Finalmente meti as mãos em John Wick Hex e posso falar aqui um pouco sobre todo este mundo. Sentem-se e relaxem porque vamos entrar no universo do homem, do mito, da lenda que é John Wick, o Baba Yaga. O homem que é enviado para matar o Papão.

Daqui para a frente, quem nunca viu os filmes, vai ter alguns spoilers. Se não quiserem ler o resto passem já para a secção “O Jogo”

O Homem

Hoje, 2019, Keanu Reeves é o namoradinho da internet mas olhando apenas uns 6 anos antes e ele estava esquecido no meio de tantos outros actores da sua geração, por isso o primeiro John Wick passou um pouco debaixo do radar geral entre tantos outros filmes que saíram nesse ano com muito mais sucesso como Guardians of the Galaxy ou The Lego Movie. Mesmo assim, maioritariamente através de “já viste este filme?…” foi ganhando fama e conseguiu assegurar uma sequela e já vai a caminho do quarto filme. Durante o primeiro filme não sabemos muito sobre ele, vai-nos sendo desvendado aos poucos, a sua história, muitas vezes contada em suspiros, insinuações e poucas palavras. Quando um chefe da Bratva telefona ao personagem de John Leguizano (o Luigi do filme Super Mario Bros.) e pergunta porque ele bateu no seu filho, a resposta que recebe é “Porque ele roubou o carro ao John Wick. E matou-lhe o cão!” A única resposta de volta foi um “Oh!” e um lento desligar do telefone pelo mafioso que sabe que quase de certeza vai ter que comprar um caixão para o filho. Esta troca é suficiente para dizer tudo sobre quem é John Wick, não dizendo nada explicitamente, é storytelling no seu melhor. Não sabemos muito, só sabemos que aquele homem, a quem mataram o cachorro e roubaram o carro dias depois da morte da sua mulher era num passado não muito distante o maior dos assassinos. Que entre outras feitos matou três homens num bar com um lápis. Um c***** dum lápis! 

No primeiro filme vemos o quão letal é Mr. Wick. Um humano cujo desejo de vingança (e treino intenso) o levam a níveis acima dos comuns mortais. Tudo por um c****** dum cachorrinho! Mas não é só nesse filme, em todos John Wick, o homem, mostra em todos os filmes a razão de ser uma lenda.

O Mundo

O “Wickiverse” é fascinante para mim. É um mundo realista mas contraditoriamente irreal, é actual e ao mesmo tempo anacrónico. Um mundo inserido no nosso mas com regras, cultura e até uma divisa próprias. Dentro da bolha do universo dos assassinos, tirando as armas e alguns carros de última geração é tudo mais antiquado. Toda a gente usa flip phones! Tudo tem mais classe como se de repente vivêssemos no mundo de Mad Men, mas muito mais letal. Este aspecto é especialmente visível no segundo filme, o centro de comunicações dos assassinos com computadores retro e todas as funcionárias com aquele ar de pin-up de anos 40 e 50 ou o alfaiate, o cartógrafo e o sommelier especializados em serviços para assassinos, todos eles pagos com moedas de ouro, esses pormenores colocam no mundo um véu de mistério que não é detectável a olho nu mas também só vemos quando sabemos para onde olhar e a certo ponto ficamos na dúvida se toda a New York é povoada por assassinos.

Há duas coisas criticadas no segundo e terceiro filme, final do segundo e início do terceiro para ser específico, relativas a esta confusão. Vi muitos comentários que era estranho que de repente do primeiro para o segundo filme e daí em diante toda a gente na cidade faz parte deste submundo dando como exemplos duas cenas. O início da fuga de John, em que toda a gente recebe a mensagem de bounty de John Wick após desrespeitar as regras do Continental, e o facto dele entrar num táxi que aceita moedas de ouro. Só que se olharmos para o nosso dia a dia, toda a gente está a receber mensagens constantemente e se passar um homem a correr meio ensanguentado todos olhamos para ele. Isso quer dizer que são todos assassinos? Não, mas quer dizer que a sua paranóia na sua fuga o faz pensar que qualquer pessoa pode ser parte de uma elite de assassinos. E o táxi? É o único modelo dos anos 50 naqueles todos de 2015 para a frente, algo que durante os filmes é constante. Aquele submundo é marcado pelo clássico.

No desenrolar dos três filmes enquanto vamos desvendando cada vez mais sobre o submundo assassino, Mr. Wick mostra-se cada vez mais super humano, algo que estragou um pouco a minha suspensão de descrença mas que mesmo assim continuou a dar-me bastante do que eu gostei no original e veio a mudar os filmes de acção e o modo como foram filmados. A invulnerabilidade que John Wick tem no terceiro filme que parecia que ele tinha tocado na estrela do Mario foi algo que me chateou, sim ele coxeava e sangrava mas parecia imortal. Contraposto ao quase realismo do primeiro foi uma desilusão, mas olhando para John Wick II e Parabellum como filmes de acção puros… têm das melhores sequências de acção que já vi no cinema. Se matar 3 gajos num bar com um c***** dum lápis é mítico, o que dizer sobre matar um gajo com um livro? Um filho da p*** dum livro!

O Jogo

Este caminho leva-nos a John Wick Hex, o jogo que serve de prequela ao “Wickiverse” pela mão de Mike Bithel da Bithel Games que desenvolveu Thomas was Alone, Subsurface Circular e Quarantine Circular e também Volume. Podemos achar estranho terem dado esta franquia que é conhecido pela sua acção a um criador de “jogos de autor” em vez de a um grande estúdio para fazer um shooter em terceira pessoa ou semelhante, mas faz todo o sentido.

