Concluindo as entrevistas exclusivas com os criadores de Dreams, sentamo-nos à com o seu Director Técnico, David Smith, para falar sobre como o âmbito do projecto se foi criando ao longo do desenvolvimento.

Quais foram para ti os momentos mais altos e mais baixos no desenvolvimento de Dreams?

Tem sido uma constante montanha russa, alto e baixo, alto e baixo. Temos surtos de criatividade, onde as coisas estão a ir muito bem e estamos a encontrar maneiras de fazer as ferramentas criativas funcionar perfeitamente na PlayStation. Depois há momentos em que percebemos quanto trabalho temos pela frente, e quando pensávamos que tínhamos tudo sobre controlo, percebemos que existem áreas enormes do desenvolvimento por fazer. Além disso, como tem sido uma maratona tão longa, temos tido a necessidade de ter tempo para fazer uma pausa e nos refocarmos, porque houve uma tentação de entrar em crunch há cinco anos e isso não teria corrido bem. Houve momentos em que o pessoal do estúdio pensava: “Certo, isto é como um jogo normal, vou-me isolar de tudo e simplesmente acabar a minha parte”. Num projecto como Dreams, não podemos simplesmente pôr tudo o resto em pausa e trabalhar como loucos, então houve essa necessidade constante de mantermos um ritmo de trabalho saudável.

Qual foi o teu envolvimento na definição do âmbito e ambição do projecto? A ambição no início do desenvolvimento era tão grande como agora?

Eu acho que a ambição era enorme desde o começo. Quer dizer, basta olhar para o nome do jogo. O nosso objectivo era permitir aos jogadores criar os seus sonhos, o nome não foi acidental. Devo confessor que no início eu estava tentar refrear as expectativas do resto do pessoal, porque o que eles queriam fazer ia demorar e ia ser extremamente difícil. Depois lembrei-me que na Media Molecule queremos fazer algo que permita às pessoas fazer os seus próprios jogos e que para isso precisamos dum conjunto enorme de ferramentas. Basicamente, fomos “forçados” a seguir este caminho tão ambicioso. Sabíamos que tínhamos que lidar com todas as áreas diferentes do desenvolvimento de jogos de alguma forma, mas não sabíamos à partida com que profundidade teríamos de mergulhar em cada uma. Não sabíamos onde nos estávamos a meter desde o início, apenas fomos trabalhando como uma grande equipa(pausa)… bem, uma pequena equipa (riso). Fomos descobrindo o que era possível e tentando muitas coisas, muitas das quais não funcionaram. Pelo caminho tivemos de ser ousados ​​o suficiente para dizer: “isto não funcionou, vamos cortar, tentar de novo”, e continuar a lutar na direcção do nosso objective criativo, a sensação que queríamos dar às pessoas (quando jogam Dreams). Queríamos fazer algo que permitisse às pessoas fazer coisas gloriosas, bonitas e divertidas. 

Se pudesses definir uma conquista em particular que tornaria o Dreams um sucesso pessoal, qual seria?

Há muitas coisas pequeninas com as quais eu sonho e aposto que vão haver ainda mais coisas, pelas quais eu não esperava, que me vão surpreender. Começando pelas coisas que eu tenho a certeza que vão acontecer, estou ansioso para a primeira vez que eu jogar uma criação Dreams e vir que foi feita por um jogador e outras 100 pessoas, e depois 1000. Em Dreams quando concluímos uma experiência, ela mostra o autor original, assim como todos os outros envolvidos indirectamente (através do uso das suas criações publicamente disponíveis). Sim, isso é excitante! Provavelmente haverá alguns problemas ao longo do caminho, nem sei se o jogo consegue mostrar correctamente essa quantidade de pessoas neste momento, mas por outro lado imaginem o significado criativo de 1000 pessoas que nunca se encontraram terem colaborado de alguma forma estranha e orgânica para criarem algo juntos. Isso dá-me arrepios! É esse o tipo de desenvolvimento jogos grandes que eu quero, não 1000 pessoas fechadas num armazém a trabalhar num jogo. Para mim, a ideia de que todas estas pessoas de lugares e origens diferentes se juntaram de uma forma natural e divertida, isso é… (pausa)… Caraças!

Quais as maiores lições que retiraste do desenvolvimento de Dreams?

Eu acho que a maior surpresa foi o quão rápido as pessoas apanharam o jeito das ferramentas no beta. O beta foi o maior teste até agora e o acesso antecipado é o próximo grande passo. Houve pessoas que, no mesmo dia em que saiu o beta, criaram coisas perfeitamente funcionais e divertidas. Está bem, eram grandes fãs e assistiram aos nossos vídeos e tutoriais, mas num único dia eles criaram boas experiências, e alguns até descobriram coisas que não era suposto. Descobriram ferramentas que ainda não estavam acabadas e tinham bugs! Ainda melhor, eles arranjaram maneira de contornar os bugs e fazer coisas que não esperávamos. Foi tudo muito surpreendente e entusiasmante, porque nesta altura (do desenvolvimento) ficamos um bocado obcecados com os bugs que ainda temos para corrigir e ver a alegria dos jogadores que mergulharam a fundo nas ferramentas e ultrapassaram os problemas que surgiram para conseguir criar algo em 24 horas foi incrível. Claro, havia coisas terríveis, pessoas que clicavam em todos os botões e publicavam os níveis, e esse aspecto também foi divertido, ver que o jogo também pode criar esse tipo de alegria infantil e experimental. Foi apenas uma ideia espontânea e tonta que não funcionou, mas com grande potencial, porque eu olhava para estas criações e via coisas que podia melhorar. Podia entrar em contacto e ensinar às pessoas como melhorar as suas criações. Este aspecto didáctico colaborativo é mais uma faceta pela qual estou muito ansioso.

