Por estes dias a realidade do COVID-19 empurra cada jogador para dentro das suas quatro paredes. E porque as empresas de videojogos são solidárias com as pessoas face à adaptação a esta realidade também trabalham para conquistar mercado com jogadas de marketing, temos visto algumas iniciativas de promoções arrojadas ou jogos tradicionalmente pagos estarem totalmente gratuitos.

É do último exemplo que me apetece escrever. E logo do Football Manager 2020, jóia da coroa da Sports Interactive que acerta em cheio naqueles que subitamente têm horas a fio que não sabem como ocupar.

Claro que é um gratuito temporário – inicialmente anunciado de 17 a 25 de Março, FM 2020 estendeu o seu estado de graça até 1 de Abril, para quem instale o jogo a partir do Steam. Depois disso só pagando o preço de retalho, que mais ano menos ano, costuma andar entre os 40 e os 50 euros.

Gráficos no mínimo? Confere. Sentido estético no mínimo? Confere

Não sendo eu um daqueles – felizes ou infelizes, é difícil ajuizar no meio da crise – que se viu com mais horas em mãos do que aquelas que sabe ocupar, este período serviu-me para cumprir uma época com o Sporting, clube do coração.

Coração esse que logo levou com um tabefe de realismo.

Eu explico. O primeiro FM que alguma vez joguei foi FM 2015, em que os leões tinham um orçamento inicial para transferências de cerca de dois milhões de euros, numa altura em que jogadores eram banalmente vendidos na ordem dos 15 milhões e o clube se aproximava da pior época desportiva da sua história.

Avançando para FM 2020, numa altura em que jogadores são banalmente vendidos na ordem dos 45 milhões de euros, o orçamento incial para transferências cifra-se em cerca de…

… dois milhões de euros.

E depois outro tabefe.

Os melhores jogadores do plantel são Coates e Mathieu.

E ainda o seguinte tabefe:

:(

Costumo dizer que os melhores jogadores de FM são adeptos do Sporting. Isto porque nenhuma raça de agarrados ao afamado simulador de gestão futebolística estará mais motivada para alcançar a glória virtual face à falta de glória real. E em FM 2020 encontrarão a mais dura mas fidedigna recriação das realidades: perder não só com o FC Porto, mas também com Boavista e Santa Clara.

Nesta recriação da realidade, FM 2020 não deixa de capturar uma vez mais a essência, o subúrbio, a estratosfera e até o espaço sideral do que é gerir um clube de futebol. A base de dados profunda que toca tanto a Premier League inglesa como a liga nigeriana e a granulidade da personalização de todos os aspectos do jogo, gestão de plantel, observação de potenciais contratações são o pilar que continua a manter milhões de jogadores viciados.

Devo dizer, porém, que todo este nível de detalhe ao serviço do realismo entupiu um pouco a interface. Se continuamos a poder ignorar redes sociais e conferências de imprensa que pese a fidelidade pouco contribuem para o nosso sucesso, a adição de algo como o Centro de Observação (para melhor acompanharmos o desenvolvimento dos nossos jogadores) criou confusão visual onde antes tínhamos apenas listas com filtros personalizáveis.

Quantas maneiras há de empiteirar um grandioso Excel?

Também temos uma visão mais objetiva dos vários aspetos que a Direcção do clube espera de nós – e mal de mim que não vá agradar a Frederico Varandas, cuja exigência de lutar pelo campeonato não é negociável – e vamos sendo informados de quão bem estamos a cumprir com as expectativas, de 0 a 20.

“2019/20: Lutar pelo título – Exigido”

Perdoem se me repito, mas após tantos anos de FM só me resta curvar-me perante o implacável realismo do jogo, que tanta imersão proporciona a milhões. É uma experiência apenas em fase de refinamento mas que pela própria natureza da ideia não se torna aborrecida. Pelo meio notam-se alguns desafios subtis (já não é possível prever as datas exatas de introdução de novos jogadores – isto é novos Ronaldos e Messis que toda a gente cobiça para o seu clube da distrital – o que torna rechearmo-nos de talento muito mais difícil) que fazem toda a diferença.

Só consigo lembrar-me de mais um passo para a franquia que já está tão próxima do seu objectivo: recriar simulações de épocas com clubes históricos de outrora. Quem não gostaria de levar o Benfica à sua primeira Taça dos Campeões Europeus em 1961 enquanto nutre um jovem Eusébio no seu plantel? Ou recriar um incrível FC Porto rumo à glória europeia em 1987? Ou chorar anos a fio no Sporting enquanto o único consolo é saber que eventualmente Figo ou Ronaldo hão-de aparecer no radar?

Não é a pirâmide de Maslow ou a dos Alimentos, antes a da Mediocridade

Confesso que dada a afinidade clubística nunca cometi a heresia de gerir Benfica ou FC Porto no FM. Mas com o duro realismo da versão 2020? Este ano estive quase a pegar no Benfica…