Caímos no Mundo de pára-quedas, com pouca noção do seu “porquê” ou “como” e desde início, além do nosso muito particular cunho pessoal, é-nos também atribuído um contexto e são-nos traçadas influencias e sonhos. O contributo que teremos para com o que nos rodeia é inconcreto e cada vez mais instável, sendo por isso tão difícil de o decidir em tempo útil. Antigamente o nosso destino era decidido dependendo da família e sexo com que nascíamos (maior parte das vezes). Hoje enfrentamos uma realidade onde nos é dado a acreditar que cada um de nós é especial e que podemos ser tudo o que quisermos desde que haja esforço. O decréscimo do analfabetismo e o aumento do nível de escolaridade trouxe inúmeros benefícios, entre eles o desenvolvimento rápido da tecnologia, da investigação, da saúde, da educação e podemos dizer que nas ultimas décadas temos visto o ser humano ocidental com condições de vida impressionantes tendo em conta aquilo que era a realidade dos nossos bisavós. No entanto há quem diga que na grande escala é uma realidade tão boa quanto má. Questiono-me qual é a realidade que assim não o é? Acima de tudo penso que estamos numa era em que nos está a ser exigida uma rápida adaptação e todos nós nos sentimos a correr contra o tempo. A verdade é que é cada vez maior a competição que sentimos para “ser e fazer algo especial e relevante na sociedade com o devido reconhecimento”.

Deixámos de saborear momentos, pois sentimos que corremos contra o tempo para chegar ao próximo minuto. Vivemos para sobreviver no amanhã, e será realmente isso viver? Ainda ontem estava na Escola Primária a aprender as letras e os números, ou a viver os meus dilemas na adolescência (e que saudades tenho desses tempos aparentemente tão simples)… ainda ontem tive que tomar a derradeira decisão “do que queria ser e fazer” convicta de que tinha que fazer e ser algo que me fizesse ser feliz. A questão é que nem sempre o que “queremos ser” é igual ao que “queremos fazer” ou ao que “temos de fazer” na nossa vida e ter a consciência desta realidade nem sempre é o sonho que vivemos na idade em que decidimos “o que queremos ser”.

A verdade é que precisamos de sobreviver ao mesmo tempo que precisamos de fazer algo e ser felizes e o encontro desta triplica realidade chega a cada um a seu tempo, e a alguns acaba até por infelizmente nunca chegar, existindo a sobrevivência e o “ter que fazer” até ao fim, tendo em conta decisões tomadas e contextos vividos. Costumo dizer que a vida é o videojogo mais completo e complexo de todos (não fossem todos os videojogos baseados em partes do jogo da vida), e com o aumento das ambições, das condições de como as conseguir e da competição para as atingir, é importante termos a consciência de que além de muito esforço, é precisa também muita perseverança, persistência, tolerância, um bom saquinho de sorte (procurando-a) e uma grande convicção.

As novas realidades tecnológicas, nomeadamente no Mundo do Gaming trouxeram novas áreas profissionais e vocacionais que têm sido atractivas para muitos jovens mas incompreendidas pelos seus educadores (algo que é natural, já que é um meio muito recente). Estas são áreas em desenvolvimento, principalmente em Portugal onde quase tudo vai avançando um pouco mais lentamente em comparação com outros países vizinhos europeus. Em consulta chegam-me jovens com o desejo e ambição de serem jogadores profissionais de desportos eletrónicos (Esports), streamers, etc. ou por outro lado pais preocupados com o facto dos seus educandos terem desejos vocacionais “que possivelmente podem ser a sua desgraça”.

