A Polónia tem vindo a surpreender-me recentemente com a qualidade dos jogos de tabuleiro que vem publicando. Certamente e não indiferente a este facto, temos disponível para o mercado português: A Minha Casa da polaca Rebel. É precisamente da Rebel que vem uma das últimas sensações da campanha Kickstarter Nemesis.
Nemesis começa quando cada tripulante de uma nave no profundo espaço sideral acorda do sono criogénico e encontra um seu colega tripulante morto na sala de hibernação. Aparte a contemplação dos restos mortais do que já foi o nosso companheiro de viagens temos amnésia e apenas sabemos estar a bordo da Nemesis. Sabemos que os motores estão à ré e a ponte à proa, mais nada… nem sabemos o que matou o nosso colega, nem para onde vamos ou sequer se os motores estão em perfeita ordem de funcionamento.
É com este saborzinho que começamos a jogar e basicamente toda a acção compreenderá explorar a Nemesis, reparar o que for necessário reparar e aprontar a nave ao destino pretendido. Pelo meio vamos descobrir que não estamos sozinhos. Peguem no vosso first player token (sim é o Jonesy) e comecem a jogar.

Ok não é o Jones, mas percebem o que quero dizer…
O A̶l̶i̶e̶n̶ Nemesis de Adam Kwapiński na sua essência é um dungeon crawler semi-cooperativo. Infelizmente não foi nem se prevê a sua adaptação temática a um dos meus franchises favoritos.
Ora bem como se processa o jogo?
Passo a explicar o jogo a quatro que tive oportunidade de jogar. Cada jogador possui um tripulante com características diferentes entre si. Temos o capitão, a piloto, a batedora, o cientista, o mecânico e o soldado. Existem acções que são semelhantes entre si, tais como por exemplo andar, fabricar armas e fechar portas, que custam uma carta de descarte. A opção de andar com cuidado de modo a produzir barulho somente no corredor desejado custa duas cartas. As cinco cartas que recebemos são específicas de um deck de personagem e diferem quase todas entre si sendo que a de procura e a de interrupção são as mais comuns entre todas as personagens. Cada jogador faz duas acções por turno e se não as conseguir fazer passa.
Quando todos passarem é a vez dos a̶l̶i̶e̶n̶s̶ Intruders. Algumas das acções que diferem dos outros jogadores são por exemplo no caso do Capitão a capacidade de ditar ordens; no caso da batedora a possibilidade de entrar numa sala sem fazer barulho; o mecânico poderá utilizar à semelhança dos a̶l̶i̶e̶n̶s̶ Intruders o sistema de condutas de ar condicionado para se deslocar entre extremos diferentes da nave (sendo obrigado a passar imediatamente se optar por fazer essa acção especial, já o soldado poderá utilizar as suas capacidades militares para descascar nos a̶l̶i̶e̶n̶s̶ Intruders caso seja necessário. Para além dos baralhos bases cada jogador possui cartas item que poderão ser activadas ou em certas salas ou encontrando outros itens. (Por exemplo com o mecânico mal consegui encontrar baterias aproveitei para activar a lanterna o que me permitiria mais à frente fazer procuras sem ter cartas específicas para tal). Também fiz um lança chamas caseiro e libertei o Nero que tinha dentro de mim ao encontrar o primeiro inimigo mas os restantes jogadores não acharam piada à minha proeza carregada de testosterona e vontade de transformar a Nemesis num restaurante shishkebab instantâneo.

