Há muitos jogos que simulam profissões com máquinas aparatosas, trabalhos na construção civil ou reparação de casas. Há simuladores de camiões, autocarros, comboios e aviões ou mesmo de pesca. E atualmente muitos jogos têm boas premissas, mas falham tecnicamente, normalmente devido aos fracos recursos para execução.
O recém lançado SnowRunner consegue conciliar boas ideias e uma execução quase perfeita do que é simular carros de transporte de mercadorias em situações extremas, como inundações, neve e terrenos repletos de lama, onde percorrer três metros é uma autêntica vitória e ficar atolado é tão comum como morrer estupidamente no Dark Souls.
Mas o trabalho da Saber Interactive é exímio nesta produção, conseguindo-nos transportar para a infância, no tempo em que brincávamos às profissões com os camiões e carrinhos em miniatura.
Mas antes de tudo mais, há que considerar que este não é o típico jogo de carros em formato sandbox. É um sandbox de desafios ligados à construção civil, às emergências de desastres naturais. E como tal, o ritmo do jogo é muito lento, que consome muito tempo em cada objetivo proposto. É sobretudo um jogo relaxante, se tiverem tempo para o desfrutar. Por isso, fica já o aviso que pretende-se simular cenários reais.
Talvez o grande segredo desta sequela de Mudrunner é que foram cortados todos os elementos que não são essenciais à experiência. Qualquer tipo de narrativa, diálogos vocalizados ou mesmo cut scenes, que dão muitas vezes um aspeto mediano ao jogo foram dispensados. Aqui encarnamos um patrão de uma empresa de transportes que acaba de chegar ao negócio.
A sua frota de veículos é limitado e longe de conseguirem executar as tarefas mais exigentes. Mas há que arregaçar as mangas e aceitar os trabalhos com os meios que tem à disposição, amealhar dinheiro e experiência para desbloquear e comprar novos veículos e upgrades.
E o foco está totalmente nos veículos, a única personagem que vão ver está sempre ao volante e não existem sequências medíocres de andar a pé pelo cenário como em jogos como Farming Simulator, por exemplo. Desta forma, não só o estúdio conseguiu direcionar todos os recursos para um modelo de física credível e exemplar, como as paisagens onde decorre a ação são de cortar a respiração.
A atenção ao detalhe é impressionante nos veículos disponíveis, desde jipes de reconhecimento, camiões de transporte, semi-reboques, atrelados de diferentes funções e outras máquinas de marcas licenciadas. Grande destaque para a composição de cada máquina, as animações das suspensões e pneus, assim como os danos físicos. Mas mais que animações devem cuidar dos veículos, pois é fácil danificar o motor, a suspensão e outros elementos, além de gerir o combustível durante as explorações e trabalhos. Sim, até os depósitos da gasolina são visíveis e podem ser danificados na viagem.
Mas o principal protagonista de SnowRunner é a Física, a deformação do terreno, que acaba por ser o principal desafio de todo o jogo. O jogador terá de arranjar forma de superar alguns caminhos repletos de lama ou neve, assim como inundados pelas cheias. Nesse sentido, terão de usar um veículo que tenha um motor potente suficiente, mas também pneus, suspensão, caixa de velocidades e outros acessórios que podem desbloquear e adquirir, caso não tenham dinheiro para comprar carros mais poderosos.
Atolado na lama devem trabalhar com diferentes posições do diferencial do camião, a componente mecânica que permite girar as rodas em diferentes velocidades. Assim como a caixa de velocidades, escolhendo altas e baixas rotações. É que quanto mais aceleram, mais probabilidade deste se enterrar no solo, pelo que devem por vezes dar pequenos toques no acelerador. Ficar preso em pedregulhos, água, troncos e outros elementos naturais é muito fácil.
Por isso, há ainda um guincho que será a principal arma dos camiões, pois pode ser preso em árvores e diversos pontos, e usar o motor para ser puxado. Podem definir pontos, mas podem arremessar automaticamente ao ponto mais próximo e puxar, como se usassem um arpão do Batmobile.
Estamos perante um jogo gigantesco, não só no número de trabalhos, como mapas com grandes dimensões para explorar. São 11 regiões para explorar, divididas em três cenários distintos: Michigan com as suas inundações, a criarem situações de rios a escorrer pelas estradas e muita lama. O Alasca, com os seus lençóis de petróleo, obrigando-nos a transportar camiões cisterna. E Taymyr, na Rússia, desafia-nos a enfrentar a neve da Sibéria.
As três regiões têm o respetivo mapa inicial aberto, pelo que podem alternar sempre que necessário entre eles. Podem escolher quais os camiões que querem levar para a nova região, de forma instantânea.
Cada mapa é explorado por diferentes empresas com interesses na região, oferecendo-nos trabalhos, que passam por ir buscar ferro, pedra, combustível às fábricas e armazéns, e entregar nas empreitadas. Mas há ainda outras tarefas secundárias, tais como ir resgatar carros abandonados, ora por falta de combustível ou atolados, entre outros trabalhos que rendem dinheiro extra.
