou evento e depois, gradualmente, com o fim do ciclo de vida desse jogo ou com o fim desse evento, passa a um consumidor menos dedicado, passando para uma categoria de regular ou ocasional de conteúdos, do que o inverso, em que se começa por assistir ocasionalmente e se vai passando a assistir cada vez mais até manter uma devoção constante. Esta surge a espaços e tem tempos de vida mais curtos, mas um espectador ávido dificilmente deixará de ser um espectador casual, seja porque saiu um novo jogo que cai no seu espectro de interesses, seja porque surgiu um novo evento de eSports que lhe atrai a atenção.

São tipos de entusiasmo diferentes mas que, em suma, se traduzem num incremento dos números de audiências. Até porque aqui não podemos deixar de ter em conta o aumento na oferta de conteúdos. Com mais jogos a serem lançados, cativa-se uma audiência fiel a esses jogos e a porta de entrada não passa de um fino véu. Já a porta de saída, essa, parece uma miragem inalcançável: depois de se assistir a conteúdo de videojogos e eSports com alguma regularidade, essa forma de entretenimento torna-se tão omnipresente que é difícil dizer se alguém sai, efectivamente, de vez e risca essa forma de entretenimento da sua vida.

Paralelamente a isto, temos também uma diversificação geográfica em termos de oferta de eventos deeSports, granjeando novas falanges de público afecto e conquistando novos mercados e massa crítica para a organização de eventos.

Eventos

Contrariamente ao que possa parecer, não temos assistido a um crescimento do número de eventos de eSports – há menos 800 eventos em 2018 do que aqueles que houve em 2016! Mas isto está longe de significar que os eSports estão a morrer, bem pelo contrário. Simplesmente, o mercado mudou. Cresceu. Maturou. Se, em 2016 qualquer pequena organização lançava o seu evento de eSports, em busca do seu Eldorado, 2018 mostrou uma melhor definição das linhas orientadoras para um evento de sucesso. Less is more.

2016 trouxe-nos um total de 4300 eventos, distribuindo 97 milhões de dólares em prémios num mercado que gerou perto de 500 milhões em receitas. Já 2018 traz-nos 3500 eventos. São menos, como disse, mas em prémios foram distribuídos 156 milhões de dólares, para um total de 900 milhões em receitas.

Os números falam por si.

Com mais público, investimentos mais ponderados feitos por estruturas mais profissionais, obteve-se mais retorno, mais público e maior canalização para novos investimentos. Pouco e bom é melhor que muito feito em cima do joelho. Ora, se 2016 nos trouxe 13 eventos com premiações acima do milhão de dólares, 2018 trouxe nada mais nada menos que 29 eventos acima desse valor. Menos eventos, investimento mais pertinente, a premiação média duplicou, as receitas também. Paradigmático.

Investimento e patrocínios

A ponderação do investimento advém de uma óbvia maturação. Mas isso advém também de mais e mais relevante informação sobre o mercado. Embora, por terras lusas, ainda vá subsistindo o chavão de que “videojogos são coisas para miúdos”, a verdade é que o mundo acordou para uma realidade: a idade média do jogador está a aumentar.

Se, por cá, a maioria ainda acha que a idade média dos jogadores anda ali na casa dos 22-25, desenganem-se. Business Insider e a Entertainment Software Association colocam a idade média dos jogadores algures entre os 34 e os 38 anos. Estima-se que perto de 45% dos jogadores esteja acima dos 36 anos. Ora estas estimativas não servem apenas para enfeitar. Na era da Informação, isto serve de apoio ao processo de tomada de decisões, principalmente numa área com muito pro explorar e em franco desenvolvimento, como a área dos eSports.

Crescimento do valor global do mercado dos eSports. Fonte: Statista

É natural, então, que os organizadores de eventos capitalizem esta informação e que a disseminem junto de potenciais patrocinadores. E os efeitos não tardaram a fazer-se mostrar.