O conceito de criar e partilhar conteúdo é, hoje mais do que nunca, universalmente aceite. No entanto, há 8 ou 7 anos, isso não era verdade. Achaste que o conceito de Dreams foi difícil de vender?

Tivemos um problema semelhante com o Little Big Planet (LBP) porque não havia uma noção do que um jogo à base de user generated content poderia ser. As ideias e os conceitos já tinham aparecido em jogos anteriores, nós não inventamos nada, mas o modo como juntamos tudo o que veio antes num único pacote era muito estranho para os profissionais de marketing, editoras e etc. Pelo facto de já termos feito LBP, esperávamos que o Dreams fosse mais fácil (riso). Acho que foi ainda mais difícil, porque o que dizíamos era tão audacioso que as pessoas não acreditavam. Mostrávamos um ecrã e dizíamos: “Tudo o que podem ver aqui foi feito no Dreams“, ao que eles respondiam: “Ok, mas não a música”, e nós dizíamos: “Não, a música também”. Depois de aceitarem esse conceito, perguntavam se podiam fazer outra coisa, e outra coisa e mais outra, ao que nós respondíamos novamente: “Tudo o que estão a ver e ouvir foi feito no Dreams“. É uma coisa tão simples de se dizer, mas as pessoas achavam sempre que estávamos a mentir.

Da tua parte, esperas que a identidade do estúdio no futuro continue a envolver o conceito de play, create, share?

Sim, acho que sim. Ainda nos sentimos verdadeiramente apaixonados por esse conceito. Podes senti-lo em LBP e em Tearaway até certo ponto e, obviamente, imensamente em Dreams. É o que amamos, fazer jogos, fazer coisas. (Dreams) É sobre estender essa oportunidade a outras pessoas. À medida que envelhecemos e temos filhos, começamos a perguntar: “Quando eu era criança, qual foi a primeira coisa que me entusiasmou pelo ato de criar?”. Adoro a ideia de que alguém possa encontrar em Dreams o seu primeiro meio criativo, que isso se torne a coisa que os impele na sua jornada de auto-expressão criativa de criar música e arte ou jogos, ou o que for. (Dreams) Pode não ser onde a viagem deles termina, mas o ponto de partida. É realmente empolgante pensar que Dreams possa transformar a vida das pessoas, da mesma forma que penso em alguns jogos que joguei e me mudaram para melhor. (jogos) Que me deram a paixão que tenho para criar. Isso é incrivelmente positivo, produtivo e fortalecedor.

De facto é incrível. A ideia das pessoas sobre a indústria de jogos está a mudar, mas ainda há muitos pessimistas que dizem que os jogos são apenas um passatempo. Eu pego num jogo, joguei/terminei e acabou aí a minha experiência com ele. As pessoas não veem o efeito duradouro na pessoa, a paixão artística e mudança de perspectiva que pode ser criada. Dreams pode ser aquilo que a indústria está a precisar. Algo que faça as pessoas de fora (do meio) olhar e ver que Dreams é para criar, desenvolver habilidades, desenvolver comunidades e muito mais do que apenas jogar um jogo por 15 minutos, porque não se tem nada melhor para fazer.

Sim, estou tão ansioso por Dreams como qualquer outro fã, o que é um bocado bizarro. Quando o LBP saiu eu já estava um bocado farto porque trabalhei tanto tempo nele e conhecia as suas limitações. Já tinha imaginado a maioria das coisas que as pessoas iam fazer com o jogo. Dreams é diferente. Há um kit de desenvolvimento no andar de baixo do escritório e eu tenho que me obrigar a ficar longe dele, porque estou constantemente a “perder” tempo a olhar para o que já foi criado.

Dreams parece ser um projeto de longa duração. Provavelmente alguém no estúdio já pensou nisto, mas existem planos para a portabilidade para a próxima geração de consolas?

Obviamente, isso não é algo sobre o qual eu possa falar, mas nós queremos continuar a fornecer suporte a Dreams enquanto houver um público que queira jogar e entrar nesse mundo. A julgar pela versão beta, o público já existe, está envolvido e quer ficar por muito tempo, por isso espero trabalhar em Dreams durante muito tempo.

Assim se concluem as entrevistas aos criadores de Dreams. Estejam atentos às nossas primeiras impressões, a vir nos próximos dias!