A narrativa é talvez dos pontos mais relevantes para um bom jogo, na minha opinião, contudo a preguiça geral do público e a sua ânsia por recompensas e satisfação imediata têm condicionado os produtores de conteúdos (não estou a falar de instagramers ou youtubers) para obras cada vez mais simplistas, mais básicas e fracas em todos os aspectos.

Reparem na música pop por exemplo. As complexidade das letras de música pop tem vindo a descer ao longo dos anos e que basta estar ao nível de compreensão de escrita da 3ª classe para as entender, comparando isto com os níveis de profundidade de uma música de Bob Dylan por exemplo é apenas uma das várias razões para perceber o porquê de ele ter sido laureado com um Nobel de Literatura. As fraquezas narrativas não acontecem apenas nos jogos e nas músicas, na TV e no Cinema também são constantes. Os filmes do Marvel Cinematic Universe contam histórias de uma forma banal e repetitiva nos seus 2 a 3 filmes por ano, contudo são louvados à exaustão. Ou Game of Thrones, que estreia/ou a sua última temporada no dia em que escrevo esta peça, perdeu a sua qualidade narrativa quando deixou de seguir os livros e passou a ser apenas uma série de TV com produção bastante cara no qual não existe respeito pelas regras do seu mundo ou pelo carácter que os seus personagens construíram durante anos quando tomam atitudes totalmente contra natura apenas porque os produtores queriam enfiar a martelo uma cena de sexo ou de acção. É claro que há músicas, livros, séries e filmes que continuam a ter boas narrativas, infelizmente são cada vez menos.

A Rockstar, por exemplo, tem no seu portefólio óptimas narrativas. Não é segredo nenhum que sou fã incondicional de Red Dead Redemption, e da sua sequela apesar de nunca ter sido dos GTA. Recentemente aproveitei uma campanha de saldos da Nintendo e ando a embrenhar-me em L.A. Noire que vem consolidar a minha opinião de que eles são dos últimos grandes storytellers dos videojogos. A par deles está o pessoal da CD Projekt Red com os seus Witchers e um pequeno punhado de outros estúdios onde já esteve a extinta e prestes a ressuscitar LucasArts tal como a Bioware que atingiu o seu pico de narrativa no Knights of the Old Republic. Com isto não quero dizer que seja necessário que um jogo tenha que ter uma introdução em voz off ou texto, diálogos longos e várias set-pieces que contam uma história, para ter uma boa narrativa mas tem que ter uma história, isso sim. E a história pode ser contada de várias maneiras, infelizmente cada vez vejo jogos com menos storytelling, e ainda menos com storytelling de qualidade. E isso é algo que é feito de muitas mais maneiras do que as que acabei de mencionar.

Começando com os Red Dead Redemption, a título de exemplo. Quem já jogou qualquer um dos jogos sabe que eles não vivem apenas das cenas de acção. Bem pelo contrário, se compararmos o tempo de jogo de qualquer um dos jogos em que andamos aos tiros com os que andamos a conversar com pessoas, ou simplesmente a vaguear pelas estradas e campos poderemos ver que o tempo das cenas de acção deve ser proporcionalmente tão baixo como o tempo de lutas entre Transformers nos três primeiros filmes do Michael Bay*. E enquanto isso é relevante para os filmes porque ninguém vai ver um filme de Transformers para ver a história ou o Shia Labeouf, nos jogos de RDR, a narrativa é o que conta, quem quer um jogo de tiros vai para um daqueles multiplayer de arena ou battle royale, um RDR é um jogo em que cada passo é uma linha numa história.

Algo que me agrada nestes jogos é que a ritmo é propositadamente lento porque tudo nele conta uma história, os criadores fazem-nos andar para todo o lado, ao invés de correr, para que possamos apreciar todos os momentos que contam algo. Estes momentos de história não são obrigatoriamente diálogos, mas podem ser as roupas dos NPC, as paredes de um edifício, ou um simples desvio no caminho que percorremos. Porque muitas vezes não são precisas muitas palavras para contar uma narrativa. Um grande exemplo de boa narrativa em poucas palavras encontra-se, estranhamente, em John Wick, um dos meus filmes de acção favoritos dos últimos anos. Quando vemos o primeiro filme, somos confrontados com vários acontecimentos nos primeiros minutos, mas não temos uma backstory do personagem, até este momento:

Naquela pequena troca de frases, e especialmente naquele “oh…” temos tudo o que precisamos de saber sobre o personagem principal e a sua história. Os pormenores são irrelevantes, sabemos simplesmente que aquela pessoa a quem mataram o cão e roubaram o carro é alguém que torna o acto de bater no filho do chefe da Bratva totalmente perdoável.

São estes pormenores que marcam uma boa narrativa, ambos os Red Dead Redemption estão cheios destes momentos, tal como os The Witcher e já encontrei alguns em L.A. Noire. Knights of the Old Republic conta a sua história de uma forma diferente, mais explanatória mas ao mesmo tempo aproveitando a superioridade que o universo Star Wars sempre teve sobre outros mundos de ficção, o facto de ter um aspecto usado e com história em quase tudo. As marcas nos X-Wing ou no Millenium Falcon, as suas amolgadelas contam algo, sem pormenores mas algo que se passou, os rasgões e sujidade em roupas contam histórias, KotoR usa esses efeitos a seu favor, quando possível, mas também consegue aproveitar um antigo universo expandido que lhe dava tanto valor.

Falando em Star Wars, já viram o trailer do novo jogo? A EA vai lançar um jogo single player sem microtransações. Espero que seja tão bom como o trailer dá a entender. Por outro lado, o SW Old Republic também tinha um trailer fenomenal e é o que é…

Jogos vivem de narrativas, por mais simples que sejam devem sempre ser bem contadas, afinal, como uma grande homem disse uma vez: “No final somos todos histórias, garantam que a vossa seja boa”.

* os três primeiros filmes de Transformers de Michael Bay totalizam 7 horas e 21 minutos. Nesses 441 minutos há apenas 19 minutos de lutas entre Autobots e Decepticons.