No outro dia vi-me obrigado a conviver o que a minha amiga M chama a plebe, num evento. Alguns que discutiam futebol e outros assuntos mais chegados à cultura pop. A pergunta que rondava essa mesa era “Qual é a tua casa?” e eu respondi “Atreides”. Percebi pelo olhar vazio da maior parte dos jovens que lá estavam (pessoal na casa dos 20/30) que havia ali uma falha geracional de cultura que pode vir a ser corrigida se o filme do Denis Villeneuve for tão bom como eu espero de tal modo que nem me dei ao trabalho de recomendar livros e filmes. Enquanto tenho estado a jogar STAR WARS™: Jedi Knight II: Jedi Outcast™ nesta sua recente transição para a Switch mais de 15 anos depois do seu lançamento original fico com a ideia que também sofre desta generation gap. Continua a ser um grande jogo, mas um jogo que pode deixar um olhar vazio na cara de muita gente mais nova.
Jedi Knight II,ou Outcast, continua a ser um grande jogo. Continua a ser dos meus Star Wars favoritos superado apenas por um cabelo no photo finish por Jedi Academy dentro do campo de jogos de acção na galáxia muito muito distante. Vamos esquecer os gráficos que continuam iguais porque esta não é uma versão remasterizada é um port absoluto. (Numa pequena nota recomendo a definição clássica 4:3 para não estarem a ver tudo esticado e subirem a iluminação nos settings um a dois toques porque senão vão ter muitas coisas que não vão ver. Eu tive mais que uma situação em que pensava “Eu sei que há algo aqui mas não estou a encontrar, eu lembro-me…” e só não via porque a imagem estava escura demais.) Dica dada, continuemos… Outcast é um produto da sua época, todo ele é feito no estilo de jogos de aventura que se faziam no início dos anos 2000. Mobilidade, estrutura até a resolução de problemas é típica daquela altura em que éramos obrigados a dar voltas e mais voltas até encontrar a chave/buraco/interruptor que nos permite avançar na história. Nós entramos em Outcast e não há tutoriais, não há cá “carrega no interruptor para abrir a porta” ou “carrega na caixa verde para recarregar o escudo” somos literalmente lançados às feras e temos que nos desenvencilhar. E isso é desafiante, puxa por nós sem nos frustrar. É complicado porque temos que entender as coisas, não porque batemos com a cabeça na parede setenta e oito vezes até perceber o padrão do adversário. Devido a isso, à sua forma old-school acredito que uma geração mais nova não vai gostar de Jedi Knight II. Da mesma maneira que é por isso mesmo que a geração mais antiga que vai poder jogar esta preciosidade outra vez vai adorar.
Os primeiros níveis de Outcast são provavelmente os mais complicados de uma forma ligeiramente aborrecida. Isto é algo que já havia sido criticado no seu lançamento original. Mas, para quem sabe a sua história (agora não canónica e apenas considerada Lenda) o que é criticado faz todo o sentido. Começamos Jedi Knight II num ambiente FPS com armas básicas. Isto é frustrante porque no final do jogo anterior somos um Jedi com um lightsaber. Agora já não o temos, somos um ser normal outra vez, Kyle Katarn abandonou o seu lado da luz porque na expansão Mysteries of the Sith, onde ele treina Mara Jade (mais tarde Mara Jade Skywalker) ele vai muito próximo do lado negro. Para evitar a tentação, Kyle abandonou a Força. É por isso que nos primeiros níveis não temos acesso aquela arma elegante para um tempo mais civilizado. Contudo a Força move-nos de maneira que não queremos e Kyle vê-se obrigado a recuperar os seus poderes Jedi e arma, temos uma progressão do personagem na sua história e no que ele tem.
E é aí que começa a diversão a sério.
Kyle foi, até certo ponto o protótipo do que se veio a chamar mais tarde o Grey Jedi. Nem de um lado nem do outro dos extremos, mas a meio. Tão capaz de usar um Mind Trick como um Force Choke. No jogo, temos todo o reportório completo de poderes para usar à nossa vontade. E podia ser mais divertido usar uns relâmpagos para electrocutar uns poucos Stormtroopers. Que é. Mas é igualmente divertido usar outros poderes do outro lado para chegar ao final da missão a diversão está na possibilidade de variedade, e no nosso estilo próprio. No que diz respeito à simulação de luta com um lightsaber Jedi Knight II é apenas igualado, ou discutivelmente superado, por Jedi Academy. É o mais próximo possível de perfeição neste campo. Os movimentos todos, os estilos, a forma são tudo aquilo que quisemos num jogo de Star Wars desde o velhinho Super Star Wars, muitos tentaram reproduzir a física destes jogos mas falharam.
A luta de Obi-Wan e Qui-Gon contra Darth Maul é a segunda melhor luta de espadas do cinema*, Jedi Knight II dá-nos isso em jogo. Outros tentaram repetir isso mas não conseguiram. Seja um Stormtrooper, um Sith ou um dos Bosses do jogo as lutas são dinâmicas e emocionantes. Infelizmente, o modo multiplayer foi retirado deste port mas continua a ser excelente no single-player e só por isso vale a pena pagar os €9 para jogar. Se forem azelhas nos shooters em comando (tal como o João Correia afirma em vários Rubber Talks, eu também sou um tipo de teclado e rato para estes jogos) podem ter um ou outro problema mas acreditem que mesmo assim se vão divertir imenso e viver uma história incrível. Que nos leva ao ponto final deste artigo.
A Disney tem o controlo da franquia de Star Wars e apagaram da história quase todo o passado contido no Expanded Universe, portanto é estranho a abertura que tiveram para colocar na mesa dois jogos dessa altura. Contudo, pensando bem no assunto, e juntando um pouco de wishful thinking, a Disney está sentada em cima de montanhas de trabalho feito que só precisa de uns arranjos para faturar. Eles pagaram um gazilião de dólares pela propriedade, se há jogos que podem ser vendidos de novo a um público nostálgico ou até um público novo com um investimento adicional mínimo, porque não fazê-lo? Jedi Knight II e Jedi Academy em Janeiro são o molhar os pés na água. Ver como as coisas estão. Vendendo cópias suficientes? Não me admirava nada que daqui a uns meses víssemos o anúncio de Knight of the Old Republic, Pod Racer, Republic Commando e Rogue Squadron serem lançados na Switch. E eu ficaria muito contente com isso. Até lá… Voltar a jogar com Kyle Katarn é excelente. Até Janeiro pelo menos porque aí podemos ter o nosso próprio Jedi. E esse vai ter multiplayer.
*A melhor luta de espadas do cinema é Westley/Dread Pirate Roberts contra Iñigo Montoya em The Princess Bride.