Eu sei que o trocadilho do título é mau, mas ficou-me na cabeça enquanto esperava que a minha mulher atestasse o carro numa estação de serviço da A1, ao mesmo tempo que via o André Henriques e o Nuno Marques fazerem um directo no Facebook a acompanhar a conferência da Bethesda.

Há dias debatia com um amigo se uma empresa, ao perceber que pouco ou nada tem para revelar, deve manter as aparências e o smoke and mirrors de ter uma conferência da E3, ou se deve, por estratégia ou falta do que apresentar, manter-se de fora, como fizeram a Sony e a EA (de uma certa forma)?

Seja nas dinâmicas sociais ou mesmo na música, o silêncio é uma arma poderosa e faz parte do ritmo natural das coisas. Continuo a sentir que uma ausência reflectida ou um silêncio marcante ocupam da melhor forma o espaço do que fazer figura de corpo presente. Que é mais ou menos o que a Ubisoft e a Bethesda foram lá fazer.

Que a E3 2019 seria amena, já todos sabíamos. Com uma ausência demasiado pesada como a da Sony, houve um certo marasmo que se foi instalando nas semanas que antecederam a feira e que lhe preconizaram a décima morte. Não acredito de todo que esta seja a morte anunciada do evento, mas acredito que urge repensá-la, revê-la para a segunda década do novo milénio e a forma como o público com acesso ubíquo à informação vive os diferentes mercados.

Passando a publicidade, podem ver este tema desenvolvido no segundo episódio do Split-Chicken, onde falo sobre isso com o grande Rui Parreira:

Mas e como ficam as conferências? Passada que está a tónica do fait-divers que as assaltava até há cerca de 4 anos? Onde o palco se enchia de vacuidades e de fogo-de-artifício, sendo obrigados a mudar pelo descontentamento de media e público que queria ter informações de jogos ao invés de um mero espectáculo de variedades?

Há anos que defendo que a Bethesda deveria retirar-se de fazer apresentações anuais. Deveria reservar as suas intervenções para anúncios de peso, já que contam na sua algibeira com algumas das séries de maior sucesso da actualidade. Quem se pode esquecer da época em que o anúncio de um Elder Scrolls ou de um Fallout significava um quase motim de histeria nas salas de conferências da Bethesda, com réplicas um pouco por todo o mundo? Essa excitação acabou. A Bethesda é uma gigante corporativa e demonstra que o é de ano para ano, esmifrando todas as suas veias criativas com uma série de lançamentos que só recebem aplausos porque os tele-pontos gigantes instalados na sala da conferência assim o pedem.

A aposta recorrente e anual em conteúdo para Elder Scrolls Online continua a não ter peso suficiente para alegrar todos aqueles que estão fora da sua pedra de toque. Elder Scrolls: Blades, passa do mobile para Switch para gáudio de um punhado de pessoas. Commander Keen regressa mas ao mesmo tempo não, já que aquilo que o clássico de DOS e este mobile puzzle game têm em comum é o nome. Uma expansão para Rage 2, o jogo que ninguém queria e ninguém quer saber. Fallout 76, com um DLC que implementa NPCs e o anúncio de um battle royale. As semelhanças de Fallout 76 e a Administração Trump adensam-se.

A honra caseira do convento, salvou-se, a custo, com um pouco mais de informações dos lançamentos próximos de Youngblood e Cyberpilot, no universo de Wolfenstein, para além de mais imagens de DOOM Eternal, cujo meu cinismo empedernido reconhece a extrema qualidade que este novo título aparenta, mas que não me deixa sequer sentir um mínimo entusiasmo por não conseguir distinguir o que o difere do último Doom.

Novidades propriamente ditas? Só vindas de estúdios próximos da Bethesda, e esses sim, a criarem momentos únicos de entusiasmo perante tanto esmifrar inconsequente das marcas próprias da Bethesda, sob o epitáfio da criatividade perdida pelo caminho.

Ghostwire: Tokyo, de Shinji Mikami, do qual pouco se sabe, mas cuja apresentação de Ikumi Nakamura foi o suficiente para incrementar a nossa vontade de saber mais sobre este misterioso jogo passado em Tóquio. Mas para mim coube mesmo ao pessoal da Arkane Lyon, criadores de Dishonored, o ónus de abrilhantarem uma conferência que foi para mim, e acredito que para muitos, uma hora de vida perdida. Deathloop apresenta-se com a abertura mecânica que Dishonored nos habituou, num loop temporal em torno de 2 assassinos cuja missão é levarem a melhor um sobre o outro.

Na Ubisoft a conversa pouco mudou. Já tinha dito no podcast que a sensação com que fiquei é que se falou tanto de franquias relacionadas com Tom Clancy, e depois de para mim (e para a equipa do Rubber Chicken) as últimas tentativas foram tão furadas que a conferência da gigante francesa é um valente blur de Ghost Recon e afins.

A maior surpresa da conferência não foi o encerramento com um teaser de um clone de Breath of the Wild passado na Grécia Antiga, intitulado de Gods & Monsters, ou o outro clone anunciado, desta feita de Rocket League, intitulado Roller Champions, mas sim o facto de que em pleno 2019 irá sair um jogo para Wii. Sim, leram bem, Wii. Não é Wii U, é Wii. Just Dance 2020 irá sair para todas as plataformas actuais e para Wii. Maior surpresa que esta é impossível. Nem o serviço Uplay+, do qual também falámos em mais pormenor no podcast, foi algo surpreendente.

O ponto alto, como afirmei, e possivelmente o único momento criativo da Ubisoft centrou-se em Watch Dogs Legion, que virou o bico ao prego e decidiu abraçar um novo setting, uma mensagem política mais forte e não apenas centrada na anarquia e no combate ao corporativismo, mas sim às tensões económicas, políticas e sociais do Reino Unido, extrapoladas para um ambiente neo-cyberpunk. Mecanicamente há aqui um desafio interessante, já que trocamos a existência clássica de um protagonista pela possibilidade de podermos recrutar qualquer pessoa, aliada à permadeath destas se algo correr mal. Já várias vezes referi que a série Watch Dogs me agrada (curiosamente mais o primeiro que o segundo) e não posso deixar de esperar com ansiedade este novo lançamento.

Mas seria isto suficiente para uma conferência? Se espremermos o sumo da fruta que foram estas duas conferências, o que é que retiramos? Praticamente nada. E é esse o meu problema corrente com a E3 e com esta edição em particular. A ubiquidade da comunicação começa a tornar este formato quase obsoleto, já que a necessidade constante de comunicação ao longo do ano começa a tornar redundante a ilusão de se centrar as grandes novidades numa semana de Junho, quando raramente isso acontece. Eu sei que desejar que as conferências tragam de volta o entusiasmo e o peso comunicacional que tinham é verdadeiramente tentar meter o Rossio na Rua da Betesga, mas ainda tenho esperança. Mas isso não depende apenas da organização da E3, mas é sobretudo responsabilidade das marcas. Que assumam de uma vez por todos que por vezes é preferível manter o silêncio do que fazer conferências vazias de conteúdo, onde a falta de entusiasmo é quase uníssona entre empresas e público.

P.S.: Ah, e a conferência da Square Enix mostrou finalmente imagens de FF VIII Remake, e para mim, está divinal. E é isso. Tudo o resto que foi anunciado cabia num vídeo ao estilo Nintendo Direct, com 15 minutos no máximo.