O ano de 1996 é aquele em que George R R Martin publicou o primeiro livro de uma das séries literárias de maior sucesso da nossa História (isto, é claro, depois do abismal sucesso da adaptação à TV). A Song of Ice and Fire surge assim com uma tagline não oficial (que o viria a ser em Game of Thrones). Ironicamente é nesse mesmo ano que um das minhas bandas favoritas, a dupla de avant-garde alemã Deine Lakaien, composta por Alexander Veljanov e Ernst Horn, lançam o seu quinto álbum, Winter Fish Testosterone, onde a faixa As it is tem como refrão “Winter is coming”, repetido inúmeras vezes. Coincidência? Segundo a outra senhora as coincidências não existem.
Em Project Winter, um ambicioso jogo assimétrico do estúdio Other Ocean Interactive lançado recentemente em Early Access, o Inverno chegou mesmo, e com ele a necessidade de sobreviver aos rigores climatéricos.
Um dos pormenores mais interessantes deste jogo é o facto de se aventurar por uma abordagem já bem frequente nos jogos de tabuleiro, os chamados deception games como Coup ou Shadows Over Camelot. Neste tipo de jogo uma minoria informada combate uma maioria desinformada, sem que esta saiba da identidade daquelas. É esta dicotomia que existe em Project Winter onde um traidor tenta lograr as intenções dos restantes sobreviventes de repararem uma série de estruturas que lhes permitam contactar um helicóptero que os salve da nevasca.
Os objectivos são obviamente diferentes. Apenas o jogador que controla o traidor recebe a informação para tal, tendo de mascarar as suas intenções perante os outros jogadores. Para além deste ter capacidades diferentes, há uma série de mecânicas adicionadas para o obrigar ser discreto, tais como o processo de abertura de loot boxes exclusivas para o traidor, mas que causam um grande ruído na área circundante ao serem abertas.
Para aumentar o ambiente de deception game tão bem reproduzido nos jogos de tabuleiro pela proximidade física dos jogadores, Project Winter incluiu um voice chat de proximidade entre os jogadores, para além de comunicadores que nos permitem falar com quem tiver walkie talkies da mesma cor que o nosso.
Project Winter tem um máximo de 8 jogadores por partida, com os sobreviventes a terem de cumprir uma série de objectivos sequenciais para iniciar a sua fuga. Aos traidores resta a tarefa de os impedir, de os matar e sabotar. Sempre, de preferência, sem serem vistos.
A dificuldade deste co-op survival game (com deception game à mistura) passa pela capacidade de entrosamento dos vários jogadores, e da entreajuda levada a cabo para garantir a sobrevivência colectiva. Para além da barra de vida e de fome, há um marcador de frio que vai subindo de forma fatal no meio dos nevões. Para nos abrigarmos temos de estar dentro da cabana na montanha, que nos protege da agressividade da tempestade, mas que pode muitas vezes ser muito difícil de encontrar no meio da nevasca.
Já que a cabana é o porto de abrigo para os sobreviventes, é-lhes permitido votarem o exílio de um jogador, que fica assim impedido de se abrigar e encontrará a morte por hipotermia, quase certamente, no abraço gélido da neve.
Mecanicamente é um jogo instintivo de jogar, com um sistema de gestão de espaço de inventário, recolha de recursos e crafting de itens e alimentos para a nossa sobrevivência. Mas é nos jogos psicológicos e na capacidade diplomática e social da dissimulação dos traidores que se encontram o grande valor de diferenciação deste Project Winter.
Ainda em Early Access, este Project Winter apresenta-se como um dos mais interessantes e únicos jogos multiplayer do ano. Seja pela excelente direcção artística low poly que tão bem encaixa no jogo, seja pela elegância mecânica ou pelos momentos de faca e alguidar que um deception game como este criam, Project Winter é um jogo que vamos mantendo debaixo de olho, a acompanhar progressivamente o seu desenvolvimento, para percebermos se no final da etapa estará o sucesso ou a sobrevivência ou se cairá por terra, de forma inglória, perante os rigores da nevasca do desenvolvimento de videojogos.