Dragon Quest Builders teve, o ano passado, o condão de me fazer perceber a euforia que milhões de pessoas nutriam por Minecraft. As ideias que Markus Persson implementou acabaram por influenciar de forma categórica a indústria dos videojogos, com diversos géneros a irem beber da sua influência mecânica. Mas a ligação de Minecraft a Dragon Quest deu um sabor único aos infinitos clones voxel-based sandbox games, e até aos demais jogos proceduralmente gerados de sobrevivência, que com poucos casos de distinção acabavam sempre por saber ao mesmo.
Esta visão cíclica de termos uma franquia histórica com a dimensão de Dragon Quest a ser inspirada por um indie (que cresceu para ser um negócio adquirido pela Microsoft por 2,5 mil milhões de dólares), e a forma como a sua introdução da genética RPG nipónica acabaria, por exemplo, por influenciar o próprio Minecraft a ter um spinoff, que será lançado no próximo ano, e que respira Builders por todos os poros.
Como devem ter percebido pelo meu artigo de PixARK, o terrível sucedâneo que me aplacou com brevidade a ansiedade por Dragon Quest Builders 2, o novo jogo desenvolvido entre a Omega Force e a Square Enix, este é possivelmente o jogo que mais esperava em 2019. E depois de mais de 25 horas com o jogo posso admitir que este é daqueles raros casos em que uma sequela não só pega no que o seu antecessor fez de bom, como consegue melhorá-lo em praticamente todos os aspectos.
Os jogadores mais apressados devem-se precaver de antemão: Dragon Quest Builders 2 é um jogo com um ritmo muito próprio, mais compassado, em que o mundo e o enredo se vão desvendando à medida que novas habilidades e mecânicas nos são apresentadas.
A escala de Dragon Quest Builders 2 é incomparável com a do primeiro jogo, e podemos verificá-lo pela dimensão das nossas pequenas aldeias. A área de construção delas é quatro vezes maior, permitindo que a dimensão das estruturas e dos edifícios seja muito maior que no jogo anterior.
A forma como o jogo se desenrola é muito mais orgânico neste Dragon Quest Builders 2 do que no primeiro jogo, onde cada novo capítulo nos obrigava a criar uma aldeia do zero, apagando da memória tudo o que fizemos anteriormente. Aqui, e depois de um naufrágio que nos faz conhecer Malroth (que para os conhecedores da série vão perceber de imediato as ligações narrativas que existem com Dragon Quest II), que não só passará a ser o nosso melhor amigo como nos seguirá para todo o lado.
Neste título o nosso deuteragonista é mais do que uma mera sombra dos nossos passos, passando o grande foco do combate para cima dele, o que justifica mecanicamente o porquê do nosso Builder estar mais focado na construção e ter substancialmente menos capacidade de infligir dano do que no jogo anterior. É claro que a autonomia de Malroth para atacar os nossos adversários não é a sua única capacidade. O amnésico Senhor da Destruição também destrói blocos à nossa volta e recolhe os materiais correspondentes.
A gestão do inventário foi outra das subtis mas salutares alterações criadas pelos autores de Dragon Quest Builders 2. Quantos jogos do género não nos obrigam a estar constantemente a organizar e a guardar os nossos materiais em viagens fastidiosas entre a nossa base e a exploração? Uma tarefa aborrecida que nos dias de hoje alimenta mais a extensão artificial de um jogo do que o seu usufruto. Dragon Quest Builders 2 resolve isso de uma forma elegante: o nosso Construtor possui uma espécie de mala do Sport Billy de materiais e itens, um receptáculo quase infinito para onde vão todos os materiais que apanhamos no chão se os nossos “bolsos” já estiverem repletos. Esta forma simpática de nos fazer guardar tudo e alguma coisa vem apenas alicerçar o vastíssimo leque de construções possíveis que temos e os muitos e muitos recursos que eles exigem para a sua configuração.
O primeiro jogo deste spinoff, apesar da sua tremenda qualidade, era muito centrado na componente da construção. Esta sequela olha para uma panela, pega na qualidade narrativa e visual de Dragon Quest, na abertura, exploração e liberdade de Minecraft, na proximidade social de uma pequena comunidade de Animal Crossing e nas componentes naturais e agrícolas de um bom Harvest Moon e mistura-as todas naquele que é para mim um dos mais sólidos jogos lançados este ano.
