Antes que a HBO abandalhe (ou não) o universo criado por Lovecraft, um dos melhores jogos inspirados nele em mercado merece ser criticado. No entanto a pergunta impõe-se… devo escolher a primeira ou a segunda edição?

Mansions of Madness (1st Edition vs. 2nd Edition)

Nunca H.P Lovecraft imaginaria que a sua literatura seria tão amplamente adaptada ao mundo dos jogos de tabuleiro. Por isso e antes da anunciada adaptação da HBO, aconselha-se analisar mais um dos jogos baseados no seu fantástico universo. Esta análise aliás impõe-se… Convém fazê-lo antes que, à semelhança de outras séries, (cof cof... tronos… cof… cof...), acabemos com um produto mal acabado. É do conhecimento geral que uma das editoras de jogos que mais se dedica a publicar dungeon crawlers é a Fantasy Flight. Foi em 2011 que Corey Konieczka publicou o que se viria a tornar uma das apostas mais bem sucedidas da editora. Pode-se considerar um jogo semi-cooperativo. Temos um jogador (keeper of the mansion) que controla as forças oponentes contra uma equipa de investigadores que vai tentar decifrar o mistério. Este mistério é preparado em antemão pelo keeper. Todo o jogo, à semelhança do já analisado Cthulu Wars,  inspira-se na mitologia ‘lovecraftiana’. A edição do jogo base possui cinco episódios. Cada episódio possui finais e objetivos diferenciados entre si. As suas expansões (episódios), que se seguiram à edição base, deram origem a que, a pedido de muitas famílias, fosse feita uma segunda edição. Este é um fenómeno raro no mundo dos jogos de tabuleiro.

HP Lovecraft, viveu apenas 46 anos mas influenciou toda a literatura de terror e do fantástico até aos dias de hoje… se não acreditem investiguem quem inventou a célebre Arkham, já tão difundida na cultura popular

A mecânica (1st Edition)

Confesso aqui que tenho mais experiência com a primeira edição do que com a segunda. Passo pois a explicar a mecânica. Sendo um semi-cooperativo em que temos um jogador contra uma equipa, as mecânicas de jogo são bastante diferenciadas. Os jogadores (conhecidos por “investigadores”) possuem três ações. Duas delas têm de ser um movimento e a terceira pode ser um movimento (corrida) ou o jogador pode explorar, decifrar quebra cabeças, atacar ou utilizar um objeto. Cada jogador, à sua vez, sem qualquer ordem definida faz as suas três ações. Naturalmente existe um tempo limite que os jogadores têm para resolver o mistério. Para tal toda a aventura tem uma componente que em certos aspetos lembra um jogo de corrida. O keeper personifica as forças do mal que assombram a mansão. Este pode no seu turno, conjurar novas criaturas, move-las, fazê-las atacar ou atribuir penalizações aos jogadores. Para tal o keeper usa pontos de ameaça que ganha no início de cada turno. Sempre que quiser aplicar penalizações ou dar um ar de sua graça em termos de efeitos práticos típicos de uma mansão assombrada terá que gastar pontos.

Podem ser acumulados para outros turnos. Os investigadores possuem uma personagem que tem três marcadores. Os pontos de sanidade, de vida e ainda os de investigação que podem ser usados para forçar resultados mais convenientes. Aqui a sanidade à semelhança do universo de Lovecraft vai erodindo as defesas mentais dos investigadores face aos monstros e situações aberrantes que vão encontrando. Naturalmente, quanto mais mentalmente debilitados vão ficando os investigadores mais fácil se torna aplicar penalizações. Por exemplo se tiveres toda a tua sanidade reduzida a 4 o keeper pode dar-te a penalização da claustrofobia.

Mais um turno pela parte dos investigadores e o terceiro acto desenrola-se…

Um exemplo de evolução da história e como a mecânica se altera com o fluir da aventura…

Um dos investigadores… e no reverso algum sabor para que nos possamos inteirar da nossa personagem. Sim soa muito a RPG, e ainda bem!

Uma das duas cartas de stats passíveis de serem usadas em jogo. Temos dois pares de onde podemos escolher uma carta. Consoante a que escolhemos podemos levar ou não um objeto para ajudar a resolver o mistério

Uma das ações (sem custo!) que pode ser feita pelo keeper no seu turno bastando para tal erodir a sanidade dos investigadores. Variam consoante o episódio…

Uma das penalizações que pode atingir os investigadores… 1 horror equivale a uma perda de sanidade

O keeper por sua vez é responsável por estabelecer uma história dentro daquelas facultadas pelo episódio. Dentro de cada episódio poderá escolher um final específico. Isto é possível, pois pode haver mais que um final por episódio. Tal aumenta consideravelmente a jogabilidade e dificuldade do mesmo episódio. Um keeper que jogue com frequência com um mesmo grupo de investigadores poderá escolher desafios com os quais não estejam tão familiarizados, como por exemplo a descodificação de um quebra cabeças em oposição à eliminação de um monstro colocado em jogo para destruir o mundo. Os desafios superam-se pelo rolar de um mero dado de dez faces. Para tal a escolha de personagens pela parte dos investigadores terá de ser o mais eclética possível. É aconselhável para uma história que nunca se tenha jogado, levar tanto personagens com elevada força física (para os confrontos físicos) como outros com força mental especializados em resolução de quebra cabeças e aplicação de feitiços. Naturalmente existem personagens mais equilibrados mas todas entre si possuem características assimétricas adaptadas a um tipo de jogador único. (Sim tal como numa aventura narrativa)…

