Lembram-se de um pequeno teaser do Kickstarter de um pequeno indie que apresentava a sua intenção de ter todos os cenários construídos em mininatura como uma espécie de set de filmagens de uma animação em stop motion? É que esse jogo chega hoje às lojas, mas já o jogámos de uma ponta à outra para vos dizer porque é que Trüberbrook é bem mais do que um jogo com cenários manualmente construídos.

Mas comecemos exactamente por aí, para eliminar o elefante em papier-mâché na sala: os cenários são deslumbrantes, mas depois de ter jogado Trüberbrook de fio a pavio é mais do que óbvio que as imagens promocionais que fomos recebendo são altamentente inflacionadas no real efeito visual conseguido em “jogo corrido”. Os detalhes dos vários cenários (serão pouco mais de uma dúzia, talvez) são impressionantes, e percebe-se o talento dos seus criadores na construção de pequenas grandes maravilhas da cenografia. Mas há algo que se perde, e muito, na tradução entre aquilo que é a transição dos cenários reais, tridimensionais, esculpidos como fundo do melhor filme de animação que nunca existiu, e a sua utilização enquanto cenário de videojogo. Sejam problemas de resolução ou de renderização desses mesmos cenários, a realidade é que, infelizmente, a qualidade das imagens promocionais não correspondem à verdade. O ambiente é bem conseguido, mas mesmo com a resolução no máximo nunca chegamos a ver o jogo em movimento com o realismo de estar a jogar um filme de animação em stop motion.

Não deixem, porém, que a minha ligeira desilusão entre aquilo que são as imagens promocionais e a realidade do jogo vos demova de comprarem Trüberbrook. Por um lado porque não acredito que este desfasamento seja resultado de um engodo, mas sim de uma incapacidade técnica de traduzir uma ideia na possível aplicação de cenários reais, em miniatura, renderizados para um videojogo. Por outro porque depois de terminar o jogo posso concluir que Trüberbrook não é apenas o melhor do seu género a chegar-nos em algum tempo, mas fica também marcado como um dos melhores jogos deste primeiro trimestre.

Trüberbrook é uma excelente história de ficção científica passada nos anos 1960 numa pequena aldeia alemã no meio das montanhas. O protagonista, Hans Tannhauser, é um físico quântico germano-americano que venceu umas férias na pequena localidade de Trüberbrook, numa lotaria do qual nem se lembra de ter concorrido. A apresentação do personagem principal é um dos muitos salutares clichés das aventuras gráficas que este jogo incorre. Apesar de ser um personagem inteligente (não fosse ele um renomeado físico quântico) há alguma mordacidade herdada de Guybrush Threepwood, uma inspiração tão óbvia que em alguns momentos Tannhauser parece um decalque moderno daquele.

Mas por incrível que pareça não é este cliché nem mais uma dúzia de outros lugares-comuns das aventuras gráficas que ensombram este jogo, muito pelo contrário. É este verdadeiro sentido de familiaridade que torna Trüberbrook uma excelente aventura-gráfica moderna, aplicando uma fórmula testada e comprovada ao longo de décadas, sem necessitar de grandes reinvenções do género e adicionando alguns elementos que simplificam, e muito, o jogo.

Uma das mais salutares inclusões (para além da solução quase standard nesta década de uma tecla que “ilumine” todos os elementos interagíveis) foi a forma elegante que os seus criadores encontraram para mostrar onde aplicar os itens que apanhámos. Ao contrário do que crescemos a fazer, Trüberbrook não nos obriga a fazer tentativa-erro de todos os itens no nosso inventário apenas para ver se eles solucionam os puzzles. Uma pequena janela abre-se quando temos itens que podemos usar em determinado local, e até a “fusão” de diferentes ferramentas acontece dentro desta janela, evitando que andemos a arrastar e a tentar cruzar itens de forma doentia.

Mas como em todos os jogos do género, é o enredo e a qualidade dos puzzles quem determina o patamar qualitativo deste título. E aí, posso-vos garantir que Trüberbrook pode não revolucionar, pode não contar uma história inovadora de sci-fi ou ter o enredo mais longo de sempre, mas no final vamos sentir-nos satisfeitos pela viagem que fizemos. Seja pela qualidade da escrita e construção dos vários personagens com os quais nos cruzamos na pacata Trüberbrook, ou pela história em si que acaba por fazer mais sentido sem se levar excessivamente a sério.

Por outro lado os puzzles, sem serem excessivamente crípticos (à excepção de um que me deixou demasiado às voltas a testar uma sequência que tinha a certeza de ser quase certa, mas cujas animações envolvidas fizeram o processo demorar mais do que devia), com resoluções racionais e satisfatórias. Talvez os incontáveis jogos do género que já joguei tenham feito com que rapidamente encontrasse o train of thought inerente a cada puzzle, e não aconteceu uma única vez a sensação de não saber sequer o que fazer a seguir.

Trüberbrook é brilhante, apesar da ligeira desilusão entre as expectativas criadas em torno da sua transposição visual dos cenários reais para o videojogo. Mas nada que chegue a manchar uma aventura-gráfica com personalidade, com personagens que facilmente encontraríamos num filme de Sylvain Chomet. Trüberbrook é obrigatório para todos os fãs de point ‘n clicks e é indubitavelmente um dos melhores jogos deste início de ano. Um jogo com soluções honestas e que nos mantém agarrados do início ao fim pela sua qualidade, sem artifícios ou manhas. Fá-lo com uma aventura bem escrita, com puzzles inteligentes e um mundo memorável. Poderíamos pedir mais?