Esta sequela é eminentemente narrativa. Ainda ontem dizia no nosso podcast que após 25 horas de jogo, muita exploração e muito avanço no jogo (que muitos jogadores japoneses afirmam demorar uma média de 80 horas para terminar) ainda agora me são introduzidas novas mecânicas e novas ideias que estendem, e muito, o alcance deste jogo. Os capítulos, que só por si são longos (penso que demorei 16 horas a terminar o primeiro, cujo foco residia maioritariamente na agricultura), envolvem a construção de mega-estruturas em largura e altura, com milhares de blocos e peças envolvidas, e que requerem de nós alguma procura de matérias primas. Como passo bastante tempo a explorar nunca senti que tenha feito muito grind para as concluir, mas para quem estiver a fazer um pseudo speedrun a Dragon Quest Builders 2 decerto que os recursos irão faltar.
Uma curiosidade salutar na forma como Dragon Quest Builders 2 gere as blueprints (que novamente colocamos no chão e sobre as quais vamos construindo as estruturas necessárias) é que os restantes aldeões que se juntaram a nós vão empilhando os blocos e finalizando algumas construções, dando-nos liberdade para explorarmos e fazermos quests. É claro que esta ajuda dos aldeões surge nas construções tão complexas que finalizá-las levaria largas semanas e acabaria por enfadar os jogadores. Todas as restantes de simplicidade média e sem grande projecção em altura são feitas por nós apenas.
A participação dos restantes personagens surge também na forma como eles se juntam a nós para ajudar a defender as nossas aldeias, nas sequências de invasões e nas boss fights, que estão de regresso. São eles também que nos vão dando corações de agradecimento e que vão servindo para evoluir a nossa aldeia, numa componente subtil de base building que este jogo também possui.
Deixando para o lado a ideia do primeiro jogo de capítulos subsequentes que faziam tabula rasa às nossas construções, aqui a progressão é num arquipélago, em que vamos recebendo as coordenadas de novas ilhas onde os novos capítulos se desenrolam. Tematicamente cada ilha é diferente e acaba por focar-se em aspectos específicos do vasto leque de actividades que Dragon Quest Builders 2 contem. Se voltarmos a cada ilha tudo o que fizemos até então permanece, e há uma sensação real do nosso impacto no mundo.
Paralelamente às ilhas ditas principais, vamos desbloqueando com os corações de apreço dos nossos amigos a cartografia para ilhas opcionais, como as Ilhas de Exploração, terrenos proceduralmente gerados e que nos pedem para encontrar um grupo largo de itens. Se o fizermos receberemos um stock infinito dos materiais que estão “a concurso”. Pelo meio encontramos ainda uma construção escolhida de entre um concurso online que existiu com os 100 melhores edifícios erigidos dentro do jogo.
No centro do mar, servindo de hub world, está a nossa ilha primária, onde vamos desenvolvendo a nossa aldeia principal e para onde levamos os muitos personagens que vamos conhecendo nas nossas viagens. Com todas as ferramentas que vamos desbloqueando é interessante ver que com alguma dedicação e tempo é possível mudar por completo o ambiente à volta: escavar rios, verdejar terrenos áridos, destruir ou erigir vales. Este é apenas um pormenor de um mundo gigantesco, cheio de segredos, com muitas quests que vão tornando a narrativa em algo orgânico e onde o abençoado fast travel nos permite arriscar a afastar-nos cada vez mais das nossas aldeias.
Raramente uma sequela consegue dar um salto qualitativo de forma tão substancial como este Dragon Quest Builders 2, e arrisco-me a dizer que é, para mim, o grande candidato a jogo do ano perante tudo o que já saiu. Com uma componente online de cooperação que infelizmente não contempla a partilha do modo de história, o conteúdo narrativo, mecânico e explorativo de Dragon Quest Builders 2 parece quase infinito, com muitas receitas e novos itens para descobrir muito para além do jogo terminar. Dragon Quest Builders 2 é uma aposta obrigatória, e um excelente jogo familiar, tanto na Switch como na PS4.
Dragon Quest Builders 2 é o Minecraft para quem não gosta de Minecraft e é o auge do que é possível fazer com o género, incorporando em si o que tantos outros géneros contíguos fazem de bom, transformando-o num excelente open world sandbox com uma carga narrativa no patamar do que Dragon Quest nos habituou.