Um dos dois objetos que podemos usar com o Ashcan Pete. O canito Duke (que dá imenso jeito pois pode ser passado para outros jogadores aumentando-lhes a destreza) e a bela da guitarra para usar como arma de arremesso (o que é sempre melhor do que atacar à estalada proferindo profanidades

Michael Glen o gangster… sem dúvida a personagem fisicamente mais possante. (Os momentos mais épicos de jogo dão-se quando os testes de atributos passam-se com os stats mais baixos – Lore neste caso)

Um exemplo de teste ao qual a Sr.ª Sorte bafeja o d10…

Pistas – toda a aventura segue naturalmente um mistério que leva a um objectivo

Pela sua antiguidade e difusão no meio dos jogos de tabuleiro, é com a primeira edição que a maior parte dos jogadores está familiarizada. Não obstante e após o sucesso da primeira edição a Fantasy Flight decidiu lançar uma renovação do mesmo jogo ainda mais profusamente inspirada no universo de Lovecraft.

Um cenário típico, com quartos modulares

A mecânica (2nd Edition)

Não me vou debruçar tanto sobre a mecânica da segunda edição, até porque a mesma veio tornar-se mais simplificada relativamente à da primeira edição. A minha experiência com a segunda edição resume-se precisamente a isso uma experiência. Apesar de diferente da primeira é o motor de jogo da versão mais antiga que me cativou. Em primeiro lugar a segunda edição possui uma app. Um jogo de tabuleiro com uma app é um pouco como um automóvel desportivo de gama média com tunning em cima. Ajuda, mas será que não seria melhor ter um desportivo de média alta? No entanto percebe-se a tendência no meio dos jogos de tabuleiro para usar o suporte digital como um auxiliar do tabuleiro. Em Dead of Winter justifica-se uma app para os encounters, em Gloomhaven, pela sua complexidade de manobrar as facções inimigas evitando o uso abusivo de cartas, também se justifica. No entanto aquele sentimento de suspense coletivo ao virar uma carta e de ganhar tudo por uma unhaca negra é brutal! Se calhar pode ser esta experiência um tanto emocional que me faz pensar no suporte digital um pouco como um intruso no mundo dos jogos de tabuleiro… admito-o.

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Tu e os teus amigos a um turno de tudo ganhar ou de tudo perder!

O problema em Mansions of Madness consiste muitas vezes em arranjar mais um jogador para fazer de keeper. O elevado tempo de setup para começar uma partida mesmo entre jogadores experientes pode chegar aos 30 minutos. A app resolve este problema exigindo apenas que vão colocando as peças à medida que vamos explorando o mapa. Isto muda bastante o modo como visualizamos o tabuleiro. Enquanto que na primeira edição temos um acesso claro a todo o tabuleiro, na segunda vamos desvendando-o o que é bem mais consistente com uma aventura de mistério e exploração. Seguidamente com uma app temos acesso a um voice acting extremamente bem sucedido, o que aumenta consideravelmente a experiência de jogo. É algo que está consideravelmente melhor do que a primeira edição. O tema dos episódios está igualmente muito mais bem adaptado ao universo das aventuras escritas por Lovecraft. O primeiro episódio relembra directamente a história ‘Call of Cthulu‘ e o segundo episódio é um decalque de ‘Shadows over Innsmouth‘ tomando lugar mesmo em Innsmouth enquanto se procura por um outro investigador desaparecido.

Já se notam aquelas influenciazinhas de Cthulu Wars… mmmm… plástico…

Nisto a segunda edição é muito forte mas a falta de um keeper humano traz problemas. É uma edição puramente cooperativa e completamente automatizada ao contrário da primeira. Isto torna-a muito frágil em termos de adversário pois o sentimento que tive ao concluir o primeiro episódio é que podemos cometer erros bastantes vezes. Muitos aliás… Por exemplo, no segundo episódio só mesmo após cometermos sérios erros enquanto equipa, é que, após jogadas claramente más, um dos investigadores morreu linchado pela multidão em fúria.

De resto qualquer jogador de cooperativos com um pouco de experiência em dungeon crawlers irá concluir sem qualquer problema os episódios da segunda edição. Isto não torna o jogo muito competitivo. Percebe-se a ideia de libertar um jogador para fazer parte da equipa mas ao contrário de um dos episódios sem keeper da primeira edição, esta mecânica pela app não foi bem aprofundada. Aliás o dito episódio da primeira edição foi um dos mais bem amados pelos fãs, pois resolveu o problema de arranjar quem queira fazer de keeper. Outra das vantagens da primeira edição é que soube explorar muito bem as mecânicas do próprio jogo onde temos cenários onde as regras principais são um pouco subvertidas em prol da história. Por exemplo temos um cenário onde as criaturas convocadas pelo keeper não são podem ser movidas e temos um outro cenário onde nem sempre o ato de explorar compulsivamente novos itens, acaba por ajudar os investigadores…

Os elementos gráficos estão na segunda edição bem mais aprimorados

Naice… mais d8s

Veredicto deste testemunho

Caso estejam a começar nos jogos de dungeon crawling e desejem experimentar algo novo, simples e artisticamente mais aprimorado então a segunda edição de facto é para vocês. Caso sejam jogadores mais experientes e queiram um desafio mais forte onde jogam contra uma inteligência não artificial então esta é a vossa escolha. O universo Lovecraftiano das histórias é mais variado na primeira edição, ou seja, está inspirado indiretamente nos textos já conhecidos de Lovecraft. A segunda edição já vai buscar referências mais diretas e conhecidas do grande público, mas claro está sempre baseadas em Lovecraft.