War of Rights é um jogo simulador de batalhas da Guerra Civil Americana. Nele os jogadores têm o direito de escolha, ser carne para canhão ou morrer como traidores. Tudo a favor do bem maior, obviamente.

Existe um conjunto de jogadores dedicados, que ano após ano se reúnem em descampados perdidos e outros lugares historicamente relevantes, para reproduzirem batalhas do antigamente. Vestidos a rigor, fatiota fruto de meses, até anos, de coleccionismo e dedicada confecção, estes soldados do passado incorporam os fantasmas da liberdade de expressão, os heróis do direito à escolha, aqueles que deram a vida para que nós pudéssemos viver um pouquinho melhor.

Só que não. A maioria dos homens que caíram nesses campos eram pessoas vulgares, que morreram de forma estúpida pela ganância e falta de bom senso dos seus líderes. 

Essa foi a primeira lição que aprendi com War of Rights. Conforme sou recrutado para a frente de batalha, de espingarda na mão. Enxovalhado pelo oficial de comando, que deve ser uns 20 anos mais novo do que eu. Alinhado na frente de batalha, lado a lado aos meus companheiros de unidade enquanto o exército inimigo agradece e pratica tiro ao alvo. Só tenho tempo para pensar na futilidade e idiotice de toda a situação até que uma bala fortuita me acerta na cabeça e sinto a vida a esvaziar-me do corpo.

A guerra não presta.” – digo eu em tom de desabafo. “Estás a jogar o jogo errado…”, alguém me responde. Mas continua, “…ou se calhar estás a jogar o jogo certo!”.

War of Rights é o jogo sobre a guerra que não presta, mas no bom sentido. É incrível a quantidade de energias que foram investidas em cada pormenor da simulação. Cada farda de cada unidade construída ao ínfimo detalhe. A variedade dos homens e das suas fardas. A fidelidade geográfica na reconstituição dos campos de batalha. A música do menu principal e as fotografias sobrepostas aos mapas militares históricos marcam desde cedo o tom. Há um grande esforço por parte dos desenvolvedores para que o jogador seja transportado para aquela época e aquele lugar. E esse esforço não cai em saco roto.

Não se baixem. Não se afastem. Mantenham-se em formação.” – mantra repetido até à exaustão pelos oficiais de comando em War of Rights.

A mecânica de jogo explica-se em 5 minutos. É um First Person Shooter a tickets, ou seja, o número de baixas de cada lado é contabilizado. Se alguém for visitado pela morte enquanto afastado dos seus companheiros (fora de formação) dá um golpe na moral equivalente a 1 ticket. Se tiveres o azar de morrer enquanto estás cobardemente agachado será descontado 60% desse ticket na moral dos homens, apenas 20% se estiveres valentemente em linha. Mas são os homens valentes que morrem mais depressa, porque dão o peito às balas, e acertar nalguma coisa é sempre mais fácil quando se aponta a uma multidão.

Vocês não são carne para canhão. Eu amo-vos muito! O vosso sacrifício não será esquecido.” – um oficial da União desconhecido, antes de abandonar uma parte dos homens sob o seu comando para morrer.

Less is More

A quantidade de energia investida na ausência propositada de elementos de jogo fala por si. Na sua forma básica, o jogo é isento de qualquer interface de utilizador. Podemos a qualquer momento invocar uma bússola, alguma informação sobre o jogador (a saber, modelo da espingarda, munição com que está carregada e situação de combate: em linha, modo escaramuça ou fora de formação). Permite-nos também, a pedido, visualizar os nomes dos soldados aliados próximos por cima das suas cabeças. E quando digo próximos digo bem próximos (praticamente em cima de nós).

Tendo em conta que os uniformes das várias unidades são o mais historicamente correctos possível, torna-se bem difícil à distância distinguir um inimigo de um amigo. Na realidade, a distinção é difícil até mesmo à queima roupa, no meio da confusão da batalha corpo a corpo, há sempre a possibilidade de perfurar a pessoa errada.

