Olá degenerados, então pensam que da Noruega apenas vem bacalhau? Enganem-se. Experiementei já à algum tempo o Donning the Purple ou traduzindo jabardamente para português: ‘vestir o púrpura’. Descrevo-vos este jogo hoje…

Esta expressão poderá ser bizarra mas é uma expressão que está relacionada com o ato de alguém se tornar um membro da realeza. Poderá parecer estranho a nós presentemente mas até ao século XIX a cor púrpura estava associada à realeza por ser incrivelmente difícil de criar. Na Antiguidade a tintura de púrpura era feita com base no ̶m̶u̶c̶o̶ ranho de um búzio existente no Mar Mediterrâneo. Era tão rara e difícil de processar que facilmente a cor púrpura ficou associada à raridade e à exclusividade, o que fez com a realeza se passasse a identificar com vestes púrpuras. Lá está! Já ninguém pode dizer que vocês não aprendem nada a ler os meus artigos! Agora já têm um motivo socialmente aceite para mandar a vossa namorada dar uma volta, se ela vier em modo ‘súcubo de atenção’ para cima de vocês chatear-vos com futilidades!

Apresento-vos uma das exportações supra citadas… Na época romana parecer-se-ia certamente uma bárbara germânica (que tomaria de assalto, aquela pedra que tenho no lugar do coração <3<3<3″Babyen min”<3<3<3)

Donning the Purple toma lugar no ano 193 nos ‘últimos dias’ do esplendor romano sobre a Europa e é um jogo de um a três jogadores completamente competitivo. É uma invenção de Petter Schanke Olsen com lançamento internacional pela parte da norueguesa Tompet Games. Em Donning the Purple cada jogador toma o papel de uma dinastia romana que planeia tomar o poder enquanto tenta mitigar os males existentes da época, sendo alguns desses: a fome e a constante ameaça das tribos germânicas firmemente implantadas nas fronteiras a norte de Roma. Para tal, cada uma das famílias irá lutar para se estabelecer no controlo do Senado ou no caso daquela que detém o cargo de Imperador, tudo vai fazer para se manter no poder. Isto no decorrer de quatro turnos. Cada jogador vai na sua vez tentar manipular o jogo de modo a obter o máximo de pontos de vitória possíveis. Sendo um jogo com vertente competitiva, em que o Imperador é o que mais pontos ganha, irá rapidamente tornar-se num jogo tipo rei-da-colina (king of the hill) onde vamos tentando subtrair a stamina (e pontos de vida) ao Imperador através da intriga política e tentativas de assassinato constantes.

Calma sei que parece um eurogame complicado mas nem por isso…

A mecânica

Sem entrar em detalhes é precisamente no funcionamento bem apurado que reside a força de Donning the Purple enquanto um king of the hill competitivo. Cada turno é composto por oito fases. Cada uma delas ilustra as tarefas pelas quais os jogadores terão que jogar quando representarem o Império Romano. São essas: a dos ‘Inimigos que se aproximam (onde aparecerão em mapa as hordas invasoras); a fase de ‘Colheita do cereal’; seguidamente, numa fase posterior, são distribuídas as cartas que irão influenciar as jogadas; somente na quarta fase os jogadores podem fazer as suas ações; na quinta fase, faz-se a construção dos edifícios planeados (são colocados os edifícios em mapa), depois é distribuído o cereal para alimentar o Império; e por fim são cobrados os impostos o que por sua vez despoleta o fim de um dos quatro turnos de jogo. É uma constante da política do Panen et circensis, isto se tivéssemos que explicar de modo simples o que temos de fazer no jogo. Alimentar as massas e mantê-las entretidas e sobreviver até ao próximo turno.

Aquela notícia que nenhum imperador latino quer receber… por vir carregadinha de responsabilidade e perigo.

No tabuleiro principal existem quatro marcadores que determinam e influenciam praticamente o decorrer da partida. O indicativo de felicidade do povo romano, o preço do cereal, o número de assentos no Senado e o indicador de obras públicas. Relativamente ao marcador de obras públicas este representa uma lista de obras a fazer. No fim de cada turno apenas quatro (num jogo a três) poderão ser construídas. Logo vai haver uma constante luta pelos lugares cimeiros de construção para mostrar às massas a nossa política de obras públicas. A inauguração de edifícios públicos reproduz-se assim em alavancagem política e admiração pelas massas, pelo que a sabotagem e a corrupção deste marcador vão ser constantes durante todo o jogo. É claro que pelo meio das construções a fazermos podemos construir as nossas próprias propriedades a fim de ganharmos proveitos mais egoístas. À boa maneira dos inícios da Idade das Trevas a segurança alimentar vai ser uma constante pelo que diversas regiões vão passar fome (e influenciar o preço do cereal) e não trazer dividendos muito por culpa de invasões bárbaras. E claro, não estivéssemos a falar do Senado, neste podemos comprar senadores sendo que vão sendo progressivamente mais caros nas últimas posições.