Um dos factores que tem, indubitavelmente, contribuído para o crescimento do mundo dos eSports é a entrada em cena de patrocinadores não-endémicos. Se, há uns anos atrás, os principais eventos estavam pejados de apoios e publicidade de marcas relacionadas com o jogo, os computadores ou consolas em causa e produtos de consumo associados a camadas mais jovens, como bebidas energéticas (ou, vá, leite achocolatado), hoje em dia multiplicam-se os casos de investimentos por parte de marcas raramente associadas ao mundo dos jovens e dos videojogos. Começo por um exemplo facilmente identificável pelo público português, o GIRLGAMER Esports Festival teve o apoio e branding por parte da Sephora. A Mercedes-Benz fez uma parceria com a ESL para torneios de Dota 2. A SAP, a Mastercard, a Samsung, o Paypal, a Gilette, a Head & Shoulders… a lista é grande e tem vindo a crescer. Há cada vez mais marcas a aproveitarem o facto dos eSports terem um público em crescimento e desse crescimento ser acompanhado com ferramentas de tracking que lhes permite tipificar esse mesmo público. São os dados a serem transformados em informação. Útil, relevante, pertinente, a servir de apoio ao processo de tomada de decisão para investimentos. Tal como deve ser.

Fontes de receitas no mercado dos eSports. Fonte: Newzoo

Por cá, ainda há alguma resistência de marcas não endémicas – exceptuando a já referida Sephora. Há coisas que vão surgindo, mas ainda alusivas a determinadas faixas etárias, mais ou menos definidas. Caso da Moche, por exemplo. Há outros, claro, mas ainda são uma excepção a confirmar a regra.

O caminho passará forçosamente por aproveitar a informação existente e agir sobre ela.

eSports

No que a jogos diz respeito, citando o amigo Ricardo Correia, “toda a gente quer uma fatia do bolo dos eSports”. E, de facto, assim é. Os títulos a buscarem uma fatia no mercado dos eSports têm vindo a aumentar consistentemente e há investimentos avultados para conseguirem espremer-se por entre as frinchas e conquistar um lugar ao Sol no mundo dos eSports.

Espreitando os dados dos valores de premiações, em 2016 tínhamos 10 jogos com premiações acima do milhão de dólares. 2018 vê esse valor duplicar. Há 20 jogos na lista com esse investimento em prémios. E, curiosamente, os 3 que se encontravam no pódio em 2016 viram o valor investido em prémios aumentar entre 4 a 5 milhões de dólares cada um. As posições manter-se-ião, não fosse a entrada de rompante de Fortnite, com 20 milhões investidos em 162 torneios. Números absolutamente esmagadores no ano de estreia mostram que Fortnite segue o mote da casa que o criou, a Epic Games, de que tenho falado aqui por outras razões. Fornite conquista o terceiro lugar no pódio, relegando League of Legends para 4º lugar, com a liderança a manter-se consistentemente com Dota 2, com mais de 41 milhões de dólares em prémios e com Counter-Strike: Global Offensive a movimentar 22 milhões.

Fonte: Epic Games

PLAYERUNKNOWN’s BATTLEGROUNDS merece menção por ter multiplicado por sete o seu investimento, saltando para 7 milhões em prémios, à frente de Overwatch por menos de meio milhão. Segue-se Heroes of the Storm que viu a Blizzard cortar o seu investimento na sua estrutura de eSports para o jogo, descontinuando parte do investimento feito.

O que salta à vista, no entanto, é a presença cada vez maior de títulos Mobile. O mercado dos eSports espraia-se por cada vez mais sectores. Do PC para as consolas e, agora, para o Mobile.

E em Portugal?

Pois bem, e em Portugal? Em Portugal o panorama tem vindo a mudar, lenta e gradualmente. League of Legends aparentemente perdeu a sua predominância no território nacional e o Counter-Strike: Global Offensive está mais forte que nunca. O evento BLAST Pro Series, e o Moche XL Esports, antes deste, trouxeram um novo patamar de eventos para solo nacional. O BLAST, sobretudo, representa algo que há muito eu vinha defendendo. Permitam-me sair aqui da abordagem mais factual para uma mais opinativa.