Desculpe…” dizes tu enquanto o teu colega se esvai em sangue no chão. A bala que lhe pregaste na testa foi um honesto engano…

A maioria dos soldados está equipado com pesadas e antiquadas espingardas de pederneira, que requerem um moroso processo de carregamento pela boca. As próprias munições e pólvora são de baixa qualidade pelo que a remota possibilidade de se acertar no alvo exige horas de dedicação na carreira de tiro. Na realidade, um pelotão de atiradores peritos à distância pode facilmente derramar o pânico sobre um inteiro batalhão.

É claro que não existe qualquer indicação se o disparo foi bem o mal sucedido. Se o atirador viu o inimigo cair, é bem possível que tenha acertado nele. Como estas armas primitivas lançam bastante fumo é provável que a maior parte do tempo nem saibas muito bem sobre o que estás a disparar.

Como vejo o meu KDA?” – jogador novato, potencial recruta da 14th Brooklyn, que ainda não interiorizou a filosofia de War of Rights.

Como fui enganado a juntar-me à Confederação

War of Rights surgiu no Kickstarter, com o objectivo de criar uma simulação de larga escala que permitisse ensinar a história da Guerra Civil Americana. 

Para um jogador Europeu a Guerra Civil Americana parece ter sido uma tentativa fracassada de parar o avanço da civilização e dos direitos do homem. Os estados do sul, cuja economia era baseada em plantações suportadas por mão de obra escrava, opuseram-se de forma armada à abolição da escravatura, aprendi eu na escola. Nesse sentido, ansiava vestir o azul Ianque, batalhar a favor do bem contra o mal, abolir os últimos resquícios de racismo na civilização.

Terá a guerra civil Americana mais nuances que essa minha visão simplista? Na génese do país Estados Unidos da América está o direito das colónias decidirem o seu destino, e o papel do poder central sempre foi controverso desde o início. Onde acaba o poder do estado central e começa o poder dos Estados locais, e porque não, do indivíduo? Quando se vive em isolamento e o governo central parece estar-se a marimbar para o cidadão, excepto quando é para pedir impostos, nessas situações,  é fácil colocar em causa a necessidade, ou até mesmo a legitimidade, de nos dizerem o que fazer.

Essa dicotomia de Norte contra Sul, Litoral contra Interior, Cidade contra Interior ainda existe hoje em dia. Passeando no rural dos EUA ainda se encontra a bandeira da confederação, aquela que estava pintada no carro dos Três Duques, hasteada orgulhosamente à porta das casas, uma lembrança da sua herança Sulista.

Ninguém no Sul deseja reintroduzir a escravatura, mas muitos ainda suportam o direito de Secessão dos Estados.” – conversa política aleatória que pode ser encontrada no chat de um vulgar jogo de War of Rights, enquanto balas assobiam sobre as nossas cabeças.

De modo que quando fui recrutado para me juntar a um regimento, confesso que nem me apercebi que me juntava aos Separatistas. Se ser chamado de Rebelde tem o seu apelo para o meu adolescente interior de prazo-vencido, pertencer aos Longstreet’s I Corps fez-me aperceber de algo mais sério: a realidade política fracturante nos EUA. Estas são pessoas orgulhosas da sua tradição familiar, desconfiadas do governo central e com um grande sentido de tribo. Enquanto esta tradição for apetecível de ser explorada para fins políticos, será difícil que no futuro a situação se altere.

As batalhas em War of Rights podem parecer bastante épicas por terem 180 jogadores, mas são bastante pálidas quando comparadas com a dura realidade da guerra. Em tempos de paz, a batalha pelas mentes e corações dos jovens continua, e para travá-la temos as lições da história que não devemos esquecer: de que a guerra não presta, qualquer que seja o sentido que lhe queiram dar.