Foi em 2011 que conheci com um ligeiro atraso o primeiro jogo de uma série que tanto viria a representar para mim. No auge de uma fase em que eu tentava jogar tudo o que existisse de tower defenses, fosse no PC ou na minha adorada DS (que me acompanha sempre nas férias, para que eu possa conhecer tanto do seu catálogo que me ficou por conhecer) SteamWorld Tower Defense encontrou caminho para me agarrar com as suas subtilezas e variações a um género que estava a ser saturado no início desta época.
Anos depois, SteamWorld Dig viria a comprovar que o desconhecido estúdio sueco Image & Form tinha algo para dar na sua forma de pegar em géneros mais que vistos, vesti-los de um elenco repleto de robots, criando uma interpretação muito própria desses mesmo géneros. Seria em 2014, numa oportunidade de entrevista concedida pela Nintendo Europa na Gamescom, que viria a conhecer pessoalmente o seu criador e glorioso líder (como ele próprio se apelida), Brjann Sigurgeirsson, que (em jeito de disclaimer de isenção crítica) viria a tornar-se um grande amigo pessoal, uma espécie de irmão mais velho sempre pronto e sempre presente apesar da distância geográfica.
A minha proximidade afectiva com o Brjann não tem qualquer influência na noção pragmática de que a Image & Form tem-se conseguido superar a si mesma de lançamento em lançamento. Em preparação para este SteamWorld Quest dediquei parte do meu mês de Março a rejogar todos os jogos SteamWorld por ordem, e essa consciência da solidez dos jogos da série é mais do que evidente. Há um salto qualitativo a cada novo título, tanto do ponto de vista artístico, narrativo, como mecânico. Há, por outro lado, uma coragem criativa tremenda do estúdio, que não quer ficar preso a um género e se aventura em cada nova empreitada em território por si desconhecido.
Ainda a semana passada falávamos desta tendência corrente de desenvolver RPGs deck builders, alguns com mais sucesso do que outros. SteamWorld Quest era precisamente o jogo do qual falávamos, aquele que pegava nas ideias de um género emergente e dava-lhe o seu próprio twist, a sua interpretação e contribuição.
O primeiro dos jogos SteamWorld a cair num ambiente de fantasia medieval, com robots a vapor, como é óbvio, mas que encaixa na perfeição na ideia de um universo expansivo no tempo e no espaço, assim como demonstra o condão da Image & Form de fazer jogos acessíveis, mas que revolucionam e reinventam de alguma forma os géneros onde se inserem.
A história de SteamWorld Quest é divertida, com muitas subtilezas e momentos de humor nos diálogos que a série nos ambientou, ainda que o enredo seja extraordinariamente previsível como um conto que já relemos muitas vezes.
A nossa party, originalmente constituída por 3 personagens (aos quais se juntam pouco depois mais 2) demonstra ao longo das muitas horas de jogo de SteamWorld Quest a sua essência como um dos mais diversificados deck builders de sempre. O baralho que levamos para combate é constituído por um número fixo de 24 cartas (8 cartas obrigatórias, nem mais, nem menos, para cada um dos 3 personagens da party).
O Diabo está nos pormenores, e nesse aspecto SteamWorld Quest é verdadeiramente delicioso para o olhar mais atento. As cartas não são umas quaisquer, mas sim cartas perfuradas ao estilo dos primeiros media de gravação de dados na génese da informática. E é nessa ideia de “programar” o nosso turno que funcionam as nossas acções. Em cada turno podemos escolher três cartas da nossa mão que tem sempre 6 cartas, ao qual se juntam de seguidas as cartas (não-reveladas) dos adversários, sempre neste sistema de nós atacarmos primeiro e só depois os inimigos. Se as três cartas escolhidas, em sequência, pertencerem ao mesmo personagem dá-se um combo, e recebemos uma quarta carta, de uma skill/ataque especial, ligada à arma que estamos a usar. Quando compramos novas armas convém-nos escolher a skill de combo que queremos na arma, visto que ela não pode ser mudada. Para tentarmos encontrar estas combos de personagem o jogo permite-nos descartar até duas cartas e biscar novas duas, na esperança de termos a mão que desejaríamos.
Outras ideias interessantes de combos fazem-se com membros da equipa. Há cartas de personagem que junto da sua iconografia de efeito têm a cara de outro dos nossos personagens, o que significa que existe uma sinergia e bonificação se antes dessa carta for jogada uma carta do personagem indicado.
A abertura que vamos tendo à medida que vamos apanhando ou craftando novas cartas para cada personagem demonstram a vertente quase infinita de combinações e visões que podemos ter para a nossa party. Armilly, a protagonista pode ser “equipada” com cartas unicamente de DPS físico, ou podemos enchê-la de buffs para a equipa ou ataques mágicos de fogo. Galleo, o druida, pode ser um suporte/healer ou um DPS físico/mágico de gelo e água. As cartas vão criando buffs e sinergias com outras do mesmo personagem ou de outros personagens, o que consegue tornar o combate altamente satisfatório, em cada novo encontro que disputemos.
Não há muitos RPGs por turnos que consigam manter fresco cada encontro, dando-nos sempre uma vontade “fresca” a cada novo combate. Seja pelas experimentações de personagens na party e respectivos baralhos, seja pela diversidade de inimigos, pelas combinações que eles próprios fazem, e das muitas sinergias de buffs e debuffs de um lado para o outro, misturada com a aleatoriedade própria de um jogo de cartas e da sorte ou a falta dela em cada biscar, o desafio e interesse estratégico em cada combate é tão relevante quanto da primeira vez que pegámos no jogo.
Já que necessitamos de dinheiro, níveis (se formos under leveled, alguns inimigos e bosses podem ser bastante punitivos), e materiais para craftarmos e fazermos upgrades às nossas cartas, algum grind é necessário. Mas com a diversão e desafio estratégico de cada combate, SteamWorld Quest é possivelmente o primeiro jogo onde eu genuinamente me diverti a grindar, e nunca senti realmente que o estava a fazer.
Visualmente brilhante, em SteamWorld Quest nota-se a evolução tremenda e a liberdade criativa que os artistas da Image & Form tiveram para poder pintar este deck builder RPG em formato livro de ilustração interactivo a seu bel-prazer. Seja pelo pequenos pormenores deliciosos dos concepts dos personagens, pelas pinceladas notórias em cada conjunto de pixels quadrados, ou na forma como evoluíram, e muito, no rigging da animação dos personagens bidimensionais, SteamWorld Quest é uma maravilha do primeiro ao último minuto.
Não é assim de surpreender que SteamWorld Quest seja um dos grandes candidatos a jogo do ano, com o seu equilíbrio genial entre simplicidade e acessibilidade, e profundidade e coesão mecânica. Este é, e será durante muito tempo, o padrão qualitativo pelo qual os restantes jogos do género se irão reger. E com todo o mérito que assim o será.