Na vida, como nos negócios, o timing é tudo. Eu era capaz de jurar que nos dias e hoje o que alguém menos quer contactar é com temas de pandemias no ecrã. Mas depois a realidade bateu-me na cara e percebi que o top do Netflix conferiu uma segunda vida a muitos destes filmes. Com o anúncio ontem do adiamento de The Last of Us 2, consigo ler nas entrelinhas da Naughty Dog que não só o clima económico, mas também o clima psicológico não é propício para uma obra tão importante, mas cuja temática não seja de todo aquilo que queremos nos dias de hoje.

Como dizia há uma semana, nesta fase acho que todos precisamos de escapismo. De viajar com a nossa mente, mais do que nunca, para fugir à reclusão dos nossos corpos. Mas cada um sabe o que o ajuda. Para muita gente colidir com cenários tão ou mais assustadores do que aquele que vivemos hoje pode ser uma forma de combaterem um inimigo invisível que na realidade não conseguem confrontar.

As alterações ao Resident Evil 3: Nemesis percebem-se logo com a introdução de novos vídeos live-action que, tendo em consideração, o que o mundo está a viver, acaba por ser assustadoramente próxima. Informações televisionadas de um vírus altamente contagioso que se espalha de forma inflamada, deixando os meios médicos e hospitalares sem forma de conter a pandemia. 

Deve estar a fazer 20 anos que joguei o jogo original pela primeira vez, nas tardes livres que tinha de um 12º ano sem grande carga horária. Não sabia (e pouca gente adivinharia) que aquilo que RE3 introduziu acabaria por inspirar tantos jogos nas décadas subsequentes. 

A ideia de um inimigo imortal que nos persegue ao longo de todo o jogo, que aparece nos momentos menos fortuitos e que nos faz elevar os momentos de tensão para um nível nunca visto, acabou por ser o selling point deste jogo. Da minha parte, admito que a inovação do segundo jogo para o terceiro, apesar de criativo, foi um grande turn off.

Entre a tensão claustrofóbica de Resident Evil e o horror urbano de Resident Evil 2, o tom de definição de um survival horror – com todos os trejeitos que tantos viriam a imitar – colocavam o ónus da tensão entre a resolução de puzzles, a gestão de recursos e a nossa vulnerabilidade perante os zombies

O terceiro jogo mudou a dinâmica quase por completo. O ónus da tensão passava por ver o Nemesis a surgir quando menos se esperava e a termos de fugir ou tentar abatê-lo – ainda que provisoriamente – e tentar continuar o jogo da forma mais rápida que conseguia.

É curioso como o tempo psicológico conta muito nestas situações. Até o Rui Parreira me dizer que a campanha original tinha apenas meia dúzia de horas, na minha cabeça o jogo era bastante longo, tão longo quanto os seus antecessores. Mas não. A realidade é que a nossa aventura a fugir do colosso imparável que é o Nemesis dura apenas esse punhado de horas. 

Visualmente a Racoon City deste Resident Evil 3 Remake é soberba. O nível de detalhe e realismo de cada elemento que compõe a cidade, dos muitos e quase infinitos pormenores que tornam a sua verosimilhança credível, fazem deste ambiente – circunscrito – uma maravilha artística.

O organicismo dos zombies confere-lhes animações também elas credíveis, e que contribuem para a aura geral de maior dinamismo de todo o jogo. 

Este realismo tecnológico permitiu-lhe uma aproximação ainda maior a uma experiência cinematográfica – intenção essa que acompanhou a série desde a sua génese – mas que finalmente encontrou no hardware contemporâneo a capacidade de se materializar.

Tendo uma campanha que se esgota relativamente rápido, para além de ter os modos de dificuldade adicionais desbloqueados, é-me difícil de perceber novas playthroughs para além disso. 

Incluído no pacote está Resident Evil: Resistance, um modo online multi-jogador assimétrico que bebe do sucesso de Left 4 Dead, e que é a tentativa da Capcom de conferir uma longevidade que o jogo, de base, não possui.

Resident Evil 3 Remake é uma boa reinvenção do jogo original, fecha o ciclo de da trilogia e eleva o patamar visual para um patamar surpreendente. Com ligeiríssimas alterações ao enredo, é possível perceber que a história da terceira iteração é inferior às restantes, colocando nos ombros gigantes de Nemesis a capacidade de nos fazer o coração a bater, desenfreado, no peito.