Não é fácil estar-se na pele, aliás, nos pneus de Need for Speed. Longe da fama de outrora, que o mantinha, ao longo de anos, como uma das principais séries de corridas, a franquia da EA acabaria por ir perdendo relevância para as séries de corridas que dominam hoje os videojogos. Culpa disso, diria, foi de uma série de títulos que em nada garantiram uma vida saudável para a marca, que constantemente tentava alegar que seria desta que Underground seria repetido. Need for Speed Heat é mais um desses anúncios de “acreditem em nós, desta vez acertámos mesmo na fórmula daquele Need for Speed do qual tanto gostam”. Se será verdade? Já veremos.
A acção deste Need for Speed Heat decorre numa Miami ficcional intitulada Palm City. Uma cidade visualmente detalhada que ganha o seu verdadeiro relevo visual quando a percorremos de noite: onde as partículas de chuva e orvalho colidem com as luzes néon que obsessivamente se espalham pelas ruas.
Need for Speed Heat, é, na sua essência um jogo de corridas arcade em mundo aberto. Mas o grande problema desta abertura é o facto de conseguir levar ao extremo uma sensação transversal a quase todos os jogos de corrida em mundo aberto: é que as suas ruas e estradas são completamente sem vida. A história risível não nos dá o enquadramento do porquê de não existir praticamente ninguém nas ruas e de existirem pouquíssimos carros a circular nas estradas, mas atrever-me-ia a dizer que algum evento similar ao de The Leftovers aconteceu, porque o mundo de Heat está praticamente deserto.
O brilhantismo visual de Need for Speed Heat, especialmente à noite como dizia, é ainda mais evidente se o puderem jogar num computador que o possa correr ao máximo. O detalhe e realismo das texturas que nos circundam, dos brilhos e imperfeições do metal dos carros, transformam as corridas nocturnas em algo que por vezes nos parece filmado na realidade, e não algo processado em tempo real pelo nosso computador.
Need for Speed Heat são dois jogos num só. Um jogo passado de dia, onde articulamos os nossos ganhos enquanto condutores em corridas legais, regradas, e fazemos lentamente crescer a nossa reputação de piloto. Mas um jogo totalmente diferente, infinitamente mais interessante de noite (e não apenas pela deliciosa imagem de transição entre dia e noite ou pela espectacularidade da estética nocturna do jogo) mas porque ele, mecanicamente, se transfigura.
Se de dia Palm City é o palco para corridas organizadas e balizadas nos seus espaços, à noite é onde as corridas ilegais tomam o seu espaço. Se a agressividade dos outros condutores é visível na corridas diurnas, é de noite, que todos se parecem enraivecer, e o street racing passa a ser uma mescla entre velocidade, habilidade de condução e agressão, com os restantes carros a abalroarem-nos para nos impedir de chegar às primeiras posições. Como se a dificuldade inerente à exímia qualidade de condução dos melhores condutores não fizesse da tarefa de chegar ao pódio um desafio extremo, os criadores da Ghost Games tinham de programar a IA dos restantes pilotos como se tivessem saído de Mad Max. O que, pensando bem, é apenas mais um contributo para a minha suave teoria de que Need for Speed Heat é um jogo de corridas pós-apocalíptico.
Adicionemos mais uma variável de peso às corridas nocturnas: a polícia. Mas não pensem na polícia como carros que nos perseguem de forma distanciada, mas sim imaginem como os esquadrões de patrulha nos querem destruir se tivermos o máximo de estrelas num Grand Theft Auto. Se forem acumulando heat ao longo das vossas corridas nocturnas vão chamar a atenção da polícia, que fará tudo ao seu alcance para vos prender, somando mais uma camada de dificuldade às corridas e eventos que se passam de noite que já têm uma dificuldade considerável. Imaginem o que é estarem a disputar os primeiros lugares de uma corrida desafiante e de repente o jogo inserir a polícia como mais um elemento na corrida. O contributo para o caos over-the-top que é este Need for Speed Heat torna-o um dos seus melhores ingredientes.
O problema do envolvimento da polícia é o facto de nos conseguirem prender, o que nos leva a perder tudo o que acumulámos, sejam pontos de Reputação que nos permitem fazer level up e aceder a novos carros, ou o dinheiro que acumulámos na corrida. Há aqui um risco real de perda ao sermos parados pela polícia que nos obriga a estar sempre na melhor das nossas formas em condução para não só termos uma boa classificação em cada evento, como para conseguirmos sobreviver às investidas policiais.
É esta adrenalina constante nos jogos nocturnos que faz de Need for Speed Heat um jogo bem melhor que os seus últimos antecessores, ainda que tenhamos muitas vezes de ignorar o quão vazio o mundo é na realidade e o quão sofrível a história e os seus personagens são, num patamar que por vezes sentimos que por comparação os filmes de Fast & Furious são obras de Wim Wenders.
Para os fãs de corrida arcade, Need for Speed Heat faz regressar a série a bons momentos de diversão e euforia, com dois jogos distintos dentro do mesmo título, mas onde um deles, a versão nocturna, consegue ser a verdadeira razão para nos sentarmos mais uma vez ao volante desta histórica série da EA.