Antes de falar do serviço em si é necessário explicar que ao contrário do EA Access Premiere e do Nintendo Switch Online pacote familiar que foram pagos por mim, a subscrição do PlayStation Now foi-me oferecida (como à grande maioria dos meios portugueses) pela PlayStation Portugal.
Um pouco de contexto preliminar: desde o burburinho inicial até ao ruído ensurdecedor que rodeou o Gaikai, as suas possibilidades de revolucionar a forma como os consumidores iriam viver a sua experiência de gaming, até à aquisição da companhia (e da tecnologia associada) pela Sony em 2012, ficou uma nuvem de especulação. Seria apenas 2 anos depois na E3 que um dos braços de utilização da tecnologia viria a materializar-se sob a forma do PlayStation Now, um serviço em quase todos os aspectos semelhante a outro serviço cultural famoso pelo mundo mas ausente do mercado português, o Netflix. Foi na conferência da Gamescom 2014 da Sony (onde tive o prazer de estar presente, acompanhado do Frederico Lira) que a companhia revelou mais informações do serviço, anunciando a sua chegada a alguns países europeus em 2015. Foi mais uma vez com tristeza que percebi que a periferia geográfico-económica iria empurrar a chegada do serviço ao nosso território em segundas e terceiras núpcias. O que não invalidou que não tenha andado os últimos 4 anos a importunar os representantes locais da PlayStation sobre novidades em relação ao serviço.
Como podem ter lido pelo meu artigo sobre o serviço da EA, eu sou um defensor deste tipo de abordagens económicas. Com todo o pragmatismo possível vejo o retorno versus o investimento a ser recuperado em muito em todos os serviços que subscrevo anualmente. E são diversos: EA Access Premiere, Xbox Game Pass, Poké Bank, Netflix, Amazon Prime Video, HBO, Spotify e Nintendo Switch Online. Em quase todos (menos no da Nintendo, por razões que expliquei aqui) consigo calcular o investimento mensal e o retorno de conteúdo que ele me traz. Estes serviços respondem a algo que sempre foi um desejo meu enquanto consumidor: a possibilidade de pagar um valor fixo que me permita um acesso indiferenciado, ilimitado e alargado a dados catálogos. Por outro lado, e ainda que defenda alguns sistemas de legalidade marginal na preservação da cultura na era digital, especialmente de obras que cairiam no esquecimento, acredito também que estes serviços são tremendos detractores da pirataria, visto que para o valor de investimento médio mensal poucos serão os consumidores que não prefiram subscrever e ter acesso ilimitado ao invés de piratear filmes, séries ou videojogos. Mas isso é matéria para outro artigo.
O PlayStation Now, tinha, porém, outra curiosidade adicional: a aplicação da inovação do Gaikai em termos de cloud streaming de videojogos. Ao contrário dos restantes serviços de videojogos que existem que nos permitem fazer download dos jogos e jogá-los enquanto as subscrições forem pagas, o PS Now apresenta a possibilidade de jogar em streaming, em tempo real, controlando um jogo que está a ser processado numa máquina que não a nossa, algures na “nuvem”.
A grande diferença que esta possibilidade traria (e efectivamente trouxe) é a resposta à incompatibilidade de arquitectura inter-consolas, especialmente entre a PS3 e a PS4. O facto dos jogos estarem a ser jogados numa máquina externa permite-nos, finalmente, jogar ao brilhante catálogo da PS3 na nossa PS4, a reboque de umas dezenas de jogos da afamada PS2 que estão incluídos também.
A funcionar há 3 dias aqui em casa, é fácil de perceber que as minhas expectativas para o que seria o PS Now foram todas rapidamente ultrapassadas. Os mais de 600 jogos disponíveis (a maioria dos de PS2 e PS4 disponíveis também para download e instalação directa) têm uma diversidade e abrangência surpreendentes, passando por todos os géneros e por quase 20 anos de jogos de qualidade, de grandes produções exclusivas até indies obrigatórios. O PS Now tem conteúdo para todos os gostos e para toda a família. O lado negativo é que veio contribuir para estender um backlog já de si considerável de títulos que eu quero mesmo experimentar mas que a minha vida não o permitirá. A consciência da nossa própria mortalidade, a depressão associada, e a aceitação da incapacidade de termos tempo para jogar tudo aquilo que gostávamos de jogar e que temos aqui à distância de um pressionar de botão, essas, vêm gratuitas com o serviço.
Traçar paralelismos de interface e de User Experience entre o PS Now e o Netflix não são meras trivialidades. A experiência de navegação está feita a pensar na nossa familiaridade com o quase ubíquo serviço de streaming norte-americano, com separadores horizontais por categorias e que inclui inclusivamente sugestões para jogos infantis e/ou familiares.
