Com o peso da herança de Castlevania: Symphony of the Night, o lendário produtor da série da Konami, Koji Igarashi, fundou a ArtPlay e teve uma dúvida existencial para o seu primeiro projeto como produtor independente: será que o público ainda gosta de metroidvanias? Para obter resposta foi lançada uma campanha de angariação de fundos no Kickstarter de 500 mil dólares para mostrar aos investidores que havia público para jogar o género. Esse valor foi conquistado em quatro horas, e no fim do primeiro dia tinham angariado 1,5 milhões de dólares. Findo o prazo, Bloodstained: Ritual of the Night tinha amealhado uns surpreendentes 5,5 milhões de dólares, tornando-se um dos videojogos mais financiados na plataforma, apenas ultrapassado, por Shemnue III que obteve 6,3 milhões de dólares.

Ainda assim, esta produção não foi pacífica, e o que foi feito ao longo da produção deixou muitos fãs céticos se a nova aventura iria viver com as expectativas. Tendo em conta que o jogo estava previsto para março de 2017, tendo escorregado mais de dois anos o lançamento original, o mais recente trailer foi alvo de grandes críticas dos fãs: gráficos pouco detalhados para os padrões atuais, animações básicas e outros apontamentos que os fãs foram deixando, muitos deles até em tom construtivo.

Bloodstained Ritual of the Night: uma Sinfonia em crescendo

E isso foi um abrir de olhos para equipa de produção que em boa hora contratou a WayFoward Technologies, conhecida pela série Shantae, para polir os visuais de Bloodstained, alimentado pelo motor Unreal 4. E o trailer de comparação serviu como elixir, com o lendário produtor a deixar uma simples mensagem de provocação: vou provar que estavam errados. Não, os fãs não estavam errados, mas de salientar a excelente capacidade de ouvir as críticas dos jogadores.

E diga-se de passagem, Bloodstained é um dos grandes jogos do ano e é um desejo tornado realidade para os que desejavam um novo Castlevania 2D, que na sua essência lembra os jogos clássicos, mas que ao mesmo tempo procura introduzir novas mecânicas para manter uma certa distância do jogo original. Um maior foco nas mecânicas de RPG tradicionais e uma gigantesca liberdade de personalização da personagem, não só ao nível de armas e equipamento, mas dezenas de cristais com habilidades únicas traduz-se num sem fim de diferentes builds para ultrapassar os desafios do jogo.

A sua estrutura é familiar: o mapa vai sendo “pintado” à medida que os jogadores descobrem as diferentes áreas, salas secretas e caminhos que não são acessíveis de imediato. Koji Igarashi decidiu aproveitar o tamanho do mapa, que funciona como uma espécie de mundo aberto, já que todas as áreas são totalmente revisitáveis, e adicionou mecânicas típicas de RPG, como Quests, ainda que sejam na sua maioria matar determinado número de criaturas específicas. E há ainda grind para fazer, caso queiram criar comidas, poções, armas e equipamentos raros, assim como fazer upgrades aos cristais.

Nesta aventura os jogadores controlam Miriam, uma jovem amaldiçoada por cristais mágicos, incrustados no seu corpo. A jovem esteve adormecida durante 10 anos e quando acorda descobre que o seu amigo Gabel foi o único que não foi chacinado por forças demoníacas, mas por ter absorvido demasiado perde a cabeça e torna-se um vilão. Miriam por outro lado consegue absorver os cristais ligados aos monstros e dessa forma adquirir as suas habilidades. Uma das personagens importantes desta aventura chama-se Zangetsu e tem a voz inconfundível de David Hater, o eterno Solid Snake, que é reflexo das metas alcançadas no Kickstarter.

Embora o jogo tenha fugido à temática em torno da cultura pop de Drácula, o jogo mantém o mesmo tema gótico, e claro que não faltam vampiros, demónios e outras criaturas demoníacas para o jogador colecionar no diário de horrores. O colecionismo é de facto um desafio permanente na aventura, nem que seja pintar todas as áreas do mapa para o achievement cartógrafo, que é descobri-lo a 100%.

