Graças ao beta que terminou há cerca de duas semanas, já existe uma quantidade muito interessante de coisas a fazer, mesmo para quem não tem qualquer interesse criativo no jogo. Com o Early Access a começar em Abril (que infelizmente não estará disponível em Portugal), as portas vão-se abrir a inúmeros outros criadores, o que irá suplementar ainda mais o já extenso Dreamiverse. Para além disso, a versão final do jogo irá também incluir um modo de história criado pela Media Molecule, por isso não me parece que o jogo terá falta de conteúdo. É extremamente difícil explicar o potencial deste jogo, por isso durante esta semana o Rubber Chicken terá vários artigos com entrevistas a membros do estúdio, esperando que eles possam oferecer uma ideia mais completa da visão deste jogo. Nesta segunda entrevista que publicamos, reproduzimos a afável conversa com Kareem Ettouney, Director Artístico de Dreams.

Quais foram para ti os momentos mais altos e mais baixos no desenvolvimento de Dreams?

Bem, o momento mais alto no desenvolvimento de Dreams foi quando começámos o projecto, especialmente depois de termos terminado o LBP e já sabermos como fazer um projecto coerente, desde a criação, publicação, comemoração e aspectos da comunidade. Quando começamos a trabalhar no Dreams, a maior questão era porquê fazer um projecto como esse e em que direcção ir, especialmente porque as ferramentas (de game development) e as redes sociais se desenvolveram tanto. É por isso que para mim o momento mais alto foi quando encontramos a identidade e a abordagem a tomar em Dreams. Eu resumiria Dreams como sendo muito sintonizado com as particularidades do indivíduo e com a maneira como cada um pode mostrar o seu cunho pessoal nas suas criações. Quando começamos a descobrir como poderíamos fazer isso com algumas das inovações que tínhamos com ferramentas, particularmente o MOVE e o ato de colocar ou esculpir um objeto de uma maneira que fosse 1 para 1 com o movimento da vida real, isso fez-me sentir que poderíamos fazer algo realmente diferente. Alguns dos meus momentos mais baixos foram quando sentimos que as nossas aspirações excediam a possibilidade de manifestá-las. Às vezes sentimos que precisamos de tantas conquistas, que temos de construir tantas fundações para tocar no céu, para chegar onde queremos. Quando estamos lá em baixo e vemos o que temos que realizar, sentimos que é impossível e que nunca o poderemos alcançar, mas concentramo-nos e chegamos onde estamos agora.

Como Director Artístico, terias algum conselho, não apenas para os jogadores de Dreams mas também para os criadores em geral?

Absolutamente. O maior conceito de todos os tempos é inspirar-se nas crianças, e em como elas são destemidas. Se enchermos uma sala com 20 crianças, de 4 a 6 anos, e lhe dermos aguarelas, lápis de cera e papel, as 20 crianças vão brincar e cobrir os papéis de desenhos, então 100% dos humanos são destemidos e têm um artista dentro deles. O destemor de pegar o material e começar é a atitude mais importante na arte. Em segundo lugar, Dreams tece um paralelo com os meios artísticos reais, pois é uma ferramenta sensível que permite que fluas entre diferentes meios e experimentes coisas diferentes, a experimentação é crucial. A terceira coisa é ser prolífico. A quantidade realmente importa. Olha para os Beatles, eles passaram 8 a 10 horas todos os dias a tocar música na Alemanha, aprimorando as suas habilidades. Eles tocavam música dos seus heróis todos os dias, até que pudessem encontrar sua própria voz. Resumindo, o combo é: Sê destemido, sê experimental, e fá-lo muito.

Que tipo de jogos, ou outros meios artísticos, te inspiraram durante o desenvolvimento?

Na MM somos como uma versão em miniatura da comunidade. Somos muito diferentes, heterogéneos. Temos pessoas que são jogadores devotos,que jogam os jogos e experiências mais recentes todos os dias, assim como escritores e músicos ou pessoas interessadas em várias outras coisas. Eu sou muito atraído por jogos do ponto de vista de que os jogos são a arte de hoje. Eu cresci a estudar design de interiores e cenografia de cinema e fiz trabalho freelance durante muito tempo. Fui atraído pelos jogos por causa da natureza das equipas que os faziam. A combinação de programadores, músicos, produtores e escritores, todos unidos para criar um espaço virtual. Isso foi o que me atraiu à criação de jogos. Há também muitos jogos que me fazem parar, eu olho para eles como uma criança na Disneyland. Eu olho para os enormes jogos open world, como os jogos da Rockstar, e fico impressionado com os mundos que eles fazem. No entanto, também fico impressionado com jogos que têm uma sensação incrível de intenção por trás das mecânicas, como Monument Valley, um jogo de telemóvel. Fico pasmado com quão poético é um jogo com design de nível e design de som que consegue ter tal significado. É muito simples, temos de mover uma personagem do ponto A para o B, mas a jogabilidade tem muito significado. Eu gosto de jogos como o Flow, que são muito terapêuticos. Eu também gosto de narrativas épicas e extravagantes como God of War. Eu olho para eles, e eu não me considero alguém que termina um jogo e colecciona tudo e descobre tudo. Eu sou atraído por um jogo de uma maneira “voyeurística”, eu olho para ele e inspiro-me nele. Em Dreams, queremos olhar para experiências que vão desde pequenas coisas particulares que os jogadores fazem, como quebra-cabeças, até experiências cinematográficas imersivas. Queremos capturar todas essas coisas diferentes.

Se pudesses definir uma conquista em particular que tornaria o Dreams um sucesso pessoal para ti, qual seria?

Que boa pergunta, acho que é uma pergunta linda. Bem, vou usar o exemplo do Youtube. O Youtube existe há muito tempo e levou a algo como a Khan Academy. Levou o conceito de upload de vídeos e usou-o para tornar a educação humana disponível gratuitamente para a sociedade. Esse nível de significado, que uma plataforma pode conter todo o conhecimento humano, isso é um exemplo do que eu quero para Dreams. Quando eu me sento em casa e quero aprender uma música no piano, eu encontro um video com a música exacta e eu sigo o criador e torno-me uma pessoa melhor por causa disso. Espero que Dreams possa contribuir para o conhecimento e compartilhamento do mesmo para lá do mero entretenimento. Espero que não só tenha uma abundância de experiências nas quais nos podemos perder, mas também que possamos lá encontrar seguidores ou uma comunidade. Pessoalmente, eu sentir-me-ei muito feliz quando descobrir que Dreams está a ajudar a celebrar a imaginação das pessoas, mas também a ajudar as pessoas a serem a melhor versão delas mesmas. Espero que contribua para a Arte, Ciência e Jogo. Eu quero ver as criações em Dreams que são maiores que o próprio jogo.

Se pudesses mudar alguma coisa sobre o desenvolvimento de Dreams até agora, o que mudarias?

Eu não penso assim, pois Dreams é um projecto que apenas começou. É um projecto que deve permanecer e continuar a evoluir e crescer. As ferramentas vão crescer, o sistema social e os tutoriais e sistemas de inspiração vão crescer. Vamos continuar a refinar e refinar e construir e construir, não há necessidade de voltar para trás quando podemos ir para a frente. É como projectar cidades, temos uma plataforma que está constantemente a evoluir e a crescer… Não há limite para as melhorias e actualizações que queremos fazer no jogo, já temos listas e listas de actualizações nas quais queremos trabalhar.