O universo de Star Wars está ao rubro neste final de ano, catalisado pelo derradeiro episódio da terceira trilogia de filmes, Rise of Skywalker, a primeira série televisiva The Mandalorian e claro, Star Wars Jedi: Fallen Order, o primeiro videojogo exclusivamente baseado numa campanha narrativa desde que a EA adquiriu a licença exclusiva. E todo este material é canónico e promete alargar horizontes e complementar o universo para além da saga da família Skywalker.

Fallen Order foi produzido pela Respawn Entertainment, o estúdio tem ganho bastante espaço no seio da Electronic Arts, lançando títulos de grande qualidade, ainda que nem sempre tenha recebido o apoio merecido da sua editora. Titanfall 2, por exemplo, foi lançado numa sanduíche entre um título da série Battlefield e Call of Duty, tendo passado ao lado de muitos jogadores. É importante porque revela a excelente capacidade do estúdio contar histórias, cujos membros foram anteriormente os mesmos que criaram Call of Duty. Foi preciso tirar da cartola o excelente Apex Legends, o único Battle Royale que ousou fazer frente a Fortnite, para que a equipa ganhasse a merecida tranquilidade para finalizar o seu jogo baseado em Star Wars.

Sim, porque nestes últimos anos, em meia dúzia de jogos Star Wars previstos pela Electronic Arts, praticamente todos foram cancelados, nomeadamente o Project Ragtag, em produção da Visceral Games, liderado por Amy Hennig, a escritora de Uncharted, como responsável pela sua história. Seguindo-se o Project Orca, que pegava no cancelado Ragtag e adicionava à linearidade da narrativa um mundo aberto à exploração.

Star Wars JEDI: Fallen Order – não foi só a Ordem que caiu

Curiosamente Star Wars Jedi: Fallen Order é um jogo narrativo, sem qualquer elemento online, conteúdos em loot boxes ou qualquer indício de games as a service, que sendo um jogo da Electronic Arts merece ser mencionado como um feature. Mas é importante salientar, que tal como Need For Speed Heat, a EA parece dar sinais de mudança de estratégia na monetização dos seus jogos. A indústria e os fãs agradecem.

A narrativa de Star Wars Jedi decorre cerca de cinco anos após os eventos do Episódio 3, a Vingança dos Sith, e das Clone Wars. O jogador assume o papel de um jovem padawan de Jedi chamado Cal Kestis, que trabalha num ferro-velho no planeta Bracca, local onde estão a ser desmontadas as naves utilizadas nas Clone Wars. O jovem está refugiado e anónimo, pois é procurado pelas forças imperiais depois da chacina no templo Jedi, como vimos no fim do terceiro capítulo da saga cinematográfica.

Durante o expediente de trabalho, o jovem teve de utilizar os seus poderes da Força Jedi para salvar um amigo devido a um incidente nos trabalhos, ação que foi capturada por um droid de vigilância, que transmitiu para o império galáctico. Rapidamente foram enviados dois inquisidores, treinados diretamente por Darth Vader, atrás do jovem. Como seria de esperar, este escapa-se, salvo pela nave Mantis, tripulada pela ex-jedi Cere Junda e o pequeno rabugento Greez Dritus, dando assim início a uma nova odisseia de Star Wars. O jovem vem a descobrir que Cere Junda conheceu o seu anterior Jedi Master, Jaro Tapal.

Se acompanharam a produção de Star Wars Jedi, que foi produzido por uma segunda equipa da Respawn liderada por Stig Asmussen, o diretor de God of War 3, sabem que o jogo pretendia misturar elementos de aventura e exploração inspirados em Uncharted, suportado por um sistema de combate baseado em Dark Souls. Independentemente disso, o jogo respira a Star Wars, seja a nível de ambiente geral, como os diversos elementos que os fãs irão prontamente reconhecer.

Na verdade, o jogo bebe fortes inspirações nestes títulos para as suas mecânicas, mas não se assustem que os combates têm similaridades muito breves aos jogos de dificuldade frustrante da FromSoftware. Os inimigos não são fáceis de derrotar, mas estão longe de criar qualquer frustração para os ultrapassar. Tudo depende, claro, da dificuldade que escolherem. No geral os combates são agradáveis, sobretudo quando ripostamos com o sabre laser os disparos dos Stormtroopers. Mas há variedade de inimigos, sejam eles humanóides ou criaturas estranhas, diferentes em cada planeta visitado.

Os mini-bosses e bosses são bem mais intensos, requerem táticas de abordagem, assim como conhecimento dos seus golpes, até porque muitos são Sith e utilizam a Força juntamente com as suas espadas de laser. Apesar da intensidade dos combates, está longe de ter a complexidade de um Dark Souls, até porque não existe barra de resistência para gerir. Apenas gerem a Força e esta funciona no fundo como habilidade especial, que é recarregada sempre que desferem golpes nos inimigos. Há um ataque simples e rápido, e um secundário, que gasta Força. Defender com o timing permite paralisar o inimigo, e contra-atacar com tudo. Por fim, rebolar para escapar aos golpes dos adversários. No geral os combates são muito fluídos e satisfatórios, acima de tudo divertidos.

