Para alguns (os maniqueístas que o assumam) o mundo pode ser dividido em duas polaridades extremas. Os que gostam de acordar cedo e os que gostam de acordar tarde, os que gostam de ficar em casa e os que gostam de sair, os que gostam de construir e os que gostam de destruir, os que são serenos e o Bruno de Carvalho. Esta ideia de dualidade acabou por ser o resumo do primeiro Super Mario Maker, em que muitos se divertiam a construir desafios cada vez mais criativos e os outros que queriam superar a sua destreza e o seu controlo de um jogo de plataformas.

Quando a sequela foi anunciada eu não fiquei convencido. A proximidade temporal entre o primeiro jogo e este segundo soava-me mais a mero mungir da vaca canalizadora do que uma justificação plausível do quão diferente seria o primeiro level editor tornado videojogo para justificar a aposta. Seria esta apenas uma justificação para trazer o construtor de níveis do Mario para a Switch, ou existiriam argumentos fortes para o representar?

Depois de ter passado tanto tempo no jogo original (mais tempo do que eu próprio projectava), mais na Wii U que na 3DS, a curiosidade em volta das novidades desta sequela eram mais que muitas. Mas para mim – seguindo a polarização de que falava há pouco – um jogador que pouca paciência teve para construir novos níveis mas que encontrou um espaço dedicado de diversão nas muitas partilhas de desafios feitos pela comunidade.

O facto de que o modo de construção não ter sido o meu grande chamariz, apesar de ficar extremamente agradado com o seu potencial, é provavelmente uma extensão de uma espécie de defeito profissional. Não que na minha vida profissional eu desenvolva níveis para jogos de plataformas, mas há algo de reminiscente do meu dia-a-dia de designer na tentativa de resolver problemas de forma e função que me grita em plenos pulmões que o que eu quero é aplacar a minha sede por mais níveis do Super Mario.

Super Mario Maker 2 (em linha de continuidade com o jogo original) tem esta tónica semelhante ao Nintendo Labo, apelando a utilizadores diferentes e prova que é possível que alguém que não seja um ávido consumidor de jogos de plataformas consiga passar dezenas de horas mergulhado a desenvolver ideias verdadeiramente novas, num jogo que acaba por agradar a um leque distinto de utilizadores.

A inclusão de um story mode com cerca de 100 níveis é um óptimo aperitivo para quem, como eu, quer eventualmente mergulhar nos níveis criados pela comunidade, ou para aqueles que querem ter um motor de ignição para a criação de níveis. Fiquei no entanto com a dúvida se numa materialização de um ciclo infinito, se os level designers ter-se-ão inspirado em algumas criações de jogadores no primeiro jogo para alguns destes 100 níveis do modo história? Será interessante que assim o fosse, e que os próprios criadores da Nintendo tivessem encontrado na comunidade algumas ideias que nunca lhes ocorreram em décadas de trabalho.

Para os level designers ou aspirantes a, a ideia da Nintendo de ter todos os itens e ferramentas (que são muitas, mesmo muitas) desde que arrancamos o Creator Mode é como uma janela de infinitas oportunidades que se destranca. Senti, porém, que por alguma razão a minha habituação a desenvolver níveis no primeiro jogo com as respectivas “canetas” da Wii U e 3DS acabou por ser um péssimo apoio para a transposição para esta sequela da Switch, e a falta de uma ferramenta física de “escrita” nativa foi algo que me fez ter de repetir várias vezes o posicionamento de elementos no ecrã.

O tipo de nível e as suas condições de sucesso podem ser definidas por nós, tais como ter de apanhar um número definido de moedas ou o tempo limite. Isto ramifica ainda mais as possibilidades de construção de níveis que vão para além das 4 skins que podemos ir trocando a bel-prazer (entre Super Mario Bros., Super Mario Bros. 3, Super Mario World, e New Super Mario Bros. U). Paralelamente a isto é-nos possível desenvolver níveis de Super Mario 3D World que têm mecânicas diferentes e que têm de ser construídos isoladamente dos restantes “temas”.

Um dos pormenores mais interessantes que foram incluídos neste Super Mario Maker 2 é a inclusão de diálogos entre personagens no modo de criação, que é quase uma quebra da quarta parede entre a equipa da Nintendo e os jogadores, discutindo noções e ideias de level design como uma sui generis e simpática transmissão de conhecimento dos experientes game designers da Grande N e nós, jogadores.

A inclusão do endless mode vem substituir o 100 Challenge, e temos aqui 3 vidas e temos de passar o máximo número possível de níveis criados por outros jogadores, e que são escolhidos aleatoriamente pelo próprio jogo. A forma de partilha continua idêntica: depois de fazermos um nível e de o conseguirmos “bater”, podemos nomeá-lo (e quiçá adicionar pequenas dicas para a sua resolução no título) antes de o pormos online.

A inclusão de elementos de multiplayer local e online foi uma das maiores surpresas deste Super Mario Maker 2, em que podemos ter até um máximo de 4 jogadores a competir ou a cooperar para ultrapassar um nível, ou até 2 jogadores a construírem o mesmo nível em conjunto.

Com algum cinismo olhei a priori para este Super Mario Maker 2 como apenas uma forma de vender a nova série numa consola de sucesso como a Nintendo Switch, mas a realidade é que o que lá está é uma caixa quase infinita de possibilidades. Seja para os jogadores que vão tentar superar a sua criatividade, pondo em prática ideias mirabolantes de criação de níveis, ou aqueles que, como eu, querem demonstrar o patamar de destreza que 30 anos de aprendizagem com o Super Mario podem trazer, há, decerto, diversão para todo o tipo de jogadores. Super Mario Maker 2 é um pacote completo, uma boa forma de aprender a olhar para o game e level design com outros olhos, e uma fonte quase inesgotável de desafio de jogabilidade, e um óptimo momento de partilha entre pais e filhos, seja a criar em conjunto ou a tentar completar as criações uns dos outros. Como a mala do titular Sport Billy, conseguimos tirar de dentro do Super Mario Maker 2 uma mão infinita de hipóteses.