Farto-me de falar de Phoenix Wright. Não só é das minhas séries favoritas como tem um significado especial para mim. Escrever sobre a trilogia original foi um dos meus exercícios de escrita, a título pessoal, num blog que tinha um leitor, eu, e que viria anos mais tarde a ser a minha submissão para integrar o Rubber Chicken.
Mas não é só esse facto emocional que me liga à série, mas também o facto que dentro das suas loucuras salutares, Phoenix Wright consegue, regra geral, escrever boas histórias de murder-mystery dentro dos seus casos, uns mais bem escritos que outros. Mas o patamar de qualidade é, maioritariamente, altíssimo.
Acredito que a série da Capcom é por si só a maior responsável pela explosão de visual novels para cá do Oriente. O que justifica o porquê de cada vez mais estúdios indies estarem a recorrer a este género eminentemente narrativo para contarem as suas histórias.
Mediatronic, o estúdio criado por dois estudantes ingleses há 14 anos e que já conta com dezenas de jogos no portefólio é mais um desses casos, com o seu Murder by Numbers a chegar-nos ao Steam e à Switch em início de pandemia.
Neste cruzamento de visual novel com puzzle game, vivemos a pele de uma actriz que desempenha o papel de uma conhecida detective na TV, mas que se vê como principal suspeita da morte do seu próprio showrunner.
No meio do turbilhão penal que se vê envolvida, encontra um pequeno robot amnésico chamado SCOUT que assumirá o papel de sidekick nas investigações ao longo dos quatro casos interligados que compõem Murder by Numbers.
Ao contrário do jogo que lhe dá inspiração (que até conduziu à contratação do compositor de Ace Attorney, Masakazu Sugimori , para esta produção) a investigação é feita num sistema de nonogramas. Cada nonograma resolvido serve como prova que podemos utilizar com outros personagens para lhe ir “tirando” informações sobre os casos.
Como me farto de dizer: aquilo que separa um bom jogo de uma jogo mediano – no caso deste ter história – é mesmo a qualidade da narrativa. Com altos e baixos, os jogos de Ace Attorney e os seus spin offs são habitualmente títulos muito bem escritos, de uma equipa que percebe que a sua avaliação final está completamente dependente disso.
Murder by Numbers, apesar de ter um cast interessante e uma premissa com “pernas para andar” (até pelo facto de ser passado no 1996, e o enquadramento cultural que isso representa) acaba por cair redondo no chão na qualidade da sua escrita. Aquilo que vemos em Phoenix Wright é que os vários casos, muitas vezes desconexos em aparência, acabam por mostrar a big picture à medida que nos aproximamos do grande final. São tiradas de génio que marcam a nossa memória após terminarmos um jogo.
Este jogo, infelizmente, fica a muitos passos disso. Para se ser a mulher de César não basta parecê-lo, e as diferenças entre as inspirações que a Mediatronic tem no mais famoso advogado dos videojogos e a sua capacidade de criar uma escrita de exímia qualidade é grande.
Se é um mau jogo? Não, de todo. Mas apesar da qualidade visual e de uma certa criatividade em introduzir nonogramas na equação, o fio narrativo condutor não é assim tão bom que lhe permita equiparar-se a(s) melhor(es).