O que podemos comparar aos jogos da FromSoftware é o progresso da aventura, assente na mecânica de encontrar sítios para meditação, o equivalente às fogueiras daquele, onde a personagem pode descansar e recuperar a energia, o que faz os inimigos reaparecerem; podem bancar a experiência acumulada, gastando os pontos de nível nas diferentes habilidades da Força, aumentar a energia e combos de golpes. Quando são mortos por um inimigo, toda a experiência acumulada fica presa no mesmo, e é necessário encontrá-lo no local, e dar-lhe um golpe para recuperar.

Sendo um Jedi, Cal Kestis vai aprender diversos truques da Força, ou melhor, relembrar o seu antigo treino, entre o puxar ou empurrar telecineticamente os inimigos e objetos, um clássico, o arremesso do sabre, correr pelas paredes e até um precioso duplo salto.

E é devido à falta de todos os poderes inicialmente disponíveis que o jogo obedece a uma estrutura semelhante aos metroidvania, certos locais dos planetas necessitam ser revisitados posteriormente. Visto que a partir da nave podem viajar entre cinco mundos, incluindo Kashyyyk dos Wookies e Dathomir das Night Sisters. A narrativa obriga a saltar entre planetas, pois novos caminhos são revelados através das novas habilidades, como por exemplo, uma ponte anteriormente suspensa, pode ser depois manipulada pela força para abrir caminho. No entanto, muitas vezes sentimos que é fácil nos perdermos, porque o objetivo é assinalado a flutuar algures no mapa, cabendo ao jogador encontrar o caminho, levando por vezes a backtrackings e dar voltas desnecessárias quando se perde. É que os mapas são grandes e não existe qualquer sistema de fast travel.

E isto leva também ao colecionismo, visto que o jogo oferece diferentes acessórios para personalizar o light saber, e até as vestimentas da personagem para encontrar, entre documentos e memórias que completam a narrativa. Cada área de cada planeta pode ser consultado num mapa tridimensional, referindo a percentagem de exploração e itens que faltam recolher, o que para os completionists é excelente.

Parte da história são as tombas para explorar, que fazem lembrar Tomb Raider e Uncharted, repleto de puzzles de manipulação de objetos ou encontrar caminhos através de saltos entre plataformas, entre lianas e a escalar locais. E até terão oportunidade de mergulhar e explorar cenários subaquáticos. Há breves inspirações entre outros jogos sim, mas fazem todo o sentido nesta aventura.

Mas se há uma grande inspiração que marca este jogo, é sem dúvida de Titanfall 2 ou mesmo todos os filmes da saga Star Wars. Conseguem adivinhar qual? Isso mesmo, a relação do protagonista com um robot. Seja Anakin ou Luke, ou qualquer outra grande personagem da saga tinham um R2D2, um BB8 ou outro robot atrás, e ambos conversavam e apenas o protagonista compreendia a máquina. O jogo traz essa experiência, e considerando que também em Titanfall 2 a relação do protagonista com a máquina foi dos melhores elementos, esperem BD-1 com uma das personagens mais fofinhas do jogo.

Além de companheiro inseparável que pode dar dicas se tiverem perdidos, este analisar os elementos colecionáveis, dispara cápsulas de energia quando estão em apuros, faz hacking a terminais e portas, e até nos ajuda a navegar em tirolesas e nos combates. Diria que o pequeno robot dá alma à aventura!

O jogo apresenta momentos intensos, outros nostálgicos, mas senti que a produtora poderia ter sido mais ambicioso em criar sequências verdadeiramente épicas, daquelas que os fãs possam falar durante muito tempo. Por exemplo, numa cena em que trepamos um AT-AT parecia ter sido tirada de um Shadow of Colossus, mas o desfecho fica aquém daquilo que cena estava a construir.

Do lado menos positivo temos algumas quebras de performance na PlayStation 4 em alguns momentos, e mesmo jogado no PC, alguns jogadores referem a falta de otimização do jogo. Isto pode ser corrigido com o tempo.

De um modo geral, Star Wars Jedi é tudo aquilo que os fãs poderiam esperar de um capítulo narrativa baseado no universo. É a prova de que existem bons estúdios preparados para investir em histórias alternativas, e suficientemente canónicas para agradar os fãs. Os combates são intensos, os poderes de Jedi muito satisfatórios e a narrativa apresenta diversas personagens, locais e outros easter eggs que os fãs vão reconhecer. É este o caminho da redenção da Electronic Arts. É este…