Apoio praticamente tudo o que se faça de eSports em Portugal. Sou um apaixonado pelo mercado dos eSports, pelas suas potencialidades e alcance. Envolvo-me, sempre que possível, na organização de eventos com o objectivo de fazer a visão de Portugal sobre o tema crescer, mudar. Ao longo dos anos, acabei mais ou menos envolvido num punhado de torneios, de Day of Defeat, de Counter Strike, de Team Fortress 2, de League of Legends, de Dota 2, de Artifact… pelo meio, projectos de interesse comum, estruturais, de organização, federativos… Faço-o por gosto, faço-o porque desejo mesmo que Portugal evolua na sua percepção e rentabilização de eSports, tanto a nível competitivo como monetário. Apaixonei-me pela visão demonstrada com o ISMAI Legends ainda antes de saber que, um dia, viria a pisar aqueles palcos do lado de lá, atrás da secretária de uma sala de aulas. Trago os eSports sempre aqui num cantinho e falo deles não só aqui, no composto galinheiro do Rubber Chicken, como em outras publicações de quem inclusivamente fomos parceiros.

Fonte: BLAST Pro Series

Mas sempre me opus à visão de fazer as coisas de dentro para dentro, num círculo fechado de produção para consumo interno. Não consigo partilhar da ideia do afunilamento em termos de público-alvo, tipificado como sendo infanto-juvenil residente nas zonas A e B do país. Sempre achei que Portugal tinha algo mais para dar aos eSports que uma produção orientada para consumo interno. Sem desprimor para quem o faz, a quem tiro o chapéu pela persistência, pelo empenho, pelo investimento e pelo muito que também construiu, a verdade é que vai sendo público que sempre fui avesso a ligas prolongadas e a eventos para premiar o rei do charco, quando lá fora há todo um mar aberto de oportunidades em todos os segmentos. Esta questão das ligas é, aliás, um ponto fracturante junto das pessoas com quem partilho a paixão pelos eSports. Uns apoiam, outros são contra. As Ligas podem ser interessantes em termos de competitividade interna e têm, sem dúvida, as suas vantagens. Mas o seu prolongamento por períodos alargados de tempo faz diluir muitas coisa, desde o investimento, ao envolvimento das equipas, passando pelo que para mim é crucial: a atenção do público. Gosto de um carimbo. Uma pegada definitiva. Um estouro. É impossível não reparar um evento que rebenta com tudo o que são atenções, cá dentro e lá fora.

Há uns anos, colaborei com um projecto que visava fazer isso. Ter-se-á ficado a meio caminho e, confesso, foi com prazer que assisti àquilo que este ano se fez por cá em termos de produção de eventos com perspectivas maiores, para um público maior, para equipas mais competitivas, para investimentos maiores que tragam, enfim, melhores condições para todos. Portugal tem tudo para ser o palco principal para grandes eventos de eSports. Temos o clima, os espaços, e os preços competitivos. Faltava um evento para o grande público fora deste rectângulo de terra. E, este ano, creio termos dado bons passos para colocar Portugal no mapa de um circuito competitivo de eSports.

De notar que um evento com visibilidade no estrangeiro traz também outras potencialidades para patrocínios – se há visibilidade global, marcas globais mostram-se mais propensas a investir, por oposição ao investimento de marcas com visibilidade limitada a Portugal. E isto não tem que ser mau para as marcas nacionais. Não é! Less is more, como disse anteriormente. Trabalhar para eventos de grande impacto mediático, dentro ou fora de portas, é melhor do que espraiar todo esse investimento em eventos com um alcance menor. Forçar uma mudança de perspectiva, impondo a melhoria e fazendo a máquina andar para funcionar cada vez melhor. Para a frente é que é caminho!

[/end rant]

E agora?

Reflexo deste crescimento, sublinhando-o e premiando, surgiram os Prémios Esports Portugal. A gala, marcada para 2 de Março, premiará os melhores intervenientes dos eSports em Portugal. O Rubber Chicken estará por lá, acompanhando aquele que parece ser mais um passo na direcção correcta. E vocês? Já votaram?