Uma das editoras independentes que mais gosto é a Red Raven Games. Apesar de ser mais conhecida pelos seus excelentes worker placement, a par de uma arte muito própria, foi com Above and Bellow que entrei em contacto com um dos jogos mecanicamente mais originais desde que comecei a jogar frequentemente. A Red Raven Games é uma espécie de one man show de Ryan Laukat e da da sua mulher que trata da arte. Alf Seegert em conjunto com os Laukat ajudou a escrever o livro de encontros.


Uma das coisas muito interessantes acerca da arte da Red Raven Games é que podemos pegar num Islebound, Megaland, City of Iron, Dingo’s Dream, Near and Far e Above and Bellow e perceber que existe uma coerência gráfica entre todos os componentes. Por exemplo no caso dos worker placements o dinheiro é o mesmo em todos os jogos, os recursos têm todos o mesmo aspecto e as lajetas de personagem caso estejam preparadas podem ser aplicadas noutros jogos semelhantes permitindo trabalhar com personagens diferentes das existentes nas edições base. É o resultado de todo um universo muito coerente!

Espera, reconheço o desenho… é um token de Dingo’s Dream? Não, mas o Dingo também é um personagem em Near and Far! E o tamanho deste token é precisamente do tamanho dos tokens de personagem do Above and Below. Do lado contrário os tokens de Near and far vêm preparados para ser utilizados no Above and Below.

Agora o que torna este jogo diferente de um qualquer Euro-game com worker placement é o modo como, inteligentemente, faz um crossover com o mundo dos Role Play Games.Above & Bellow segue a história de um grupo de sobreviventes de um raide bárbaro que chegados um um novo território desocupado vão estabelecer uma colónia de onde podem recomeçar a sua vida. No entanto, e sem o saberem, o que à superfície parece e de facto é um mundo desocupado; esconde no seu subsolo todo um conjunto de cavernas subterrâneas onde diversas civilizações, segredos e recursos estão à mão de semear.

Com quadro tabuleiros individuais de jogador, um livro de proto-RPG, três deques de cartas e um ‘tracker’ geral de rondas assim se faz um jogo de tabuleiro!

A mecânica: Ora bem tal como todos os worker placements alocamos a cada tarefa um dos nossos aldeões. Cada aldeão possui capacidades diferenciadas entre si para além das generalistas que todos podem fazer. Todos podem igualmente explorar as cavernas mas tais resultados estão dependentes das suas capacidades e sobretudo do fator sorte.
Temos seis tipos de acções que os nossos aldeões à vez podem tentar fazer ou em conjunto ou isoladamente.

Construção: o nosso aldeão que tem o símbolo martelo pode construir um edifício. Basta apenas ter o dinheiro e o trabalhador disponível. No entanto para construir no subterrâneo, duas condições têm de se verificar. Primeiro tem de haver já uma carta de caverna bem explorada e naturalmente o jogador tem de ter os devidos recursos acondicionados. Existem ainda edifícios especiais disponíveis para construção no início do jogo marcados com uma estrela. No geral, ajudam a pontuar muito no final do jogo quando combinados com recursos recolhidos ao longo da construção do nosso aldeamento.

Alguns edifícios que podem ser construídos…

Treinar: o nosso aldeão com o símbolo pena pode recrutar mais um aldeão. Ao fim de um turno deixa de estar ‘cansado’ e passa a contar como mais uma mão de obra na nossa comunidade.

Laborar: cada aldeão que fizer a opção laborar recebe um recurso monetário. O primeiro jogador a faze-lo leva como bónus o recurso ‘cidra’. Todos os cidadãos/aldeões podem fazer esta ação independentemente da sua especialização.

Colheita: usando qualquer aldeão podem colher um dos recursos gerados pelas nossas infraestruturas e arrecadar em armazém. Uma vez que a diversidade de recursos é essencial para gerar dinheiro é necessário apostar na recolha dos mais variados recursos. O preenchimento do armazém começa sempre da esquerda para a direita e em cada lugar só pode ser acumulado um recurso não havendo limite para o número de recursos por espaço.

