Antes de mais, quero dizer que todo este artigo é escrito de um ponto de vista leigo. Não tenho, nem quero que assumam que tenha, qualquer conhecimento científico ou académico no que diz respeito a este tema de vícios, mas sendo um apreciador e consumidor de jogos gostava de dar uma opinião acerca da OMS finalmente ter oficializado a dependência de videojogos como uma doença psicológica. Dentro desta bela casa temos três membros que estão mais capazes de o fazer, e agradeço a qualquer um deles que opine, corrija, contraponha ou denuncie qualquer uma das minhas opiniões neste pequeno artigo.

Depois do anúncio oficial e de alguns artigos em sites/jornais apareceram logo os comentários típicos de humanos a resmungar que não são viciados, jogar não é um vício, etc. etc. etc.

E aqui entra o meu ponto de vista ligeiramente mais cuidadoso que até se dá ao trabalho de ler algumas coisas para além das gordas e títulos e acima disso pondera a opinião antes de dar. Ora, a verdade é que ninguém em ponto algum diz que jogar videojogos é um vício. Nem que quem joga videojogos, mesmo que o faça diariamente é automaticamente viciado. Resumidamente o que dizem é que tal como com outras actividades e/ou substâncias, o uso desregrado de videojogos pode indicar uma habituação e dependência que muitas vezes oculta outros problemas psicológicos.

Vamos meter isto em exemplos práticos para ser mais fácil a compreensão e tentar esclarecer isto, nem que seja para o pequeno grupo de pessoas que vai ler este artigo.

Eu consumo álcool. Gosto de o fazer. Regra geral ao jantar bebo um copo de vinho. De vez em quando, depois do trabalho bebo uma sidra ou uma cerveja com os meus colegas, e ainda mais raramente em ocasiões de festa bebo um whiskey ou algo mais. Consumo álcool mas não dependo dele, passo perfeitamente semanas sem beber um copo de vinho ou outra bebida desse estilo. De acordo com a OMS, há uma doença chamada alcoolismo mas lá porque há essa doença que é num ponto de vista muito lato relacionada com o consumo de álcool não quer dizer que eu seja alcoólico ou viciado em álcool. Lá porque há essa correlação não quer dizer que eu esteja dentro dela. O mesmo passa-se com os videojogos. Eu gosto de videojogos, jogo quase todos os dias, há dias que jogo cinco minutos e outros horas seguidas mas também passo dias ou até semanas sem jogar. Resumindo: lá porque há um “Vício de videojogos” não quer dizer que eu, por jogar várias vezes seja viciado. E se preferirem uma analogia com outro tipo de jogo, o de apostas em dinheiro, pensem em alguém que joga no Euromilhões todas as semanas e ocasionalmente compra uma raspadinha ou joga umas mãos de blackjack num Casino. Não são viciados em jogo, mas o gambling também é uma doença reconhecida.

Contudo há o outro lado da moeda onde realmente caí o vício. Se eu, em vez de beber um copo de vinho ao jantar consumisse uma garrafa inteira, mais uma ao almoço. Um whiskey ou bagaceira com cada café independente da hora, também não queria dizer que eu era alcoólico, mas tinha indícios disso. Já se eu for o tipo de pessoa que bebe álcool constantemente, em casa, no trabalho, não sou capaz de ser minimamente funcional sem o consumo de álcool, sou agressivo quando não consumo, e tenho reacções físicas como febres, suores frios e outros na ausência de consumo aí sim, há a grande possibilidade de ser alcoólico, mas mesmo esse diagnóstico só deve ser feito por um médico qualificado. Se falarmos em jogo a dinheiro, para ser “viciado” também tem que existir um aumento na escala. Gastar o ordenado inteiro em jogo, fraudes e roubos para “alimentar” o jogo são implicações directas de existir uma dependência do mesmo.

Todos nós, jogadores, já ouvimos algo como eu ouvi dos meus pais nas longínquas décadas dos 80s e 90s “Ele não larga o computador, é viciado naquilo!” Este é um “diagnóstico” feito por muitas pessoas mas muitas vezes está errado porque digo mais uma vez o vício não é equivalente ao consumo. A mesma pré-análise que é feita para o caso de alcoolismo pode ser feita para o consumo de videojogos. Jogam todos os dias várias horas mas são seres humanos (adultos ou jovens) funcionais que trabalham e estudam e convivem sem que o seu consumo de videojogos influencie ou até domine o resto da sua vida? Tranquilo, um pouco de regras talvez sejam necessárias mas nada de grave. Já se faltam ao trabalho ou escola para jogar, e por exemplo ao ser retirado mostram uma reacção física de ressaca podemos estar frente a um caso de vício. Se existirem indícios ou suspeitas, o diagnóstico e todos os tratamentos devem ser feito por profissionais qualificados tal como é possível fazer no Gabinete de Apoio à Saúde do Praticante Desportivo da Fepodele por exemplo.

A questão aqui é que as pessoas devem ter calma nas acusações e acima de tudo (aquilo que mais vi) na defesa de “jogar não é vício”. Ninguém disse que era, eu sei que é mais fácil atacar tudo o que parece que nos ataca pessoalmente, em especial com as facilidades da internet, mas não é preciso fazê-lo sem pensar. Basta parar um pouco e reflectir no que é dito. É mais difícil mas no final é bem melhor.