Algo dentro de mim (e mais abaixo) diz-me para a seguir cegamente para qualquer lado…
Seguidamente cada jogador possui igualmente dois objectivos um dos quais terá de ser descartado no momento em que o ninho é descoberto. Um dos objectivos é pessoal, o outro diz respeito à W̶e̶y̶l̶a̶n̶d̶ ̶Y̶u̶t̶a̶n̶i̶ Corporação para quem trabalhamos.
Os objectivos podem ser tão díspares quanto recolher e levar para a terra os restos mortais do nosso amigo morto no início do jogos, ou eliminar um outro jogador presente no mesmo. É aqui que jogo assume contornos de semi-cooperação. Temos um número determinado de turnos até podermos entrar em hibernação e sairmos do jogo (vitoriosos ou não). Em alternativa temos igualmente possibilidade de detonar o sistema de autodestruição da nave e fugir numa das quatro cápsulas salva vidas existentes na nave. Dependendo de uma sala de activação das mesmas, primeiro temos que as activar ou em alternativa o sistema de auto destruição destranque e deixe livre o acesso às mesmas.
Não podemos em nenhum momento atacar directamente os outros jogadores (no contexto do jogo tal é explicado por supressores neurológicos implantados antes da missão). Podemos no entanto dificultar-lhes a vida através do fecho de portas, sabotagem nos motores, sabotagem das salas, alteração da rota da nave (e consequente fuga no sentido inverso) e lançamento de dispositivos piro técnicos no interior da mesma. Todos perdem, se no entanto, por via de eventos ou de danos causados pelos jogadores a nave se avaria consideravelmente antes de poderem fugir da mesma.
Tive uma experiência curiosa que se verificou mais que uma vez. Num primeiro cenário todos os jogadores interagiram para ganhar os seus objectivos individuais (terminando o jogo em empate), noutro cenário o âmbito de entreajuda foi esmorecendo aos poucos, sendo que nos últimos turnos antes da nave caminhar para uma autodestruição assegurada os nossos genes de ratazana falaram mais alto tendo sido um salve-se quem puder em direcção às cápsulas salva vidas. Manha, engano e suspeição são uma constante dado que a mecânica do jogo obriga cada jogador a protelar o fim de modo a assegurar-se que nenhum dos outros deixa um presente seja na forma de um motor avariado (no final do jogo se a nave sobreviver terão que existir dois motores funcionais, algo que só quem repara/avaria pode saber, para nos levar ao rumo certo), ou mesmo um presente na forma de uma viagem de regresso a nenhures como o espaço profundo. A componente do barulho gerado enquanto nos deslocamos pela nave, torna tudo arriscado pois à vez de cada cada movimento rodamos um dado (se o desejarmos) para fazer barulho… e caso seja em repetido tiramos um token de um saco). O token sorteado determina o tamanho do a̶l̶i̶e̶n̶ Intruder. Dependendo do número de cartas com que ficamos na mão após passarmos e acabarmos o turno, caso não tenhamos eliminado a ameaça somos atacados. Inicialmente os tokens são ricos em pequenos f̶a̶c̶e̶ ̶h̶u̶g̶e̶r̶s̶ Intruders larvas mas para reflectir a escalada da
situação/perigosidade e o crescimento dos mesmos vai sendo aumentado.
Em resumo, considero o Nemesis bem conseguido e seria no meu entender adaptável ao universo-franchise acima mencionado, propriedade da Twentieth Century Fox. A arte está soberba e a versão Kickstarter traz muito valor acrescentado seja nas personagens adicionais, seja nas histórias paralelas. Tem tanto plástico/resina que podia rivalizar com um jogo da Cool Mini or Not, no entanto tem figuras com uma qualidade elevada ao nível do que por exemplo a Fantasy Flight já me acostumou. É sempre fácil acusar a editora de optar por este tipo de representação mas acho plenamente justificável dado ajudar a transportar para um mundo que marcou profundamente o género horror sci-fi. No geral a arte e os acabamentos são soberbos e o design quer dos player mats ‘marcadores de jogador’, quer do tabuleiro está fiel à estética/tema noir do jogo.

Triggered: ‘O quê? Tu gostas de um jogo de tabuleiro com miniaturas em vez de cubinhos? Tu gostas de… Ameritrash??
Definitivamente para quem como eu gosta de tudo e inclusive um semi-cooperativo, dado possuir uma mecânica simplificada aconselho-o a iniciantes. É diversão garantida e o factor paranóia torna tudo ainda mais hilariante. Em certas alturas do jogo vão ser tomadas as decisões necessárias para de facto tentar ganhar pois o factor sorte aleatória não é tão forte quanto se possa pensar num jogo onde os dados determinam o barulho e o sucesso a atacar; e onde as cartas podem determinar se o nosso personagem caso não seja curado acaba o jogo infectado ou não…
Não é portanto aconselhável a jogadores de eurogames mais pesados e abstractos e com componentes de aleatoriedade quase nulas.
É sim no meu entender um dos kickstarters mais bem sucedidos desde 2018 estando previstas diversas expansões quer ao modo campanha (que também é possível) quer aos modos semi-cooperativos com mais personagens previstas tais como a Therapist e a Medic. Tal modo de campanha permitem expandir a ‘re-jogabilidade’ e o tempo de vida do jogo num modo muito semelhante ao que Robinson: Adventures in a Curse Island da Z-Man já me acostumou. O módulo cooperativo missão stand-alone com possibilidade de um jogador controlar os Intruders é
certamente o mais competitivo, mas mais dinâmico pois aquele que está completamente dependente das decisões escolhidas pelos jogadores enquanto equipa e das escolhas do jogador que controla a facção alienígena. Tal torna o jogo um entretenimento plenamente válido e imprevisível.
Enfim e uma vez que as expansões se parecem seguir creio ainda ouvir falar mais deste jogo de futuro.