Se há estúdio que eu admiro, é a Level-5. A empresa fundada por Akihira Hino conquistou-nos desde 2000 com jogos que misturavam bons linhas narrativas com excelentes e coesas direcções de arte. Olhar para o seu portefólio é ver uma série de bem-aventuradas experiências em séries e abordagens diferentes, quase todas a conseguirem incluir elementos de RPG e de JRPG dentro de si.
Depois de ter jogado grande parte do seu catálogo, em especial o produzido na década que agora terminou, fico com a impressão que quando a Level-5 é boa, é excelente, mas que por vezes consegue ficar aquém do seu próprio potencial perdendo-se em elementos que desequilibram o nosso usufruto desses próprios títulos.
Snack World The Dungeon Crawl – Gold, um port da 3DS para a Switch, é um desses casos. Depois de ter passado cerca de 25 horas neste momento cómico de fantasia medieval, percebi que aquilo que poderia ser um excelente dungeon crawler sofre do mesmo problema de outros jogos da Level-5: uma falta de compreensão clara entre investimento de tempo e frustração.
Na sua essência este é um dungeon crawler clássico: cada missão obriga-nos a percorrer um espaço pré-delimitado (e usualmente proceduralmente gerado) e ora encontrar a saída, ou derrotar determinados inimigos. O mapa vai-se “desenhando” à medida que desvendamos novas salas e corredores (não de forma literal, como em Etrian Odyssey), e mesmo para quem, como eu, gosta de explorar todos os cantos de uma dungeon, a Level-5 implementou um elemento que nos faz pensar duas vezes a permanência excessiva numa dungeon: a entrada de uma criatura quase inderrotável chamada Pop-Sicle que nos persegue se ficarmos demasiado tempo a explorar.
Desde a música de introdução que percebemos também que Snack World revolve a sua temática toda em torno da comida (não fosse o título enganar-nos) e que a Level-5 pisa muitas vezes o risco num jogo que muitos entendem como sendo “para crianças”. Ainda que com uma ligeira censura aqui e ali (como são o exemplo dos 3 génios que na versão japonesa têm roupa BDSM), Snack World tem muitas linhas de diálogo risqué que só os adultos vão compreender. Espero eu.
O conceito base mecânico de Snack World é que as armas – intituladas Jaras – são portáteis, e podemos levar até 6 para cada incursão em dungeon, alternando entre elas a nosso bel-prazer, ainda que cada uma tenha pontos de resistência (Jara Points) atribuídos. Ou seja, se combatermos muito tempo com uma arma (e fizermos os seus ataques especiais) vamos exauri-la, e teremos de trocar de arma à espera que aquela recupere os seus JPs.
Os titulares snacks não são mais do que as criaturas que podemos trazer connosco na party, ou como summons temporários. Há centenas de snacks disponíveis – visto que eles são literalmente os monstros não-bosses que combatemos – alguns desbloqueados por história, outros desbloqueados de forma aleatória a meio das dungeons. Quanto mais combatemos um determinado inimigo, maior é a nossa familiaridade com ele, aumentando a possibilidade de despoletar um momento fotográfico em que os capturamos.
Snack World é muito literal no seu título, já que inclui o género dungeon crawler como parte do nome. Só seria ainda mais literal se a palavra grind aparecesse, já que é o que mais fazemos em todo o jogo.
Se queremos evoluir uma das nossas Jaras (sejam elas armas, acessórios ou escudos) temos de repetir as missões que têm uma possibilidade de as ter como drop, seja como loot aleatório a meio da missão, seja nos baús de recompensa por a completarmos. O que significa que pelo meio das centenas de Jaras disponíveis, e com o pico de dificuldade que existe de capítulo em capítulo, o grind de níveis e de Jaras para upgrade tornam uma fatia considerável da nossa experiência em Snack World um tremendo grind.
E nem falo de quem queira fazer completionist ao jogo, coleccionando não só todos os snacks, todas as Jaras e confeccionando todas as roupas: só o acto de progredir no nível é por si mesmo uma queda livre no grind.
Como forma de multiplicar as probabilidades de aparecerem baús nas dungeons, existe um bónus diários de roupa. Este bónus determinada as tendências de mercado diários, e envolvem vestir roupa de uma marca, tipo e cor específicas para cumprir com os requisitos. Uma ideia interessante que parece apenas mascarar a extrema simplicidade do jogo com uma série de soluções mal-amanhadas que complicam desnecessariamente o jogo.
Há pouco dizia que podemos levar 6 Jaras connosco para combate, e porquê? Porque os monstros todos têm “tipos” e cada Jara tem atribuído um ou dois “tipos”aos quais dá dano bónus. Se não quisermos andar a pesquisar Jara a Jara podemos pedir ao jogo para o fazer automaticamente antes de começarmos uma dungeon, e dentro delas podemos carregar em ZR para mudar para a Jara que melhor se adequa ao monstro em questão. Estas mecânicas têm algum interesse, nas primeiras horas, mas depois de dezenas de missões repetidas, com grupos de monstros cada vez maiores a aparecerem e a obrigarem-nos a andar a spammar o botão ZR para optimizar os nossos ataques, percebi que aquilo que parecia originalmente uma boa ideia vinha apenas contribuir para a monotonia que reina em todo este jogo.
Snack World sofre do mesmo síndrome de Yo-Kai Watch: dois jogos brilhantemente concebidos, com histórias e personagens engraçados, com mecânicas curiosas e em alguns aspectos originais, que são ensombrados pela necessidade da Level-5 de justificar a sua própria simplicidade com elementos de grind, aleatoriedade e repetição, que estendem artificialmente a sua duração.
Não me choca ter de repetir dungeons para obter melhor loot, mas quando estamos a falar de um jogo que tem centenas de armas possíveis, que necessitam de múltiplas armas iguais para serem upgraded, e que têm uma chance pequena de sair de cada vez que vamos à dungeon correspondente, então estamos a falar de um jogo que nos aborrece mais cedo do que devia. E isto não falando do sistema de “captura” de snacks que segue a mesma infame lógica de aleatoriedade de Yo-Kai Watch.
O coleccionismo de Snack World vive na mesma lógica comercial de Yo-Kai Watch, com uma série de brinquedos que desbloqueiam novos itens e criaturas dentro de jogo. Mas será essa lógica mercantilística justa para com os jogadores? Não terá, de uma vez por todas, a Level-5 tanto a aprender com aquele que é o maior franchise de cultura popular da actualidade, o Pokémon. Uma marca que vende merchandise como nenhuma outra, mas que consegue manter o seu game design justo. E eu que o diga que estou a meio da 5a playthrough de Pokémon Sword and Shield, e que pela justiça das mecânicas (capturar um Pokémon pode ter elementos de sorte, mas conhecemos sempre as regras do jogo) não me sinto aborrecido como 20 e poucas horas de Snack World me deixaram.
Não posso deixar de ter pena de Snack World, e de perceber que o jogo seria infinitamente melhor se abraçasse a sua própria simplicidade. A ideia das Jaras é engraçadas num aspecto coleccionista, mas após centenas de dungeons a necessidade de estar a trocar de arma a cada inimigo é uma tremenda chatice. Nesse mesmo período senti que os snacks activos, os que nos acompanham na party, são muito mais úteis do que os summoned, já que raramente me lembro de os usar no meio da azáfama de coisas que temos de atingir, trocar de arma, explorar e desviar de ataques.
Snack World tem uma história cliché, repleta de humor, mas muitas vezes surrealmente deliciosa. Fica manchado como um jogo que a Level-5 quis estender para além da nossa paciência e que tornou mais pequeno do poderia ter sido.