O jogo dá ainda ênfase à exploração dos pontos mais inóspitos dos mapas, procurando torres de vigilância, que abrem a área do mapa e revela novas missões e segredos, que incluem preciosos upgrades gratuitos ou mesmo veículos para a coleção. É neste sentido que devem dar descanso aos camiões e passear nas carrinhos de reconhecimento antes de começarem a planear o próximo trabalho.
É que muitas estradas podem estar cortadas por falta de uma ponte que tem de ser construída, um poste de eletricidade que está a bloquear o caminho. Que são situações que se tornam prioritárias para uma circulação direta. Um simples trabalho de entrega pode demorar uma hora, a ir buscar materiais a um ponto do mapa, para entregar no outro, além de requerer um camião específico ou procurar atrelados de transporte pelo mapa.
A gestão de gasolina não serve apenas para calcular rotas, mas também para gerir os esforços dos carros, porque desatolar ou usar componentes gasta combustível, o qual podemos ver o consumo dinâmico em tempo real. Ao ficar atolado pode-se sempre pedir a recolha do veículo, que é guardado instantaneamente na garagem, abastecido e reparado. Mas significa também que todo o percurso feito terá de ser reiniciado. Podem sempre voltar com outro veículo ao local e tentar resgatá-lo para continuar a sua viagem.
Até porque podem espalhar os vossos veículos pelo mapa, para se tornar mais fácil aceder aos diversos pontos onde é necessário, mas para isso, terão de construir a vossa frota…
De notar um ponto negativo ao estúdio que obriga à compra de um jipe todo-o-terreno muito poderoso. Este DLC custa uns 4 euros, embora a cópia para review já o inclua. Mas não deixa de ser um pouco pay to win, ultrapassar a dificuldade inicial pela limitação de veículos, adquirindo propositadamente um DLC. Fica aqui a nota.
Por outro lado, estamos perante um jogo com uma elevada dificuldade. Mesmo a forma como a comunicação é feita, com detalhes mínimos dos objetivos. É muito fácil pegar nos materiais e percorrer um longo caminho até nos apercebermos que entregámos os mesmos no lugar errado. Ou que fomos recolher determinado material com o atrelado errado. É nesses casos que metemos as mãos na cabeça e refletimos o tempo deitado para o lixo. Obrigando-nos, a seguir, a planear bem a rota, desde a origem ao destino, usando as ferramentas de traço no mapa para tal.
Mas a gestão da frota não é complicada, pois o estúdio adoptou uma economia simples. Podem vender carros que não estão a usar para bancar dinheiro para outro necessário. Quando precisam podem voltar a comprar pelo mesmo preço, pelo que com o tempo vão amealhar algum dinheiro precioso. Terão ainda de equipar os veículos com acessórios para certos trabalhos, tais como adicionar caixa de transporte, bases para puxar reboques ou mesmo gruas para colocar materiais no porta-carga.
Apesar de ser um jogo relaxante, para jogarem com tempo, sozinhos a explorar as regiões. O jogo suporta quatro jogadores em cooperativo, que infelizmente não tive oportunidade de testar. Segundo percebi, tudo o que fizerem no mapa dos amigos fica gravado na conta, pelo que não será tempo perdido a ajudar. Até porque muitas vezes quando um camião fica atolado, caso não queiram cancelar esse percurso, e restaurar o carro na garagem, podem ir lá com outro para o rebocar, ou mesmo fornecer gasolina ou reparações. E esses elementos são certamente mais divertidos em comunidade.
As paisagens do jogo são lindíssimas, com alguns cenários naturais que nos obriga a carregar o travão de mão e ficar a contemplar. Seja um pôr-do-sol ou um pântano a chover a potes. Há ciclos noite e dia, mas podem definir diretamente qual a hora que querem jogar, porque se é difícil sair da lama, à noite essa dificuldade aumenta pela falta de visibilidade.
Só é pena que as cidades complexas, são autênticas construções de Playmobil, vazias, pois não existe circulação de veículos ou pessoas a passear. Aqui é o jogador, os seus camiões e a lama para enfrentar. Ainda assim há um ambiente sonoro que ajuda a estimular os nossos pensamentos, sejam os cães a ladrar ao fundo, ou as músicas country que passam na rádio. Mas o som dos motores é aquele que mais predomina durante o trabalho.
Com isto, SnowRunner é uma surpresa inesperada, num género de jogo cada vez mais popular entre os streamers, com a vantagem de ser tecnicamente muito bom. Ainda assim é estupidamente difícil, frustrante por consumir tempo a realizar um percurso, com a hipótese de ficarem atolados ou capotarem o veículo a metros do destino final. Mas é sem dúvida uma experiência inesquecível, e sobretudo muito realística, com ênfase na exploração. E o jogo promete uma longevidade impressionante. Com mais de 20 horas de jogo, senti que nem sequer tinha arranhado a sua superfície dos desafios que tinha pela frente nas restantes regiões.