Estou para começar a testar um jogo, não vou dizer qual depois irão ver quando sair a análise e não é importante para já. O que é importante é que ele foi o gatilho que me levou a escrever este artigo que já está na minha mente há bastante tempo sobre a falta de moralidade, ou melhor… a moralidade deturpada que temos quando entramos na pele de alguns protagonistas de jogos.
Pensando bem, sou capaz de vos ter que explicar o jogo para fazer sentido. Ok,… sem spoilers ou informação a mais.
No jogo em questão somos alguém cuja função principal é infligir dor. Física e psicológica, e ocasionalmente, matar. Não é um conceito habitual nos jogos. Regra geral somos o herói, aquele que tem que lutar contra tudo e todos para vencer e conseguir o seu objectivo. Às vezes mais altruísta, outras menos. A premissa do jogo interessou-me precisamente porque foge ao normal, o seu objectivo parece-me ser um bocado o choque, mas também dar uma perspectiva diferente de um protagonista claramente “do outro lado” em oposição aos protagonistas que bonzinhos.
Quando há muito tempo fiz a análise de The Beholder já tinha tocado no facto que muitas vezes fazemos algo mau porque tem que ser. Nas palavras do Doctor “Às vezes só temos más opções, mesmo assim temos que escolher uma!”. Em The Beholder e na sua sequela esta falta de opção “boa” está bem gravada porque até a obediência e tendência para um aparente “vilanismo” poderá ter na maior parte dos casos consequências negativas para nós. Mas neste caso, tal como alguns outros jogos mais cómicos como Dungeon Keeper escolhemos nitidamente o lado do mal. Vemos a escada para o céu e a autoestrada para o Inferno e metemos o pedal a fundo acima da velocidade limite.
Só que há o outro lado, mesmo quando escolhemos o lado bom,não somos tão heróicos como pensávamos. Se olharmos para lá da superfície alguns protagonistas só aparentam ser “bonzinhos”.
Não vou focar jogos como GTA V, Red Dead Redemption e outros em que a nossa bússola moral começa logo na zona cinzenta, mas outros em que somos nitidamente um herói como Tomb Raider, Uncharted, Splinter Cell, Metal Gear Solid ou até numa perspectiva diferente The Witcher. Nestes jogos somos heróis, aventureiros qual Indiana Jones modernos que andam por cenários exóticos a resolver puzzles e descobrir coisas. Além disso, somos homicidas sem moral. Ali a roçar o sociopata.
Se calhar esta parte foi um bocado chocante, mas já pensaram em quantas pessoas Nathan Drake, Sam Fisher, Solid Snake ou Lara Croft matam nas suas aventuras? Quantos henchmen são mortos pelas mãos, tiros e explosões provocadas por nós enquanto controlamos estes personagens? Porque é que isso é aceitável? Sem pestanejar, sem pensar duas vezes, matamos estes homens e mulhers porquê? Porque lhes ceifamos a vida sem remorsos e sem olhar para trás? É porque não têm nome? É porque não têm história? Não temos um enredo para a sua vida? São todos iguais? Não deixam de ser tão humanamente virtuais como o ser principal que está a ser controlado pelo nosso comando. Que moral temos nós para dizer que somos o herói da história quando no final de um nível semeamos um nível de caos e destruição maior que os “vilões” que tentamos parar? E se aqueles que matamos tivessem uma história? Se no final de cada capítulo tivéssemos uma lista de nomes daqueles que matamos, os familiares que deixaram para trás, as suas actividades e passatempos… Se no final de Star Wars tivéssemos a lista de todos os Stormtroopers que morreram na explosão da Death Star continuaríamos a pensar que a rebelião eram os heróis?
Sim, porque Stormtroopers não eram clones, eram soldados alistados. Humanos com famílias.
The Witcher está num campo diferente, Geralt mata monstros e às vezes os monstros são humanos. Ele próprio comenta isso nos livros e em algumas partes do jogo, é pago para fazer um trabalho. Não é um herói, é alguém a quem se paga para executar uma tarefa. Mas os outros? Sam Fisher poderia ser colocado nesse campo porque é uma espécie de mercenário. Mas será que todas as pessoas que ele mata merecem? Quem somos nós para julgar? Seremos nós dignos de decidir quem vive e quem morre?
Porque é que em alguns cenários nos faz confusão a morte de X pessoas mas noutras, como quando estamos na pele de Lara ou Nathan, nos passa totalmente ao lado? Não só ignoramos o nosso lado negro como nos jubilamos nele, às vezes desviamos do nosso caminho para matar mais um ou outro que não seria necessário. Teremos todos um lado negro que precisa de uma cruzada para encapuzar os nossos desejos de massacre mais secretos? Não sei, mas acho que é algo em que pensar.