Ver a chancela da PlatinumGames num jogo é sinónimo instantâneo de que algo repleto de acção exuberante está a caminho. A hiper-especialização do estúdio nipónico em jogos de acção progressivamente mais arrojados tornaram-nos um patamar dentro do género, com ligeiros percalços qualitativos na sua História. 

A revelação fugaz de um novo exclusivo para a Nintendo Switch, desta feita uma materialização de um conceito original de Takahisa Taura, apanhou quase toda a gente de surpresa, especialmente porque entre a data de anúncio e a de lançamento passou-se apenas meio ano. 

Astral Chain denuncia logo ao primeiro impacto a presença de Masakazu Katsura, o mangaka autor de diversas séries de acção, dos quais ZETMAN foi a única que tive o prazer de ler, cujos mundos têm evidentes semelhanças estéticas com uma linguagem contemporânea de sci-fi nipónico. Apesar da identidade visual vincada de Katsura, aquilo que percebemos também após terminarmos o jogo é que Astral Chain sofre, ironicamente, de uma falta de variedade visual, típica de uma lógica quase-AA de desenvolvimento de jogos japonesa, lembrando os espaços relativamente vazios e repetitivos como os que a Acquire polvilha os seus jogos. 

A diferenciação entre o organicismo sobrenatural das diferentes Chimeras, as criaturas demoníacas do plano astral que combatemos ao logo da história de Astral Chain nem sempre é forte o suficiente para as distinguir entre si, mas também não é o suficiente para manchar a experiência coesa que é este novo exclusivo da Switch. Esta falta de diferenciação acaba por ser um sintoma que recai sobre os personagens, que ainda que possuam um design interessante nos seus uniformes policiais (o que se estende aos 5 Legion, as Chimeras “domesticadas” e que usamos com recurso à titular corrente astral) não senti que visual ou narrativamente qualquer um deles se elevasse a estatuto de memorável. Isso foi ainda mais óbvio pelo facto de que aquando da escolha de qual dos gémeos protagonistas eu iria ter como personagem controlável, acabei por escolher e customizar o rapaz. A quantidade de vezes que confundi a irmã com a outra agente especial da NEURON Task Force foi confrangedora. 

O enredo é um cliché gigante que vai tendo pequenas pitadas de originalidade, que se evaporam em tudo o resto. Com a terra coberta por uma poluição alienígena que quase erradicou a Humanidade, o que resta dos humanos habita uma metrópole chamada Tóquio, aliás, ARK, provando que ao contrário do que Hollywood nos quis fazer acreditar, nem sempre demónios, ou alienígenas querem invadir o país do Tio Sam. 

É possível que o elemento que mais me agrada no enredo e no ambiente de Astral Chain sejam os aspectos mundanos da cidade. Apesar de pertencermos a uma força especial de um grupo restrito de pessoas que consegue controlar os Legion e, pelo que esperamos, salvar o que resta da Humanidade, as nossas missões começar muitas vezes num dia “normal” de trabalho para um agente da autoridade na única metrópole com humanos num futuro distópico. Ter de andar a pontapear uma lata pelo chão para distrair um gato e conseguir agarrá-lo, ou trazer para uma criança um gelado pelo meio da multidão, impedindo que os encontrões que levamos nos façam derrubá-lo são os momentos mais terra-a-terra e que se sobrepõem a todos os clichés dos anime contemporâneos de sci-fi que foram incorporados neste Astral Chain.

As missões começam não só com esses momentos mundanos mas também com investigação de crimes, que culminam com um pequeno brianstorm com outros agentes, nos quais respondemos com provas encontradas durante a investigação. Acertarmos ou errarmos nas nossas conclusões não invalida o caso, apenas torna a pontuação mais baixa. Este sistema de pontuação surge até a cada porção das missões, como forma de criar um ranking system perante o nosso desempenho, seja em termos de investigação, cumprimento de objectivos secundários e ao nível do combate.

A componente de investigação acaba até por quebrar um pouco o ritmo de jogo, e na maioria das vezes não é mais interessante do que a mais banal das fetch quests, ainda que eu tenha feito um esforço para investigar todos os pontos secundários (com recurso ao IRIS, o sistema de visão alternativo que mostra o que está escondido) e tentar explorar cada um dos cenários ao máximo. Mas a cereja no topo de todo o bolo é mesmo o combate, e não imaginam a ansiedade que vão ter nas componentes de investigação de cada caso para que estas passem rápido e chegue aquilo que toda a gente quer.

