O seu a seu dono: depois de assistir ao meu stream de ontem, foi mesmo o João Machado quem apelidou este Weedcraft Inc de Farmville da Cannabis. E ele tem razão em chamá-lo desta forma, por vários motivos.

Fazendo pela enésima o preâmbulo (provavelmente) desnecessário: nunca experimentei qualquer droga, nunca tive interesse em fazê-lo, e como ontem dizia no stream (para descrédito do nosso Ricardo Mota) acho que já nem tenho idade para ter curiosidade com uma mera ganza. Mas o facto de não ter experimentado coloca-se mais pelo ambiente onde cresci e convivi, entre os Olivais e Chelas, e muitos factores que não são para aqui chamados e que me retiraram, mesmo no auge da adolescência, a vontade de sequer “fumar uma”. Não tenho, porém, qualquer problema com a existência da cannabis, e já li estudos médicos que atestam a sua utilidade em algumas enfermidades, e concordo por inteiro com a sua descriminalização.

Compreendo, porém, a postura arrojada do estúdio Vile Monarch e da Devolver Digital em acenderem a discussão sobre as drogas leves nos EUA, a sua produção, comercialização, os interesses económicos, a franja da legalidade e da ilegalidade e o lobbying político. Em Portugal, dada a postura única que tivemos perante o problema da toxicodependência, este assunto é um quase não-problema.

O entusiasmo em mergulhar em Weedcraft Inc era assim, imensa, não só pela premissa, mas pela curiosidade mecânica de como resolver um tycoon dedicado a um tema tão específico. A realidade é que dentro da complexidade crescente de Weedcraft Inc há tantas falhas básicas neste jogo que por vezes me parece que os seus criadores necessitavam de um acompanhamento mais profundo ao longo do seu desenvolvimento.

Weedcraft Inc é lento. E não digo lento como quem diz “a vida é lenta se for vista pelos olhos do Flash”. É lento mesmo. Ou talvez tenha a velocidade certa se estiverem no estado de espírito próprio para o aproveitar, que é como quem diz, “fumados”. Para todas as restantes pessoas com as suas sinapses a funcionarem à velocidade habitual, a jogabilidade de Weedcraft Inc arrasta-se como uma novela da TVI, cujo enredo de 2 linhas tem de dar para meses de emissão.

Desde os anos 1990 que já joguei muitos tycoons, muitos jogos de estratégia e muitos city builders, caso não tenham reparado nestes quase 6 anos e meio de presença no Rubber Chicken. Mas nunca joguei nenhum que mantivesse as suas evoluções mecânicas bloqueadas atrás de progressão na campanha de forma tão agressiva quanto em Weedcraft Inc. Este é, aliás, o grande crime deste jogo. Na hora em que estive em stream tudo o que fiz foi busy work do mais elementar game design do jogo: plantar, regar, aparar, colher e vender cannabis. Lá aprendi a mudar os nutrientes do solo após 40 minutos, e pouco mais aconteceu. Qualquer bom tycoon ou city builder vai criando um fluxo de aprendizagem tal que o somatório dos seus elementos de complexificação nunca exacerbem o jogador.

Weedcraft Inc não. Quer ir lento, lentinho. Uma hora de busy work, de repetir o mesmo mini jogo de manter o rato pressionado por três segundos exactamente para optimizar a aparagem da planta. Ter de manter pressionado o rato por três segundos para completar uma venda. Fazê-lo repetidamente com outro elemento que me choca, e muito: os loading screens entre as mudanças para a vista da cidade (onde vendemos a droga) e o nosso edifício (onde a cultivamos). Num jogo que necessita de muito ping-pong entre locais de venda e locais de desenvolvimento, com ecrãs praticamente estáticos, os ecrãs de loading intermédios acabam por cortar por completo a nossa sensação de flow, e quebram, e muito a experiência de Weedcraft Inc.

E falando na necessidade de manter o rato pressionado: que raio de decisão mecânica é essa? Porque é que o jogo me obriga a pressionar o botão do rato durante três segundos para efectivar uma venda? Não consigo perceber a validade desta decisão, e admito que é uma das características de Weedcraft Inc que me chateia, e muito, dentro de tantas outras.

Mas a que me chateia mais é mesmo o potencial perdido. Conseguimos ver no nosso ecrã uma série de elementos mecânicos que queremos usar mas que estão praticamente todos bloqueados até o jogo decidir que já jogámos horas suficientes para os usar. Alguns, pelo que li em alguns comentários de compradores, estão mesmo fechados até chegarmos ao segundo cenário (Weedcraft Inc tem apenas um modo de história com dois cenários distintos, um básico e outro avançado). Sejam eles a possibilidade de contratar funcionários para irem cumprindo com todo o busy work que o jogo de forma cruel nos obriga a repetir ad nauseam, ou a mecânica da polícia e dos subterfúgios que temos de levar a cabo para manter a nossa actividade sob o radar legal. Ou a necessidade de criar negócios de fachada para justificar o corrupio e o consumo eléctrico, as pesquisas e criação de novas espécies geneticamente alteradas de erva, ou a complexificação da concorrência. Ou, no late game a existência de lobbying e de chantagem política para legislar em torno da cannabis.

Weedcraft Inc tem óptimas mecânicas, bem aplicadas (a maioria delas que não recai sobre uma penalização mobile em formato de mini jogo), complexa, mas que a maioria dos jogadores não vai ter sequer a paciência para esperar 20 horas para as conhecer. Mesmo a semi-abertura de operarmos dentro da legalidade ou na ilegalidade, entre Wall Street e o Casal Ventoso é muitas vezes mal-explorado do ponto de vista narrativo, e por extensão, mecânico.

A falta de um modo sandbox acaba por ser a grande penalidade de Weedcraft Inc, que nos bloqueia o seu próprio avanço mecânico por trás de um ritmo penoso, uma progressão fastidiosa, da qual poucos jogadores terão paciência para ultrapassar. Weedcraft Inc vai ficar na História sobretudo como uma oportunidade dolorosamente perdida, no meio da sua temática corajosa e necessária à discussão, da sua direcção artística bem-executada de comics e das boas mecânicas perdidas entre mau game design e um dos piores ritmos de videojogo que já vai ser aplicado a um jogo indie.