Inserido num ciclo de entrevistas aos finalistas do Indie X 2019, aqui temos uma conversa com Felipe Sussuarana dos Planetfall Studios, autores de Defentron.

Como começaste a criar jogos, porque decidiste seguir este caminho?

Meu primeiro contato com videojogos foi muito cedo, em torno dos 6-7 anos: um primo tinha um Atari 2600, sendo Pitfall e River Raid os principais jogos que me divertiam (anedota: um jogo no qual eu não entendia direito o que fazer era Frostbite. Eu gostava da musiquinha que tocava ao morrer mais do que o jogo em si, o que enervava muito o meu primo!). Aos 10 anos, meu pai adquiriu um PC e entrei nesse mundo de forma diária.

O primeiro jogo nesta plataforma foi Lode Runner (já vinha instalado), mas outros como The Incredible Machine também ocupavam muito do meu tempo… até um tio instalar Doom 2 naquele singelo computador – foi nessa época que o meu interesse em entrar nesse mercado como desenvolvedor criou a primeira faísca na minha cabeça. Infelizmente, não tive a possibilidade de ir adiante com o sonho naquele momento e posterguei-o para o futuro.

Só comecei a criar jogos recentemente, no ano de 2015. Juntei-me a 2 outros amigos (um artista/designer e um programador) e criamos um estúdio de jogos (B-Gun Games) na cidade onde residíamos (Florianópolis); contudo, questões pessoais acabaram por impedir o progresso do projeto e o esforço desvaneceu-se antes que terminássemos o nosso primeiro jogo.

No final de 2016, um amigo meu regressou de uma viagem a Lisboa e relatou-me um Portugal que eu não conhecia e nem tinha em mente como destino (nesta época, planeava morar no Canadá). Com o auxílio de um outro amigo que já morava por aqui, o Andreas (também desenvolvedor do Defentron), decidi por vir para cá e abrir um estúdio de videojogos – carregando comigo a experiência anterior e, finalmente, com um caminho mais sólido para seguir o sonho de ser game developer.

Que dificuldades esperas encontrar no universo de game development? Especialmente em Portugal.

A principal dificuldade é a financeira – isto é, obter dinheiro para fazer jogos e também para se manter. Empréstimos bancários são burocráticos e caros, enquanto investidores externos raramente colocarão seu dinheiro em projetos de equipas desconhecidas e/ou que não tenham material desenvolvido para mostrar. A maioria dos estúdios é mantida com dinheiro dos próprios membros (ou seja, bem longe dos grandes estúdios).

Outra dificuldade é de se distinguir da multitude de outras empresas no ramo, pois é de fácil entrada (é possível publicar um jogo na Play Store da Google por meros US$ 25 dólares). Produtos que sejam mais do mesmo invulgarmente terão sucesso; é necessário pensar “fora da caixa” e aplicar diferenciais aos jogos para que chamem a atenção do público. Aliado a isso, o fato de pouco dinheiro existir para empresas novas e pequenas é o pouco investimento em publicidade – algo vital num mercado tão vasto, mas muitas vezes relegado a segundo ou mesmo terceiro plano, visto que não é parte do desenvolvimento do jogo em si.

Como terceiro ponto, fazer jogos que atendam a um público grande o suficiente para que seja possível ao menor pagar o custo de desenvolvimento deles. Entender as tendências correntes e futuras para não fazer games cujos géneros/estilos já tenham saturado o mercado nos anos anteriores.

Em relação a Portugal, a indústria local é muito jovem e quase completamente ignorada pelo governo em termos de incentivos – significando que, para empresas surgindo agora, é difícil dar os primeiros passos, criar o primeiro jogo e encontrar investidores sem “morrer na praia”. Mas a comunidade tem se mostrado unida e as oportunidades que nós encontramos foram graças a essa união, participando de eventos e conversando com developers com mais experiência.

Como foi criada a Planetfall Studios? Quem são os membros da Planetfall e qual é a sua história?

Três membros (Andreas, Bruno e Fernando) fizeram faculdade juntos e, depois de trabalharem em vários projetos, resolveram abrir uma empresa junto para continuar laborando sem as limitações de tempo e escopo que a faculdade costuma impor. Trouxeram do Brasil mais um membro para ajudar com a parte administrativa que surge com a formação de uma empresa (ou seja, eu!).