Se a massa do bolo de Astral Chain é mediana com momentos felizes, é o combate aquele que realmente justifica todo o jogo, e o porquê de este ser quase uma súmula da evolução mecânica da PlatinumGames. O estúdio tentou sempre inovar dentro dos hack ‘n slashes, sendo que até hoje me parece que o pequeno desvio do género que fizeram com Wonderful 101 é possivelmente o melhor que desenvolveram até hoje. Mas as brincadeiras de game design que a corrente entre o nosso protagonista e o seu Legion permitem está possivelmente em segundo lugar.

A estranheza com que recebemos a necessidade de controlar os 2 personagens em simultâneo é grande, mas nada que não se dissipe pouco tempo depois e que se sinta altamente intuitivo. Um grande contributo para isto é a semi-autonomia do Legion que ataca e se movimenta (de forma limitada) sozinho, conduzindo a um combate altamente satisfatório sem ter de ser hiper-complicado. Sem combos para memorizar, vamos desbloqueando nas skill-trees individualizadas de cada um dos 5 Legion (os quais podemos trocar num ápice em qualquer altura) ataques e contra-ataques com timed button pushes que criam a espectacularidade que esperamos de um jogo da Platinum. Para aquele que considero do ponto de vista de setting e de execução o jogo mais toned-down do estúdio, a compensação dos momentos de extravagância de acção são executados com meros pressionar de botões na altura certa. 

A abertura para a resolução dos combates é outro dos pontos interessantes, e a possibilidade de enrolarmos a corrente em volta das Chimeras cria alguns dos momentos de acção mais ousados do jogo, que culminam com as distintas boss fights

A gestão da energia dos Legion, e a necessidade de os retirarmos de combate para recarregar as suas baterias em segundos é outra das preocupações que temos de ter, mas que não interfere significativamente no combate para ser um empecilho.

Cada um dos 5 Legion tem habilidades únicas para serem usados dentro e fora de combate, levando a sequências de level design e backtracking similares aos jogos da Lego. Aliás, alguns dos puzzles lembram precisamente a resolução de obstáculos criados pela TT Games nos seus jogos, como ter de usar o personagem certo para desenterrar algo, ou outro com uma lâmina para cortar fios eléctricos.

As sequências superficiais de platforming nas quais enviamos o nosso Legion e nos “catapultamos” para ele para saltar precipícios são medianos, e com a falta de precisão da câmara acabamos muitas vezes por cair, o que nos faz sentir que estas porções de level design são apenas um fait-divers que pouco contribuem para a experiência total.

O modo cooperativo é sofrível, sobretudo pela decisão de controlarmos os 2 personagens (cada jogador controla um, obviamente) apenas com um Joy-Con. A impossibilidade de cada jogador controlar separadamente o seu personagem (o protagonista ou o Legion) com um par de Joy-Cons torna altamente frustrante e desajeitada a tarefa de jogar um hack ‘n slash com um controlador tão pequeno. Para a experiência cooperativa que aqui foi implementada parece-me que o melhor teria sido não fazerem mesmo nada.

Astral Chain vale quase na sua totalidade pela forma inventiva, dinâmica e interessante como executa as sequências de combate. Infelizmente depois de uma playthrough sentimos que faltavam mais sequências destas, que metade do tempo passamo-lo em tarefas servis e de pouco interesse e que poderia ser melhor ocupado com boas sequências de combate. Do ponto de vista de acção é uma das melhores experiências que tive, pela elegância como equilibra a diversidade de movimentos, a familiaridade de controlar os 2 personagens, sem ter nunca de cair numa sobre-complexificação dos seus comandos. 

Com um enredo mediano e um setting interessante que peca por ser um maciço cliché, Astral Chain é um bom exclusivo pelas suas magníficas sequências de combate, que gostaria de ver ainda mais exploradas numa sequela em que as superficialidades sejam eliminadas. 

Dito isto, mais jogos, filmes, séries, livros e álbuns musicais deveriam ter fadas que abençoem papel higiénico como em Astral Chain.