O que têm uma cavaleira, três tribos de goblins, um dragão e um ladrão em comum? Nada, mas se lhes juntarmos uma caverna sociopata, talvez tudo passe a fazer sentido…
A Leder Games possui desde 2016 um dos jogos de tabuleiro mais assimétricos, invulgares e curiosamente funcionais que já foi criado. Vast: The Crystal Caverns centra-se em torno de 5 personagens todas elas com motivações e mecânicas de jogo muito diferentes entre si, mas com resultados práticos muito equilibrados. Num típico dungeon crawl vão competir entre si para ganhar a partida.

Visão geral do tabuleiro que vai sendo progressivamente incrementado através da adição de mosaicos (versão base sem miniaturas)
Patrick Leder apresenta-nos as personagens. Temos a cavaleira (The Knight), cujas motivações são a busca de tesouros e aventura (através da matança do dragão); as tribos goblins habitam a caverna e querem fazer da cavaleira um exemplo do que pode acontecer a quem os chateia; o ladrão foi amaldiçoado e ficou imortal e como não pode morrer resolveu seguir a Cavaleira a fim de com pouco esforço subtrair os tesouros encontrados, isto para os entregar como pagamento a uma bruxa que lhe quebre o feitiço; o Dragão está em sono letárgico, mas com a chegada de intrusos resolve acordar e ganhar forças (mesmo que para isso tenha de comer uns goblins) a fim de fugir para espalhar destruição pelo reino… no meio disto tudo a Caverna está farta de tanta rambóia e que por não a deixarem estar descansada vai fazer tudo para os enterrar, a fim de voltar a ter alguma paz e sossego.
Em termos generalistas e com todos os jogadores em campo temos uma Cavaleira contra o Dragão (tem de matar o dragão), Goblins contra a Cavaleira (ganham se a matarem), Dragão contra o tempo (precisa de fugir da caverna), o Ladrão à semelhança do Dragão precisa de fugir após acumular certo número de tesouros e a Caverna contra o tempo. Esta necessita colapsar certo número de peças o mais rapidamente possível a fim de se sagrar vencedora. No fundo estão todos contra todos! Podem ser omitidas certas personagens caso não existam jogadores suficientes pelo que não é um jogo obrigatoriamente para 5 jogadores.
As mecânicas
A sequência de jogo segue a ordem descrita nos cantos dos tabuleiros de jogador. Começando pela cavaleira começamos o jogo com alguns marcadores de ação que tanto podem ser variados e repetidos consoante a sua disponibilidade. Temos ainda a determinação (grit) que é o que nos permite fazer o level up da nossa personagem. À medida que vamos fazendo explorações ou completando side-quests vamos aumentando o número de ações disponíveis.

O terrorismo bombista também já chegou às cavernas!#sympathyforthedragon #sympathyforthecave
O próximo jogador (caso tenha sido essa a escolha) é o comandante das tribos Goblins. Existe porém um handicap; os goblins reproduzem-se que nem coelhos, por isso e logo após ter sido retirada ao calhas a carta de guerra (que indica em quantos membros a população aumentou), é necessário popular as diferentes tribos o que por sua vez determina a sua força de combate. Seguidamente, e como os goblins são criaturas altamente sociáveis, temos que lhes atribuir um monstrinho de companhia que vai desde um troll ou ogre a criaturas bem mais fraquinhas mas nada igualmente agradáveis, que no entanto, servem para aumentar a força global da tribo a que estão anexados sendo que uma tribo pode ter dois amiguinhos de companhia ao mesmo tempo. Seguidamente poderão mover-se e atacar a cavaleira. Poderia parecer altamente desequilibrado, não tivessem primeiro como exigido pelas regras, que se revelar no mapa no turno anterior. Só o podem fazer nos locais onde o símbolo correspondente à sua tribo está. A tribo Ossos só pode ser revelada no símbolo correspondente tal como a tribo Olho e a tribo Mandíbula. Estes são distribuídos pelo jogador Caverna. Em alternativa a Caverna poderá jogar um símbolo de emboscada para saltar esta ação de revelação.

“What we’ve got here is failure to communicate”
Seguidamente na ordem de jogo temos o Dragão. O seu objetivo será acima de tudo recolher os diversos tesouros colocados na e pela Caverna em jogo. Poderá usar os diversos poderes à sua disposição através de cristais específicos que vai deixando em jogo. O modo como acorda e ganha força progressivamente é feito através da ganância (recoleção de tesouros), orgulho (revelando peças de evento) e gula (alimentando-se de goblins). Caso tenha dificuldade em ganhar força através destas façanhas poderá não se mexer ou colocar os seus cristais em jogo o que o ajuda a evitar usar a mão ganha em sorteio. É com estas mão que as ações são feitas. Escusado será dizer que uma mistura destas duas estratégias será a melhor opção de jogo. A partir do momento em que liberta o 12º cubo acorda. Daí poderá iniciar a sua missão de renovação urbana à maneira de Nero no mundo à superfície, bastando para tal, fugir pela entrada.

“J’accuse!” Goblincídio! #goblinlivesmatter
Depois joga a Caverna. Esta é como que o elemento nivelador em toda o jogo pois cabe à caverna influenciar as jogadas de todos os outros jogadores. Tem acima de tudo a função de ajudar ou prejudicar os jogadores no âmbito de determinar onde estão os tesouros, eventos e emboscadas. Se por exemplo a cavaleira está com uma vantagem poderá pôr à sua frente emboscadas a fim de refrear os seus esforços. Também pode provocar derrocadas para criar obstáculos e atrasar os outros jogadores.