Na Roma antiga, Aqueductos… em Portugal, Rotundas!

Voltando ainda às diversas fases de turno dado serem complexamente intricadas na mecânica de jogo resolveu-se o problema de modo bastante inteligente. Com tão poucas acções por jogador, temos a possibilidade de copiar as acções marcadas com um ‘C’ descartando a respectiva stamina… Uma regra que é caseiramente denominada a regra Puerto Rico. Pelo meio o jogador que encabeça a posição de Imperador tem de ter cuidado pois a infelicidade do povo resultará inevitavelmente na sua morte. (Ah os Latinos…).  O stress/stamina é pois a moeda de troca pela qual gerimos a nossa permanência no mapa. Se não resolvermos os problemas atempadamente deixamos o stress ‘tomar conta’ do nosso patrício para que outra dinastia tome o nosso lugar. Neste caso outro jogador desigado como o Herdeiro toma a posição de imperador. Sendo assim o poder roda constantemente de jogador. Os cargos divididos entre jogadores de líder de Senado e Herdeiro/Imperador, vão andar constantemente a ser trocados. O jogador com a posição de Imperador tem o poder de nomear o jogador Herdeiro através da atribuição de um token.

Os patrícios latinos no seu dia a dia a tentar ̶p̶a̶s̶s̶a̶r̶ ̶a̶ ̶p̶e̶r̶n̶a̶ ̶u̶m̶ ̶a̶o̶ ̶o̶u̶t̶r̶o̶  ̶ comerciar o valioso grão em tempos de fome…

Todos os jogadores começam com um objectivo secreto (dão pontos negativos ou positivos consoante o final da partida) e cada um recebe carta de intriga (plot) que também é pontuável caso não seja usada… Estas cartas antes de cada turno são como que modificadores temporários pelo que deverão ser usadas estratégica e cirurgicamente. O jogador Imperador para além de possuir o seu tabuleiro próprio é o responsável por alimentar e distribuir o grão pelo Império. Claro que a felicidade do ‘povão’ se traduz em muitos e numerosos pontinhos de vitória (muito cobiçados) para o jogador reinante.

O board de Imperador…

Embora Donning the Purple seja competitivo na verdade é objectivamente um semi-cooperativo, isto porque se todos os bárbaros entram em jogo ou todas as quatro capitais regionais são tomadas é o fim da partida para toda a gente com derrota assegurada para as partes intervenientes. Da experiência que tive, a partida tomou contornos de push your luck onde nenhum dos jogadores pode de facto dedicar-se à tramóia exclusiva do outro isto porque o ambiente de perigo (e perda de jogo) é tão constante que os golpes ‘latino-ratazanisticos’ tiveram que ser dados à má-fila no pior dos cinismos encapotados possível. Pelo meio do jogo podemos comandar legiões e deslocarmos-nos pessoalmente no mapa para ajudar o Império… ou tramar os nossos colegas romanos.

Quando tudo parece perdido… aproveita para mandar uma facada no teu colega e amigo Romano

Sem grandes artifícios… simples e existe uma versão print-to-play se estiverem virados para os trabalhos manuais

A arte das ilustrações esteve a cargo de Joeri Lefevre e do tabuleiro esteve a cargo de Daniel Hasenbos, cartógrafo de profissão. Aliás é uma das primeiras coisas que salta à vista, pois num tabuleiro de tamanho relativamente modesto (comparativamente a outras jogos mais vistosos), temos bastantes informações e pistas visuais que permitem perceber de forma muito detalhada a localização de montanhas, florestas e representações de edifícios Romanos (importantes para o desenvolvimento das diversas fases de jogo). As formas das províncias e funções desempenhadas pelas mesmas foram no entanto modificadas somente para efeitos de jogabilidade, não podendo assim ser algo que torne Donning the Purple um jogo com valor didático. Tal vertente é aliás mais orientada, no meu entender, para jogos familiares.

Uma versão quitada… não existente na versão que experimentei…

Em termos de jogo efectivo Donning the Purple acaba por resultar bem num braço de ferro onde a gestão de recursos e a estratégia aplicada cirurgicamente está sempre presente. E claro tudo isto aliado a um comportamento cínico entre jogadores que pretendem levar apenas a bom porto o decandente Império Romano somente o suficiente para ganharem o jogo. Concluindo é um daqueles jogos com um bom ‘toma lá disto’ para jogarem entre amigos que já possuem experiência em jogos de tabuleiro. Dedicado claro está aqueles amigos com quem gostariam experimentar em ser o ‘rei da colina’.

“Seu nojento não meteste fotos suficientes de cubinhos…. REEEEEEEE”