Olá. Permitam-me que apresente. Sou o Ricardo Mota e não sou, habitualmente, um jogador de jogos mobile. A apresentação, vincando a negativa, serve como interlúdio a uma análise a Florence, jogo mobile desenvolvido pela Mountains e publicado pela Annapurna Interactive.

Florence, ou como fazer um jogo a partir do pequeno-almoço


Gosto das coisas da Annapurna. Florence vem na sequência de Monument Valley, de que aqui falamos em 2015. Depois do seu sucesso, Ken Wong, o responsável pelo game design, muda-se para o outro lado do mundo (provavelmente sem recorrer a escadas Escherianas) e funda a Mountains. Florence é o primeiro jogo do estúdio. E, senhores, que jogo!

Florence é uma miúda. Florence é o jogo sobre parte da vida dessa miúda. Não tem tiros, não tem bolas, não tem corridas. Florence é um filme interactivo de uma história de amor, de crescimento, de maturação, de superação, do doce contraste entre a dor e a felicidade que nos permite gozá-la em todo o seu esplendor.

Florence é um jogo para quem não gosta de jogos. Florence é um jogo para quem acha que não gosta de jogos mas que, decididamente, vai adorar mergulhar naquela fatia da vida de Florence e vivenciá-la, de mãos dadas com ela.

Conheci Florence nos BAFTA de videojogos. Uma nomeação, duas, três, quatro, cinco, seis… Não dá para ignorar. 2,99€. Vale a compra exploratória na Google Play Store. Vale uns minutos do meu tempo. Vale… vale muito mais que isso.

As conversas iniciais são representadas por puzzles com um número de peças e complexidade superior ao que vamos encontrando depois, quando conhecemos melhor o interlocutor.

Florence é um hino ao game design. À comunicação não verbal. Ao culto da intuição. O jogo discorre de uma sequência de mini-jogos intuitivos. A acção pretendida não nos é explicada, mas sugerida subtilmente. Cabe ao jogador explorar. Envolver-se, aos poucos, no mundo, na história de Florence. Primeiro, timidamente, molham-se os pés. Depois, deixamos o jogo chegar aos joelhos… por fim, mergulhamos de cabeça na história de vida de Florence. E é impossível não se deixar deliciar pela forma como a comunicação é ali mantida, pela forma como, quase através de um aroma, somos conduzidos para a realização da evolução da história. Sem uma palavra. É-nos mostrado o crescimento de Florence, o seu gradual afastamento, a sua rotina diária… Tomamos o leme aquando da sua descoberta do amor. As conversas, primeiro laboriosas e densas, tornam-se mais simples, gradualmente, até desaguarem num único bloco de conversa intuitivo, fluindo naturalmente. Vemos, pela comparação, a felicidade. E nessa, vemos também, os percalços. Os arrufos de namorados, com a subsequente comunicação mais ríspida, cortante, com os tempos de reacção mais abruptos… Um hino, disse eu. Um hino à ilustração de várias etapas da vida de uma jovem mulher. Um hino que merece, certamente, uma horita e pico do vosso tempo. Pelo jogo, pela história, pelo brilhantismo de toda a forma como foi feito. Florence é um verdadeiro caso de estudo no mundo dos videojogos. E custa menos de 3€.