Há algo que me diz que se muitos dos artistas, teóricos e poetas dos movimentos modernistas existissem hoje, a probabilidade de alguns deles colocarem os olhos nos videojogos enquanto manifestação artística era muito grande.
O grande ideólogo do movimento surrealista, André Breton, seria certamente um deles. E as repercussões em todos os autores que orbitavam à sua volta, e que partilhavam o ideário surrealista consigo, rapidamente se fariam sentir.
Ter Luis Buñuel, cujo primeira curta de cinema criada a meias com Dalí, Un Chien Andalou, é uma das curtas mais influentes e subversivas da História.
A linguagem do autor de videojogos Cosmo D parece estar dentro do mesmo surrealismo e de um aroma onírico das obras dos surrealistas. Tales from the Off Peak Vol.1 é uma viagem que roça uma experiência psicotrópica desde o primeiro segundo, com o nosso périplo pela ruas de July Avenue e Yam Street, enquanto tentamos encontrar o saxofone perdido do pizzaiolo Caetano Grosso. Se isto não vos deixou com as antenas dadaístas no ar, então não sei o que fará.
Logo nos primeiros segundos de jogo, em que estamos num batel rodeados por 2 personagens bizarros, que nos dão a estranha missão de procurar pelo dito saxofone. Quando atracamos vemos uma cidade repleta de prédios de ruas nova iorquinas misturadas com elementos estranhos, como caras e outras deformações.
Os personagens parecem saídos de animações com recortes do início dos 1990s: rostos estáticos em corpos que se agitam ao som de uma música cativante que é um dos pontos mais apelativos de um jogo que exala estranheza.
Tudo isto metido num shaker de aventura point ‘n click na primeira pessoa, como se Benoît Sokal, Rand e Robyn Miller tivessem metido ácidos e criado novas iterações dadaístas das suas séries mais famosas.
No meio do surrealismo de Tales from the Off Peak Vol.1 há uma força alucinante de elementos que se tornam coesos dentro da bizarria da estética de Cosmo D. E são esses elementos que impulsionam os seus puzzles, que não sendo excessivamente crípticos, conseguem abrilhantar uma experiência que não é, decerto, para todos. A grande ironia deste Tales from the Off Peak Vol.1 é que alguns dos seus puzzles são menos surreais do que por exemplo o primeiro Sam and Max, que ainda está para mim como o grande exemplo de jogo que atira toda a lógica possível para um canto, e navega nesse caos criativo.
Este novo jogo no mundo de Norwood vai trazer-vos paisagens surreais, algumas delas que permanecerão convosco quando forem dormir, num jogo onde os diálogos também eles surreais vão ser apontamentos de jazz experimental num mundo que parece não fazer sentido à primeira vista, mas que é, afinal, uma deliciosa viagem curta pela mente psicadélica de um dos autores com uma identidade própria mais forte do mundo indie.