Para ajudar o icónico produtor Koji Igarashi, juntou-se à equipa nomes anteriormente pertencentes à Konami e ligados à produção dos jogos Castlevania, e um deles, talvez o mais importante, Michiru Yamane, que compôs a banda sonora dos clássicos e do novo jogo, num resultado impressionante.

O jogo apresenta um sistema de combate frenético, com alguns inimigos a serem um osso duro de roer inicialmente, até pelo menos obterem armas melhores ou desenvolver as capacidades da personagem. Sendo um RPG, isso significa que a personagem irá amealhar experiência pelas mortes dos inimigos, melhorando um pouco mais as suas estatísticas de combate. Claro que as armas e o equipamento são influenciadores e no topo as shards conferem as habilidades especiais que podem executar. A conjuração de sidekicks que atacam os inimigos, os familiares, é uma mecânica que os fãs podem reconhecer de Symphony of the Night, e que também ganham níveis de experiência para ficarem mais fortes. Há também ataques especiais baseados nos poderes dos inimigos, como o fogo, a capacidade de envenenar ou manipulação de diferentes elementos.

Mas não se deixem intimidar pelos elementos de RPG, ou sobretudo o sistema de crafting, seja comida ou equipamento, porque tudo o que precisam encontra-se normalmente na aventura. Mesmo as quests são puramente filler numa tentativa de prolongar a aventura, mas no caso dos pedidos para matar certos inimigos, já os teriam de matar de qualquer forma…

Como disse anteriormente, a combinação de shards, com o equipamento e armas é possível criar builds únicas, que até podem gravar e alterar em tempo real no jogo, acedendo a um simples toque de botão. Se preferirem criar uma personagem baseada em melee com espadas, deverão optar por equipamento de defesa e shards com habilidades defensivas, porque tocar nos inimigos retira dano. Mas podem optar por pistolas de fogo ou outras armas de arremesso e tornar a personagem mais ágil.

Não fugindo ao conceito de metroidvania, a personagem irá encontrar habilidades essenciais para avançar na aventura, desbloqueando um caminho que estava previamente bloqueado. Desde o simples duplo salto, à capacidade de circular pela água ou simplesmente, inverter o ecrã, que altera por completo a experiência do jogo, estes são alguns exemplos de habilidades permanentes a procurar no jogo. Já para não falar das inúmeras salas secretas, caminhos escondidos e outros que necessitam para atingir os 100% de descoberta.

Graficamente o jogo é lindíssimo, sobretudo ao nível de cenários de fundo, repleto de animações que tornam a moldura mais dinâmica e apetecível. Mesmo o mapa geral é dividido por diferentes zonas temáticas, com inimigos a condizer. E por falar em inimigos, alguns designs são realmente impressionantes e fora da caixa, como é o caso dos demónios em forma de cães e gatos. São fofos, mas muito perigosos! Mesmo a personagem, nesta versão corrigida, tem animações arrojadas, desde o cabelo e os tecidos da roupa a esvoaçar, mas também a mudança visual de todo o equipamento que trocam.

Apesar do polimento geral eficaz (na versão PC testada), nem sempre o jogo se livra de alguns crashes inesperados ou mesmo bugs reportados relativos a arcas de tesouro que não respondem como seria de esperar. São problemas inerentes a um jogo indie, com orçamento menor, que a equipa já se prontificou a melhorar. Até porque estão previstos diversos conteúdos adicionais pós-lançamento, incluindo suporte cooperativo. Para já, há um outro modo alternativo, o Boss Rush, que como o nome indica é uma maratona de enfrentar bosses previamente derrotados na aventura.

Em termos de conclusão, Bloodstained: Ritual of the Night é um luxo para quem gosta do género metroidvania, neste caso o digno sucessor espiritual da série Castlevania, e felizmente, um título que contribui para um género em que os estúdios indie são reis, que o digam Hollow Knights, Ori and the Blind Forest e sequela, Sundered e Guacamelee 2, apenas para referir alguns.