Troca/comércio:A troca é a única ação gratuita que pode ser feita entre jogadores pois não exige aldeões. Podemos alocar recursos que temos disponíveis e troca-los com os outros jogadores ou mesmo simplesmente vende-los. É uma fase mais livre que explora um pouco as dinâmicas pessoais entre os jogadores.

Uma Humana e um Homem Porco. Para quem já jogou City of Iron esta última raça não será estranha… Também temos os Lagartos e alguns Homens Peixe neste rico universo de Above and Below.

Explorar (aqui é que este worker placement conseguiu ser bastante inovador): Se fizermos esta opção temos sempre que levar no mínimo dois aldeões. Tiramos uma carta com seis resultados de dados. A cada resultado de dado está anexado um número que diz respeito a um parágrafo do livro de encontros.

Um encontro soa assim:

‘Desces uma ravina profunda até chegares a uma ampla e escura câmara. Águas putrefactas e um ar rançoso empestam o ar. No meio um monte de olhos vermelhos brilham em todas as direções. Tu levantas a lanterna e percebes que estás rodeado por ratazanas gigantes, com a sua pelagem castanha gordurosa, escorregadia e molhada. Aproximam-se preparados para fazer de ti e da tua expedição a sua próxima refeição. Queres tentar fugir e esconder-te das ratazanas ou ficas e lutas?Foge e esconde-te (custo 3 lanternas), (resultado ligeiramente diferente de conseguires 4 lanternas)Ficas e lutas (custo 7 lanternas)’

O jogador que lê omite as recompensas ao jogador desafiado pelo tabuleiro. Como é natural, lutar é uma opção bem mais custosa pelo que exige um sucesso maior. Não obstante e consoante a situação o jogador que explora (levando para tal quantos aldeões assim entender) decide qual das duas escolhas quer. Se for bem sucedido o leitor dá a recompensa. Esta é quase sempre composta por recursos adicionais. Muito raramente também podem ser recrutados novos aliados para a nossa aldeia. Os sucessos dão-se mais uma vez mediante a sorte. Cada personagem possui um valor para o qual consegue um determinado número de lanternas (pontos de sucesso na exploração). Em caso de falha a carta é reciclada de volta para o baralho de exploração. Sendo a exploração bem sucedida, ficamos com um espaço subterrâneo para o qual podemos expandir a nossa aldeia à semelhança do que vamos fazendo no topo. O jogo processa-se por turnos e à vez, cada jogador faz uma ação.

Above quatro construções novas e Below quadro galerias já exploradas onde podem ser construídas outras infraestruturas

Atendendo a que temos mais de 200 parágrafos a versão base pode ser jogada repetidas vezes permitindo descobrir novos mundos dentro deste mundo criado por Ryan Laukat.

É muito curioso constatar que mesmo entre jogadores mais calculistas o nível de encontros provoca as mais diversas reações. Alguns em certas situações podem arriscar tudo num pequeno ‘push your luck’ ao encontrarem um personagem sombrio que os desafia para um jogo de dados a dinheiro, mas noutras situações mostram prudência extrema quando por exemplo se encontram cercados por um grande número de aranhas.

Existem já diversas expansões e a sua continuação Near and Far, se bem que tenta explorar a mesma mecânica de jogo com encontros, começa o primeiro nível precisamente na aldeia construída no jogo anterior permitindo uma deambulação para o mundo subterrâneo e explorando o mundo em redor.

Em suma, é um jogo definitivamente aconselhável para toda a família. Mesmo a questão dos encontros funcionam muito bem pois não se sabe o que se vai encontrar. A arte está bem conseguida e torna o jogo todo ele visualmente muito apelativo para ser jogado pelos mais novos. É bom para introduzir jogadores mais novatos (e mais novos) a uma mecânica de jogo mais complexa. O facto de pegar em elementos mais típicos do Role Playing Game torna-o muito bom para inserir pessoas doutros universos para o dos tabuleiros (e vice-versa). O problema consiste somente na língua. Se bem que a simbologia esteja toda ela muito clara e permita perceber como se joga, o facto de não haver uma versão oficial em português obriga a usar uma feita (e impressa localmente) por fãs brasileiros o que não deixa de causar algum entretenimento ao ler-se alguma expressão mais incomum.