Esta semana um colega meu enviou-me um link porque achou que me podia interessar.
Ele tinha razão.
De tal maneira que achei que devia escrever já este artigo depois de um bocado de investigação.
Vamos focar este artigo em Lual Mayen, CEO da Junub Games e criador de Salaam, que deverá ser lançado no Verão de 2020 mas vamos falar de outras coisas, da sua história tão comum a outros milhões e ao mesmo tempo tão diferente.
Lual nasceu no Sudão, a sua mãe levou-o nos braços ainda era ele recém-nascido para um campo de refugiados no Norte do Uganda. O trajecto a pé era de centenas de quilómetros. As suas duas irmãs mais velhas não sobreviveram à viagem. Ele cresceu naquele campo de refugiados, onde a comida e água muitas vezes faltavam, não tinha escola e brincadeiras eram… bem… Não faço ideia como uma criança é capaz de ser criança naquelas condições. Foi no escritório do campo de refugiados que Lual viu pela primeira vez um computador e ficou fascinado pelo aparelho, sonhou num dia vir a trabalhar com aquilo. De acordo com uma entrevista que deu para o Washington Post, Lual andava horas todos os dias para poder carregar o portátil que a sua mãe comprou trabalhando como costureira no campo. A mãe que mal podia alimentar os filhos achou que devia investir nele, mesmo naquele ambiente sem esperança acreditava que ele ia conseguir fazer algo daquilo.
Lual fazia esse caminho de horas para carregar o seu portátil, foi um autodidata de inglês e programação com vídeos que conseguia quando ia carregar o seu computador. No campo, tinha que esconder o aparelho para não ser roubado ou confiscado mas conseguiu e fez o seu primeiro Salaam (que quer dizer paz em arábico). Salaam era um jogo mobile em que jogadores tinham que impedir que bombas atingissem uma aldeia rebentando-as no ar. Algo que para nós, no conforto de Portugal em 2020 não fazemos ideia do que será, mas algo que era comum no dia a dia para Lual e todos os os que viviam ali.
Passaram uns anos, Lual foi convidado para trabalhar como consultor pelo World Bank e mudou-se para os Estados Unidos onde fundou a Junub Games e trabalha na nova versão de Salaam, algo que esteve abrandado por ele ter estado a trabalhar no pedido de vistos da sua família que demorou mais de 12 anos a ser concedido, alguns dos membros ele não via à mais de 2 anos. Tendo acabado esse processo, a produção do jogo continuou.
Salaam, o novo jogo é sobre paz, o objectivo principal é conseguir assentar a personagem principal, inspirada na mãe de Lual, e a sua família num local onde possam viver em paz. Sendo um refugiado é preciso fugir de bombardeamentos, violência, encontrar água e alimentos até chegar à dita paz. E ao mesmo tempo que é um jogo é também meditativo, é algo que nos poderá permitir chegar a alguma paz interior ou pelo menos dar aos jogadores e a muita gente no mundo uma visão mais realista e menos populista dos refugiados. Ninguém é refugiado porque quer, ninguém foge do seu país colocando-se a si e aos seus em risco por capricho. Lual Mayen quer acima de tudo mostrar isso ao mundo, que as suas razões para fugirem são válidas, e enquanto ao mesmo tempo pode dar uma visão mais realista a quem não é refugiado também servirá para dar esperança aos que como ele vivem naqueles campos em condições deploráveis.
Entre outros apoios, a Junub Games conta com o auxílio de Luol Deng jogador da NBA, também do Sudão que vê nele um grande potencial para ajudar a paz no seu país. E antes que alguém critique parte dos fundos recolhidos pelo e para o jogo vão para várias ONG de apoio a refugiados.
Numa nota pessoal gostaria de pedir a quem ler este artigo que pondere apoiar este jogo e causas de refugiados. Nós, felizmente vivemos num conforto relativo mas que de um dia para o outro não sabemos se não iremos enfrentar o que estas pessoas enfrentam todos os dias. Há menos de 100 anos, milhões de europeus fugiam para outros países devido às perseguições dos estados fascistas de meados do século XX. Hoje há mais de 25 milhões de refugiados, dois terços vêm da Síria, Afeganistão, Sudão, Myanmar e Somália, e metade do total são crianças com menos de 18 anos. Não só como pai, mas como ser humano, custa-me pensar que se estivesse na mesma situação poderia ser obrigado a fazer o mesmo.
O mundo é um lugar cada vez mais negro, mas Lual Mayen da Junub Games que foi eleito Global Gaming Citizen em 2018 mostra-nos que nas palavras de Kal-El “Mesmo nos tempos mais negros, a esperança aparece. Esperança é a luz que nos tira da escuridão.”