Se pudesse falar diria… “Deixem-me em paz porra!”
Por fim e ainda inserido na versão base temos o ladrão. Aqui o papel do ladrão é mais o de ser oportunista do que outra coisa. Consiste em andar modo predatório em cima dos seus oponentes e ir controlando o desenrolar da cena. Quando for altura, entra a matar (trocadilho intencional) daí ser logicamente o último a jogar. Possui uma mobilidade à qual pode ser feito um level up a fim de facilitar o seu oportunismo. À semelhança da caverna também pode atrasar os jogadores mais bem sucedidos, através da ação ‘facadinha nas costas’ (back stabing) onde cada uma das outras fações vivas pode perder determinação (cavaleira), população (goblins) ou poderes (dragão) como penalização. A ação ‘dedos pegajosos’ permite-nos subtrair itens à cavaleira (tesouros), ao dragão (atrasando-o na sua ganância) ou aos goblins (através da subtração de feitiços e manhas existentes no seu baralho de segredos). Mais uma vez sempre no âmbito de enojar jogo/estratégia alheia. No meio disto tudo temos o fator sorte determinado por um vulgar d6 caso queiramos apostar numa maior multitude de ações mais variadas, durante o mesmo turno.

Nunca o inimigo do alheio, teve um sorriso tão afável!
Até a caverna começar a colapsar é este o aspeto geral do tabuleiro após alguns turnos. Não é o mais amigável em termos de espaço.

Convém existir bastante espaço disponível…
Vast: The Crystal Caverns é extremamente interessante por permitir de modo funcional experimentar fações de jogador com modos completamente assimétricos de jogar. Uma vez que é competitivo cabe à Caverna e ao Ladrão em certa parte nivelar dentro do possível os avanços dos jogadores, condicionando-lhes as ações. Tem algum componente de sorte no que diz respeito ao lançamento de dados o que é perfeitamente justificável dadas as assimetrias competitivas planeadas. Das vezes que joguei posso dizer que tive partidas altamente competitivas pois foram lutas constantes até ao fim tendo ficado num jogo a quatro todos os jogadores apenas a um turno de cada um e de modo individual vencer a partida. Pode-se criticar o facto de a dinâmica não permitir um planeamento das jogadas a médio prazo mas todas as fações são suficientemente versáteis, dentro das suas mecânicas, pois permitem elaborar estratégias diferenciadas. Umas poderão ser associadas a jogadores mais ofensivos e outros mais defensivos e não tão confrontacionais. Acredito pois que em fase de teste houve uma mecânica trabalhada muito bem conseguida.
Temos ainda a arte de Kyle Ferrin que ajuda, de maneira extremamente bem conseguida, a passar a ideia de uma ‘clusterf@ck’ (confusão) generalizada no meio de uma caverna!

“Mas nós só queremos brincar!”

̶T̶e̶r̶r̶o̶r̶i̶s̶t̶a̶ Técnica de demolições e piromaniaca? Tsk tsk tsk…

Goblins: “Baza daqui! Não és do nosso clube!”
Expansões
Ora bem, posteriormente à versão de kickstarter foi libertada uma expansão com miniaturas, não fosse a malta amiga do ameritrash pensar que só com figuras de madeira se conseguiria fazer um jogos de tabuleiro… no geral estão bem catitas e complementam o aspeto ‘cartoonístico‘ do jogo em si.

Bué naice! Uma versão já alterada pois foi toda pintadinha! Na expansão não vêm figuras pintadas…
Com a expansão Vast: Fearsome Foes temos ainda mais alguns ‘jogadores’ novos, subindo para mais dois o número de participantes. Incluiu ainda um NPC (Non Playable Character).
Primeiramente temos o Ghoul cujo o objectivo é ganhar fúria de modo a fugir da Caverna. Esta personagem pode alternar de posição com os goblins tendo para isso um tabuleiro específico. Em resumo quem se cansou de fazer a vida negra à cavaleira com os goblins tem agora o ghoul para fazer quase o mesmo mas com uma mecânica alterada.

Mais uma infeliz vítima da ganância alheia. #leaveermitghoulalone
À semelhança do que foi feito para o ghoul temos o fantasma que pode alternar de lugar com a Caverna passando a ser uma Caverna Assombrada. O objetivo do nosso amigo ectoplásmico é reunir cinco artefactos de modo a quebrar a maldição que o prendeu a esta caverna. Tendo conseguido os mesmos, poderá escapar-se para o exterior.

Boo
Por fim temos o… Unicórnio. Existem duas variantes: O Unicórnio das Sombras ou o Unicórnio dos Pesadelos. Este, tanto pode jogar como NPC ou (suspeito do lobby dos unicórnios) pode ser uma personagem que substitui o dragão, tendo exatamente o mesmo objetivo deste último, ou seja reunir fúria e fugir da caverna.
Como NPC, na versão Unicórnio das Sombras, esta personagem age basicamente como um ‘indrominador‘ das jogadas alheias. Nunca tive a oportunidade de experimentar esta versão com um NPC, no entanto considero original e no mínimo curiosa esta adição… mesmo que tenha vindo sob a forma de… um Unicórnio.

M@therf@k*ng Unicórnio…
Em conclusão creio ser um jogo bem conseguido no entanto não é dos mais acessíveis para ser jogado por jogadores inexperientes. A multitude de personagens e diferentes mecânicas obriga a aprender a jogar com cada personagem antes de se dominar um estilo ou personagem específica. Surpreendente mesmo é o modo como todas as personagens nos seus modos de interagir entre si, conseguem ser diferentes e muito equilibradas ao mesmo tempo. Aconselhável definitivamente a jogadores mais experientes. É entretenimento garantido dado o confronto ser permanente, pelo que adeptos de dungeon crawls não cooperativos poderão gostar de o experimentar!

Mais ameritrash?????