Ori and the Will of the Wisps é um hino à jogabilidade, à componente sonora e visual que se fundem como um grande filme de animação da Pixar. É um dos melhores jogos do ano. É obrigatório e está disponível gratuitamente no serviço Game Pass.
A Moon Studios é um case study no universo dos estúdios de produção de videojogos. Fundado em 2010 em Viena, na Áustria, a produtora foi fundado por Thomas Mahler, um ex-artista da Blizzard. O estúdio é completamente descentralizado e todos os seus 20 elementos trabalharam de casa no primeiro Ori and the Blind Forest, de vários pontos do mundo. Thomas saiu da Blizzard, co-fundou o estúdio com um talentoso programador israelita, seguindo-se um australiano. E o estúdio foi colecionando membros pelo planeta, à Blizzard, Riot, Disney e outros, formando uma super-equipa, pequena, mas talentosa. O resultado do trabalho fala por si.
Mesmo com o sucesso do primeiro jogo, Ori and the Blind Forest não mudou essa visão e esta sequela reuniu 80 pessoas a trabalhar remotamente de pijama de 43 países diferentes. Um caso a pensar pelas empresas que metem as mãos na cabeça por ficarem em casa devido à pandemia de coronavírus.
Para quem jogou o primeiro capítulo, estará bem familiarizado com a sequela. A estrutura metroidvania mantém-se, mas o novo jogo é maior e mais refinado, com algumas mudanças interessantes. Estamos perante um dos jogos de plataformas 2D mais refinados no mercado. Os controlos são precisos, mesmo quando é necessário lidar com plataformas milimétricas. As habilidades que a personagem aprende dão uma grande ajuda a ultrapassar os obstáculos e inclui o salto duplo e triplo, o dash, a capacidade de se projetar pelos inimigos, furar a terra ou nadar rápido, trepar por paredes e outras mais. Umas necessitam ser equipadas, outras mantêm-se permanentemente, levando os jogadores a optar pela forma como desejam ultrapassar certos obstáculos.
Com uma jogabilidade tão refinada, o estúdio criou alguns cenários repletos de armadilhas, sejam picos, projéteis e com inimigos perigosos, que numa primeira abordagem parece impossível, mas graças às habilidades que aprende começam a fazer sentido. E é esse o segredo do género metroidvania, baralhar o caminho dos jogadores, não os prendendo fisicamente, mas obrigando a pensar que num dado momento não pode avançar, mas pode explorar outros locais e voltar mais tarde. E o mapa vai sendo desenhado com a exploração, com as diversas áreas bem divididas. Mesmo o objetivo principal, encontrar as fadas, wisps, podem optar qual das quatro desejam explorar primeiro. Os puzzles são inteligentes, mesmo que seja encontrar uma simples alavanca para abrir uma porta. Mas há engenhos que são precisos manipular, tais como rodas da água, que necessitam ser ativadas, desbloqueando as suas engrenagens, por exemplo.
E o jogo incentiva à rapidez, é tão rápido que estão espalhados pelo mapa diferentes desafios de speed run, percorrendo um cenário de ponto a ponto, ficando o resultado listado numa tabela de rankings online. E acreditem, é estupidamente divertido converter as diversas horas investidas no jogo em fluidez e agilidade, ultrapassando rapidamente os obstáculos que inicialmente eram apavorantes.
Uma das novidades que mais se destaca é o sistema de gravação. No primeiro jogo havia um sistema manual, chamado souls links, em que gravar era uma habilidade que gastava energia. A sequela opta por um eficaz sistema automático de gravação, em praticamente qualquer lugar em que a personagem esteja em segurança. Na prática, sempre que morrerem num local não vão perder muito tempo a regressar ao sítio, recomeçam praticamente no local, a não ser que esteja repleto de inimigos ou armadilhas do cenário.
O mapa é enorme e pode ser explorado, de ponta a ponta, cada nova área descoberta, desde que tenham a respetiva habilidade e mecânica para ultrapassar os respetivos obstáculos. Mas também existem fontes que uma vez ativas permitem fazer fast travel de qualquer lugar, o que acelera a progressão.