Tinha uma grande dúvida técnica em termos da utilização e disponibilidade das máquinas de streaming que estão a correr os jogos por nós. Visto que as limitações e exigências técnicas de fazer stream de um videojogo são muito diferentes de fazer streaming de vídeo, queria conhecer na prática como é que o serviço geria o nosso acesso (e de todos os outros subscritores) aos jogos pretendidos. Isto não falando, é claro, daqueles que estão disponíveis para download. O que o PS Now faz é colocar-nos numa fila de espera se os servidores estiverem ocupados. Nos 3 dias em que joguei, em alturas do dia diferentes, não aconteceu estar mais de 3 minutos numa fila de espera para jogar, o que me parece algo perfeitamente aceitável num sistema onde posso literalmente carregar num botão e alguns segundos depois estou a jogar um título sem ter de o descarregar.
Outro temor deste tipo de serviços, dado volume de informação, dados e inputs que viajam entre nós e o servidor da Sony seria a falta de fluidez ou lag nos jogos, mas nada disso existe. Até na outra grande surpresa de compatibilidade, o PC, onde o PS Now corre de forma praticamente nativa como se estivesse numa PS4, os jogos são fluidos e correm sem qualquer tipo de sobressalto.
Ainda há pouco discutia com o Nuno Marques a qualidade do PS Now e o facto de que pelo meio de 600 títulos disponíveis há tantos jogos de qualidade que para mim tornam este serviço verdadeiramente obrigatório, e ele falava de uma parte dos consumidores (talvez uma grande maioria) que só se interessa pelas últimas novidades e os jogos mais recentes ao qual o gigantesco catálogo disponível pouco diz. É claro que essa é a diferença mais gritante para o Xbox Game Pass. É claro que nesta diferença é preciso medir e ponderar o peso relativo das vendas de software na corrente geração entre as duas “rivais” Sony e Microsoft. Se para a Microsoft a inclusão de jogos no dia de lançamento no seu serviço de subscrição é uma mais valia económica, um argumento para ganhar a confiança e captação de novos subscritores, tendo consciência que para o número de consolas vendidas existe um maior retorno em bonificar as trincheiras do seu serviço com jogos Day-1, do lado da PlayStation as coisas mudam de figura. Com mais de 80 milhões de consolas vendidas da sua PS4 e muitos milhões de cópias vendidas dos seus maiores exclusivos (com Horizon Zero Dawn e Marvel’s Spider-Man a venderem 10 e 9 milhões respectivamente), incluir estes títulos no PS Now perto do lançamento seria canibalizar o lucro tremendo expectável. A não inclusão destes títulos é compreensível a título económico. As duas companhias estão em pontos opostos do sucesso, e se para a Xbox era uma quase obrigação potenciar o investimento no desenvolvimento dos seus parcos exclusivos inflando a oferta de um serviço de subscrição que lhes pode ser muito rentável, para a PlayStation compreende-se que haja um período de um par de anos de exploração e retorno nos seus exclusivos, que progressivamente vão entrando no sempre crescente catálogo do seu serviço de subscrição.
O PlayStation Now chegou para ficar. Tenho alguma curiosidade para perceber como é que o público português, tão fiel e seguidor da Sony e das suas consolas, responderá ao apelo de um serviço que custa 14,99€ por mês ou 99,99€ (cerca de 8,33€) se pago em formato anuidade. Um serviço que coloca à nossa disposição mais de 600 jogos da PS2 à PS4 por um valor quase irrisório e que quase nos faz libertar o espaço nos móveis da sala ocupados pelas nossas PS2 e PS3, já que a irmã mais nova PS4 já tem capacidade para nos providenciar muitos dos seus jogos. Não sendo necessária a subscrição do PS Plus sem ser nos títulos que requeiram multiplayer online, acredito que seja internamente que o PS Now tem a sua própria batalha para travar com os consumidores, já que muitos farão contas à vida para perceber se podem ou devem subscrever ambos os serviços ou apenas um.
Da nossa parte, com a aceitação familiar que temos por serviços de subscrição, acredito que irei estender a subscrição para além dos 12 meses que me foram oferecidos. E não é para menos: já que a PS3 foi a consola da Sony que menos joguei, há muitos títulos que ali estão disponíveis que sei serem obrigatórios e que quero mesmo jogar. Se efectivamente chegarei a jogá-los, isso não sei. Mas sei que eles estão ali, se nalgum momento súbito me apetecer jogá-los, ao alcance de um botão, de imediato e sem downloads. E esse conforto e acessibilidade por si só quase que já pagam a subscrição.