A escolha de uma profissão ou trabalho é fundamental para nos sustentarmos como seres humanos na sociedade, não ficando dependentes dos nossos progenitores. Porém nem sempre temos a sorte de “aquilo que queremos ser e fazer” ser logo imediatamente aquilo que de facto fazemos e somos diariamente. Principalmente quando são áreas novas, com pouco investimento no mercado ou por outro lado com demasiada competição tornando-se muitas vezes difícil, até com bastante esforço, obter um retorno e a verdade é que muitos serão os “não” que podemos receber até chegar um “sim” (podendo este até não chegar) e enquanto isso, um plano deve ser traçado de modo pragmático. Numa sociedade que cada vez mais habitua os jovens (bem jovens) constantemente ao “sim” e à intolerância à frustração, preocupa-me que muitas vezes tal tendência traga a depressividade e ansiedade comum dos nossos tempos, carregadas de problemáticas associadas à auto-confiança e por fim desistência e desmotivação. Exigimos mais de maioria dos jovens a nível intelectual e de sucesso profissional do que muitas vezes era exigido no passado, e o mundo encontra-se cada vez mais competitivo do que no passado (ou talvez de modo bastante diferente), trazendo mais receios, mas acima de tudo diferentes tipos de desilusões.

O que devemos pensar destas áreas? E onde devem as famílias procurar mais informação?

É incomum vermos um pai zangado ou preocupado quando um jovem diz querer ser jogador de futebol profissional. Muitas vezes a reacção é até os pais procurarem uma escola de futebol, e mesmo que ele no futuro não se torne profissional, pelo menos exercita-se, desenvolve-se enquanto ser humano a jogar um jogo cooperativo e caso se veja com a capacidade e sorte para isso, poderá realmente tornar-se profissional. Enquanto isso, o jovem investe nos seus estudos, mesmo tendo os seus treinos semanais, nos quais os pais investem dinheiro, a buscar e a pôr no local e a ir assistir a todas as competições que o seu filho ou filha tem. Vemos isto acontecer no futebol mas também em várias outras áreas desportivas ou extra-curriculares. No entanto quando o assunto chega ao Mundo do gaming as duvidas e as preocupações assolam o espaço familiar.

Na área dos videojogos podemos identificar imensas novas áreas profissionais, ou até áreas já existentes mas que têm vindo a ser adaptadas para este contexto.

Primeiro o que é isto dos Esports? Segundo a definição abordada na investigação em psicologia, “é uma área de atividades desportivas nas quais as pessoas desenvolvem e treinam habilidades mentais ou físicas no uso de informação e comunicação tecnológica” (Wagner, 2006). Esta é uma área cuja economia cresceu 41.3% (+$696 Milhões) em 2017, estimando-se o dobro do crescimento até 2020. Além disso, a sua audiência já chegou aos 385 milhões (sendo que destes, 45% jogam, 23% assistem a outros jogadores a jogar em streams e 32% fazem ambos)(Bányai, Griffiths, Király & Demetrovics, 2018). Existem diversos desportos eletrónicos que são habitualmente videojogos competitivos específicos. No que respeita às novas profissões da área, temos diversos exemplos, entre eles:

– Jogador Profissional de desportos eletrónicos – Habitualmente o jogador profissional deve estar inserido num clube que desenvolva estas modalidades e terá de ter horários e treinos bastante bem definidos , tal como verificamos em outras modalidades desportivas. A importância de rotinas de auto-regulação saudáveis (sono, alimentação, exercício físico, tempo de recuperação, acompanhamento psicológico, etc.) é crucial para uma vida saudável e também para uma constante melhoria da performance, já que os desafios vividos por estes jogadores são imensos, desde desafios emocionais, de carreira, sociais, de performance, familiares, institucionais e até de género. Em termos monetários, em muitos países vizinhos já existem diversos jovens a ganhar extraordinários ordenados em diversos clubes, no entanto tal como em outras modalidades, a capacidade e a sorte andam de mãos dadas e é possível jogadores portugueses chegarem ao ponto de ser chamados ou vendidos a equipas estrangeiras (como aliás já vimos acontecer com diversos jogadores). Em Portugal já existem também clubes a pagar ordenados a jogadores profissionais, no entanto ainda não nos encontramos ao mesmo nível de outros países em termos de investimento;