A acção de John Wick, nos filmes, não é frenética, não é o caos de uma batalha num filme MCU, é um ballet mortífero coreografado ao limite mais minucioso. Tentar copiar ou reproduzir isso num jogo de acção é para lá de impossível, sendo Superhot o que há de mais próximo no mercado hoje em dia e mesmo esse fica longe. A mente de John Wick é a mente de um mestre de xadrez, alguém que calcula todos os seus movimentos e consequências a um ritmo alucinante e capaz de executar todos os seus cálculos sem erro, John Wick não falha porque sabe que o risco de falhar pode ser fatal. A única maneira de reproduzir isto é num tabuleiro de xadrez evoluído, e foi isso que Mike Bithel nos deu em John Wick Hex.

Hex tem um sentido duplo, é o nome do vilão que rapta Winston e Charon (interpretados por Troy Baker, Ian McShane e Lance Reddick respectivamente) e que é o objectivo final do Baba Yaga ou a morte personificada como Wick é às vezes referido. Para isso, temos que nos deslocar pelos pequenos mapas hexagonais (mas que não vemos para além de pontos centrais no chão) matando todos os adversários que encontramos na forma mais eficiente possível. Para isso, temos um jogo que não é turn-based, mas time-based. Não são propriamente turnos mas pausas que comandam a acção, pausas essas controladas pela nossa batuta enquanto tentamos orquestrar todos os instrumentos e protagonistas num belo bailado de morte em tons néon. Tudo tem um custo e esse custo é tempo. Cada movimento hexagonal custa 0.4 segundos. Cada murro que damos custa 0.9 segundos. Cada disparo da arma tem um custo de tempo dependendo do modelo, uma pistola automática é de 0.9 e um revólver já são 1.6 segundos e uma metralhadora vários disparos de 0.6 cada, agachar são 0.5, usar um “heal” com ligaduras são 2 segundos e por aí em diante. Cabe-nos a nós conseguir mexer Mr. Wick de modo a ceifar as vidas todas a caminho do nosso objectivo sem sofrer dano. Ou sofrendo o mínimo porque dano e munições, ou falta delas) são transportados de um nível para o outro. Todos os personagens movimentam-se ao mesmo tempo e é possível interromper as suas acções se as fizermos antes. Por exemplo, se um personagem estiver a apontar a arma para nos dar um tiro com um revólver vemos na timeline os 1.6 segundos que vai demorar até a bala sair da arma, nós podemos por exemplo:

A) Agachar (faltam 1.1)

Rolar (faltam 0.5) (saímos da linha de tiro)

Disparar contra ele (0.9) mas fora da linha de tiro dele e com 100% de eficácia da nossa parte

 

B)Atirar a arma (faltam 0.9) o adversário fica atordoado

Dar um passo (0.4)

Atirar o adversário ao chão (0.9)

Ou outras opções. As possibilidades são bastantes e nem sempre são tão eficazes como pensamos porque apesar de ter um grande componente de puzzle game os nossos inimigos nem sempre reagem como esperamos, assunto a comentar abaixo, que nos dá uma pequena novidade a cada vez que morremos e temos que repetir o nível. Quando corre mal, não é frustrante, quando corre bem é glorioso.

Apesar da conceptualmente este formato ser perfeito para a adaptação de John Wick para um video jogo, na prática falha em alguns pontos. Eu não fiquei desapontado com John Wick Hex apesar de esperar muito dele desde o seu anúncio, só que também não gostei tanto como queria devido a algumas desilusões. Não vejo o meu copo como meio cheio nem meio vazio. Tem whiskey, e isso é bom que chegue para mim. A parte mecânica é excelente como já disse. Até podia dizer que é Hexcelente mas não o vou fazer porque seria uma piada fácil. Infelizmente a I.A. dos inimigos nem sempre é a melhor que se torna um desafio maior porque é mais difícil calcular a burrice que a inteligência e dei por mim, mais que uma vez, à espera que um inimigo andasse ou viesse de um lado de onde apareceu das últimas 5 vezes para ele aparecer de outro lado ou mais tarde, ou não aparecer sequer. Não é totalmente negativo, mas também não é positivo. Os dois pontos mais negativos estão agarrado sendo o maior a animação. Quando acabamos um nível podemos ver em animação e tempo real o nosso jogo. Infelizmente, e ao contrário dos filmes e até dos trailers do jogo, a acção é não é fluída, todos os nossos movimentos são reproduzidos de uma forma quase stop motion especialmente os movimentos de casa em casa. Aliado a uns ângulos de câmara que muitas vezes não permitem ver a acção consegue ser um pouco frustrante. Se isso não chegasse há uma repetição constante de movimentos, os socos são todos iguais, os takedowns, os tiros, que de início são giros mas quando só temos duas a três variáveis para cada um e os vemos várias vezes perde um pouco a piada. Esta é a minha maior desilusão porque supostamente Mike Bithel trabalhou directamente com as equipas de stunts e produção do filme, o que me fez esperar algo mais variado. Seria assim tão difícil programar uma alteração maior de movimentos? Ou dar a opção de murro, cotovelo ou pontapés na escolha de acção? Não sei, mas era algo que tornaria o jogo muito melhor.

Dito isto, John Wick Hex é uma óptima reprodução do mundo dos filmes, talvez a melhor transposição Filme para Videojogo que já vi. De certeza está no top 3 mesmo com algumas falhas. É uma base perfeita para lançar um John Wick Hex 2 corrigindo alguns dos seus aspectos mais fracos e lançando todo o meu comentário final para outro universo fictício, o de Naruto, é excelente para quem como Shikamaru consegue calcular todos os movimentos de todas as peças no tabuleiro de xadrez mais de 200 passos à frente. 

John Wick Hex é um exclusivo Epic Store que está disponível desde 8 de Outubro 2019 e estará à venda para consolas em data a anunciar.