É difícil, tão difícil enquadrar Acting Lessons num género. Lançado em 2018, Acting Lessons aparece em algumas listas refundidas, com a sombra do “para adultos” a pairar sobre ele. Ora desde que analisei House Party que, volta e meia procuro desses jogos que tragam algo mais – bem mais! – para um género olhado de soslaio pela maioria. E Acting Lessons fez-me lembrar Forrest Gump.
Saltando por cima dos rótulos, Acting Lessons é difícil de catalogar. Sim, é para adultos. Tem cenas de sexo explícito. Mas é tão, tão errado descartar o jogo por causa disso… Tem cenas de nudez e sexo, mas esta é uma Visual Novel de e para adultos em que o sexo não é, necessariamente, a força motriz deste jogo. Acting Lessons tem mais, muito mais que o sexo, numa espécie de tributo à vida em que o sexo é apenas uma parte integrante da mesma e não o motor primordial desta.
Acting Lessons é uma visual novel em que as escolhas têm, de facto, um impacto notório na história. Esse impacto nem sempre nos é dado a entender à partida, o que nos força a ponderar bem as decisões que tomamos. A vida não é a preto e branco. E, por entre todos os tons de cinzento, volta e meia lá surge um cor de rosa aqui, um amarelo ali, um vermelho acolá. E Acting Lessons surpreende nesse campo, a ponto de, a dada altura, ter dado por mim a pensar que os senhores da Telltale teriam tido muito a aprender com os escritores deste Acting Lessons. Pois, o elogio é mesmo esse.
A história gira em torno da nossa personagem. Um bon-vivant aparente, reformado na flor da idade fruto dos rendimentos da criptomoeda. Mas não é um tipo feliz. Os amigos não abundam e a sombra da depressão paira desde a dissolução do noivado, num evento traumático que nos vai sendo dado a conhecer ao longo do decorrer do episódio. O estilo de vida que levamos cabe-nos a nós decidir. Maratonas de sexo casual ou romance sério e dedicado? Amizade ou paixão? Traição ou fidelidade ao que sentimos ou dizemos sentir? Verdade ou mentira? O jogo apresenta-nos uma panóplia de fins possíveis como cartão de visita e mostra-nos no seu decorrer que as escolhas estão, de facto, ali.
Tudo começa com um assalto que acaba connosco no hospital. E com Megan, que nos salva a vida. Megan é uma aspirante a actriz e é por ela que a nossa personagem se sente atraído, pelo menos inicialmente. Cabe a nós decidir o rumo a seguir. Insistir numa relação que se perfila como platónica ou agir como o bon-vivant que somos e ir vivendo a vida?
Fosse só isto e Acting Lessons não desiludiria. Afinal, é esse o rótulo que lhe colamos. Mas Acting Lessons traz-nos tão mais que isso. Cito os criadores do jogo “Apesar do tom geral do jogo ser feliz, este trata de tópicos bem negros na vida real. A história não é para jogadores que estejam a atravessar um período negro nas suas vidas. Se se ofendem com facilidade ou se apenas procuram um jogo divertido, este jogo não é para vocês.”. E é aqui que Acting Lessons se torna verdadeiramente interessante. As decisões e experiências em torno da amizade, da partilha, da cumplicidade, da paixão, do amor, do sexo, misturam-se com eventos negros, de depressões, inseguranças, medos, doença, drogas,morte e violência doméstica. Fala-nos de como lidar com a dor da perda, do abandono, do desgosto, e de seguir em frente, buscando a felicidade possível num mundo em que o gradiente de cinzentos muitas vezes se aproxima dos tons mais negros. E é esta maliciazinha que faz de Acting Lessons um jogo delicioso. Disfarça-se de um jogo pornográfico imberbe e é, na verdade, uma celebração da vida com todos os seus altos e baixos.
Quando escrevi sobre House Party, dissertei sobre a maneira como a sociedade vê os jogos com conteúdo sexual, mas o jogo era apenas aquilo. Um porno inconsequente, feito de ânimo leve mais como desafio às regras vigentes do que como comunicação de uma mensagem ou história. Ali, a minha pseudo-luta na escrita foi pelo direito de se poderem fazer jogos assim. Porque volta e meia, dentro do monte de jogos sob a mesma máscara, lá há de surgir um que se destaque por ser mais do que aparenta ser. Senhores, Acting Lessons é um desses jogos. Entrando pela porta do sexo ou pela porta da história, é garantido que vão ter um percurso que é uma verdadeira montanha russa de emoções. Há alturas para rir, há alturas para brincar, e há alturas em que ficamos apenas a olhar para o monitor em choque. Há alturas em que levamos um soco no estômago e perguntamos, afinal, o que raio estamos a jogar? E isso vale-nos, pelo menos, uma grande recomendação.