Andreas é o lead game designer, que cuida de pontos como mecânicas básicas e level design. Ele é brasileiro e se interessa por jogos desde os tempos de Diablo 2. Bruno é o lead artist, que cuida dos modelos 3D. Português de Vila Franca de Xira. Fernando é o lead programmer, que cuida de pontos como códigos e bugs. É português de Oeiras. Eu, Felipe, sou o lead administrator, que cuida das partes não-core business da empresa (financeiro, marketing, etc).

Um fator crucial da nossa empresa é que sempre damos ouvidos às opiniões dos outros membros e validamos ideias em conjunto, trabalhando como um sistema organizado ao invés de cada um fazer sua parte e depois juntá-las no final (vem à mente os fatídicos trabalhos em grupo da escola… uma bagunça que pretendemos evitar!).

Podes explicar um pouco o que é Defentron?

Defentron é um jogo de Tower Defense “roots”; tentamos usar ao máximo aquelas mecânicas familiares do género e dar o nosso próprio toque sem nos afastarmos daquilo que achamos ser os principais atrativos do estilo.
Um Tower Defense é um género de videojogo em que várias torres são postas pelo jogador em locais determinados a cercar uma via, no qual os inimigos transitam e precisam ser derrotados pelas torres antes que cheguem ao final da via e reduzam a vida do jogador a 0 (quando então é derrotado). Diversos inimigos e vias diferentes requerem estratégias distintas por parte do jogador para derrota-los, contando com uma variedade de torres e mecânicas para tal. Cada torre pode ser aprimorada de três formas (não-excludentes): velocidade de ataque, poder de ataque e distância de ataque.
Um diferencial do Defentron é a mecânica de Overload – um sistema de venda de torre que serve como ferramenta ao jogador para afetar inimigos próximos à torre a passar pelo processo ao invés de simplesmente retirar a torre do local e retornar créditos. Cada torre possui um efeito diferente de Overload, e cabe ao jogador descobri-los e usá-los a seu favor nos momentos fortuitos!

Qual é a sua base e inspiração?

Vários jogos clássicos de Tower Defense, sendo a maioria jogos antigos em flash de sites como Armor Games: Laser Defense, Bubbletank Tower Defense e outros títulos dessa era. Quanto ao visual, voltamo-nos para uma estética retro – aquela visão de realidade virtual que se tinha nos anos 1980 com cores néons e alto contraste com preto (como visto em Tron) e o mundo cibernético da informática dessa época, que carregava uma mística de que tudo era possível dentro do computador.

Que planos existem para Defentron? É um processo de aprendizagem ou é algo que vai ser lançado no mercado?

Inicialmente, começamos o Defentron como um projeto de aprendizagem: queríamos passar pela experiência de criar um jogo passando por todas as etapas e levá-lo à publicação. Nossa única ambição era, naquele ponto, concluir esse projeto. Mas, depois da nossa primeira participação na IndieX 2018, ao notar a resposta do publico e o interesse gerado (chegando ao ponto de receber uma proposta de um publisher!), resolvemos colocar mais esforço no projeto, melhorá-lo o máximo possível e fechamos um acordo com o publisher para lançar o Defentron no mercado. Temos planos para um lançamento no verão de 2020, embora uma data exata ainda não esteja definida.

E a Planetfall Studios? Quais os planos para o futuro depois de Defentron? Se puderem revelar alguns.

Continuar trabalhando! Recebemos um feedback muito positivo do Defentron nos eventos que participamos e isso nos deixou muito contentes; saber que fizemos um produto que agradou ao público. Por isso, queremos fazer novos jogos – no momento, estamos a olhar para o mobile como possível plataforma e esperamos conseguir repetir esse fenómeno e criar jogos que tenham também essa boa receção por parte do publico.

O objetivo a longo prazo é fazer jogos AAA nos quais a experiência do jogador é o foco principal, assim como manter uma relação harmoniosa e próxima com ele. De forma ilustrativa, temos a CD Projekt Red como um estúdio-modelo para o nosso futuro.