Apesar da aventura ter objetivos principais da narrativa, diversas personagens apresentam quests secundárias, que passa por encontrar determinados objetos durante a exploração. Estes recompensam com esferas monetárias, que servem para comprar habilidades secundárias ou melhorar alguns buffs, tais como causar ou reduzir o dano feito pelo inimigo, por exemplo.
De salientar a excelente interface. Podem equipar as habilidades e ataques livremente em três slots ativas, mas premindo um gatilho têm uma radial que permite alternar em tempo real o seu posicionamento, quando necessitam mudar táticas rapidamente.
A história tem lugar algum tempo depois do desfecho do primeiro capítulo. Ori é o pequeno espírito guardião da floresta de Nibel, mais uma vez assombrada pelo breu da contaminação das trevas. A aventura começa com a apresentação de um elemento na família de Ori, o mocho Ku, que desaparece, incentivando a demanda do protagonista. Nos momentos em que estão juntos é possível voar e planar com liberdade, num elemento de jogabilidade excelente, mas que peca por ser breve.
Mesmo que o primeiro jogo tenha apresentado combates, esta sequela tem um maior foco. E mais uma vez não desilude, aliando a grande agilidade da personagem em saltar e esquivar, com a sua espada de luz muito rápida. É possível executar diversos combos, mas é necessário esquivar dos ataques dos inimigos. Tal como as speed runs, existem locais dedicados a combates, em que é necessário eliminar vagas de inimigos. É de facto divertido combater neste jogo.
E mais divertido é enfrentar os poderosos bosses do jogo. Estamos a falar de criaturas gigantescas, com pontos fracos e diferentes transformações, o que obriga os jogadores a mudar as táticas ao longo do embate. Os combates são longos e desafiantes, mas são sobretudo divertidos. Existem por norma dois momentos nos encontros. O primeiro é uma fuga frenética pelo cenário, sempre com o gigantesco inimigo no encalço, até à arena propriamente dita para o combate. Estes combates são a cereja no topo do bolo de toda a aventura.
Ori and the Will of Wisps é um jogo praticamente perfeito a todos os níveis técnicos. Mas basta alguns minutos para compreender como o jogo é dos mais belos títulos no mercado. As animações das personagens dispensam diálogos de tão expressivas que são. E os cenários são trabalhados em detalhe, com diversas camadas de profundidade, tornando-se um exemplo de como alternar entre cut scenes animadas para jogabilidade sem darmos conta da transição. No fundo parece uma pintura lindíssima que ganha vida, num trabalho digno de estúdios de animação como a Pixar. Podem estar a ver este vídeo a 4K, mas acreditem, não fazem justiça ao que vêm no jogo em tempo real.
A banda sonora e as melodias compostas tornam a experiência não só mais envolvente, como emotiva. O responsável por esse sentimento é o compositor Gareth Coker, recrutado ainda o primeiro jogo estava em fase de protótipo para mostrar à Microsoft. O compositor abordou as melodias da mesma forma que a Disney e a Pixar fazem nos seus filmes: criar uma relação entre a música e a animação de forma a evocar emoções nos jogadores. Cada área tem a sua própria melodia geral, mas as ações, e sobretudo as cut scenes são salientadas para reforçar a sequência.
Segundo o compositor explicou, a composição começa logo a partir das storyboards e traços iniciais das animações, em antecipação do trabalho dos artistas. Quando o compositor se sente confortável, envia as mesmas para os artistas, que depois moldam as animações em torno das melodias. É um processo quase inverso ao que se faz normalmente na indústria, e o resultado está à vista. Considerando que a aventura praticamente não tem diálogos, as animações corporais, reforçadas pelas melodias, orquestrações e coros, praticamente contam a história.
Tirando um ou outro problema técnico, como numa única situação em que fiquei preso fora do cenário e o ecrã todo negro, mesmo carregando outros saves, resolvido com um simples reinício do jogo; estamos perante um dos grandes jogos do ano. Um metroidvania lindo e de referência, que não posso deixar de aconselhar.