– Streamer e Youtuber  O Mundo do streaming e do Youtube estão também em enorme crescimento e um dos principais locais onde podemos visualizar gratuitamente tudo a acontecer é a Twitch e no caso do Youtube. É um mundo de entretenimento, onde a edição de vídeo, as capacidades ao nível do desenvolvimento de design gráfico apropriado e conhecimento de ferramentas de stream é fundamental. Além disso, nestas atividades as pessoa tornam-se literalmente entertainers, muitas vezes também professores, e as competências de comunicação, interação, multitasking (falar com a audiência do chat e jogar ao mesmo tempo, por exemplo) e criatividade são fundamentais. Um streamer filma-se habitualmente a jogar e cria um ambiente à sua volta interagindo com a sua audiência. É como imaginarmos estar a ver um talk show na televisão, mas neste caso estamos ao mesmo tempo a ver alguém a realizar uma atividade de jogo. O dinheiro chega ao streamer através de doações da sua audiência ou através de subscrições mensais. Já no caso do youtube, o jogador pode também fazer stream nesta plataforma, porém esta é mais utilizada para a publicação de vídeos a mostrar gameplay ou até a realizar reviews de videojogos. Nesta plataforma as visualizações podem trazer dinheiro assim como as subscrições. Mais uma vez neste caso, a sorte poderá ter um papel importante para o bom desenvolvimento da atividade, no entanto a regularidade, horários definidos e apresentação cativante, bom marketing e criatividade são fatores que se demonstram aparentemente como fundamentais. Existem também clubes e grupos que integram streamers, facilitando a promoção destes;

– Comentador/Analista de Jogos no âmbito dos serviços de transmissão de jogos – À semelhança do que vemos em outros desportos também a transmissão de jogos de desportos electrónicos já enquadra comentadores/analistas. Estes são normalmente pagos para estarem nos grandes eventos e seja presencialmente ou através de streaming, os seus comentários tornam-se muitas vezes um grande auxilio para quem está a visualizar os jogos e não é tão experiente. O bom conhecimento do jogo, a boa capacidade de comunicação, multitasking e atenção são aqui também realçados e em Portugal já vão existindo várias caras conhecidas no âmbito dos Esports na área;

– Jornalista da área de videojogos – A paixão pelos videojogos e escrita (se existir) pode ser conciliada e são várias as pessoas com este interesse, principalmente quando esta é uma área em crescimento.;

– Organizador de Eventos/Competições de Esports Outra das grandes áreas é a criação e organização de eventos. Os eventos de Esports têm particularidades especiais como qualquer outro e é fundamental que alguém que trabalhe na área conheça e respire este contexto. Na Inglaterra já abriu inclusive um curso superior de organização de eventos de Esports na Staffordshire University, mostrando-se esta uma área com potencial de desenvolvimento para o futuro;

– Equipa Técnica de Clube de Esports São várias as áreas que podem integrar uma equipa técnica que acompanha uma Equipa ou Jogador de Esports tal como vemos noutros desportos. O treinador, o analista de jogos, o nutricionista, o psicólogo, o personal trainer, são apenas alguns exemplos da equipa de pessoas que mais perto pode trabalhar com os jogadores. Sendo assim vemos cada vez mais áreas que já se encontravam noutros desportos a serem transferidas, estudadas e adaptadas ao Mundo dos Esports, amadurecendo a visão que este contexto tem na vida da população ocidental e trazendo um maior potencial de emprego futuro em diversas áreas;

Por fim, gostaria apenas de salientar sem mais grande demora, que é realmente importante mantermo-nos de mente aberta para o que já existe e está para vir, procurando informar-nos, mas acima de tudo agir com responsabilidade e consciência. Devemos investir nas nossas paixões mas assegurar também uma vida saudável e muitas vezes aquilo que começa por um hobby ou paixão ocasional, pode realmente tornar-se uma fonte de rentabilidade, porém é sempre importante investirmos e termos um Plano B. Para as famílias, cuja preocupação é legitima, sendo estas novas áreas e novos mundos muitas vezes um poço de dúvidas e preocupações, torna-se importante procurarem informação e ajuda especializada para auxiliar os jovens a criar um plano, seja em clubes de Esports do seu país ou até mesmo em entidades como a FEPODELE – Federação Portuguesa de Desporto Eletrónico ou CIS – Centro de Internet Segura.