Sabiam que eu gosto de deckbuilders? E se normalmente fujo a sete pés (invisíveis na primeira pessoa) de FPS salvo raras excepções, dêem-me um deckbuilder e eu fico queitinho num canto sem fazer barulho nem chatear. E se quiserem uma prova eu abro-vos as portas dos meus armários em casa para perceberem o quanto adoro o género, de jogos de tabuleiro a videojogos.

Mas encontrar formas originais de aplicar o modelo criado por Donald X Vaccarino? Aí a coisa é mais difícil. Mas admito que a maior audácia de fazer algo verdadeiramente diferente cabe mesmo a Signs of the Sojourner, um título narrativo que utiliza as mecânicas de deckbuilding da forma mais original que já vi.

Signs of the Sojourner é um jogo narrativo onde as nossas escolhas verbais condicionam o seguimento da história. O mas, e é um grande mas, é que as hipóteses não nos aparecem como em tantos outros jogos narrativos, como um menu do qual escolhemos a opção que melhor nos apraz como quem escolhe as entradas para um almoço fora. As respostas que damos são resultado das sequências de “debate” mecânico que fazemos com as nossas cartas, e são elas que representam a nossa evolução enquanto pessoa, e que forjam, e são forjadas, pelas conversas que temos com os restantes personagens.

Um conceito que teoricamente é estranho de explicar, mas fácil de perceber. Cada carta tem símbolos do seu lado esquerdo e direito, símbolos estes que representam a nossa forma de nos expressar com os outros. As conversas e o nosso entendimento com os nossos interlocutores vai-se fazendo pela ligação de símbolos entre as cartas que jogamos, as nossas e as deles. A capacidade de fazermos diversas ligações certas vai-nos abrir um maior entendimento dos personagens e saberemos mais sobre eles.

O sucesso dos nossos diálogos prende-se então com a nossa habilidade (e a do nosso baralho) em criarmos correntes de ligação com os nossos interlocutores, e que nos vai desbloquear uma carta nova no final da conversa, que não é mais do que trocarmos uma carta do outro com uma nossa.

Com o tempo vamos recebendo poderes que podemos usar para mudar o curso de cada diálogo, especialmente quando a nossa mão não permite ligações eficazes para manter o diálogo fluído. 

Com um enredo que se começa fechado, onde sabemos que a nossa mãe morreu e que a responsabilidade de manter a caravana narrativa a funcionar passou para cima de nós. Tudo o resto vai sendo descoberto através desta forma genial de contar uma história: em que as cartas vão abrindo diálogos, segredos, criando relações e transformando a nossa personagem.

Signs of the Sojourner é único e é também uma das mais originais obras que já joguei. A mestria da forma como interliga a narrativa e as mecânicas é verdadeiramente sublime e uma prova da criatividade dos seus autores, que encapsularam tudo com uma direcção artística com uma identidade coesa e própria. 

Não sei Signs of the Sojourner é o jogo que fará alguém finalmente apaixonar-se pelos deckbuilders, e isso pouco importa. Signs of the Sojourner é sobretudo um jogo para alguém que quer ver algo que nunca antes foi feito. E ainda por cima muito bem feito. 

A crueldade de vermos um título destes a passar sob o radar da maioria das pessoas é quase criminosa, mas uma certeza fica: num ano de grandes mudanças e incertezas, Signs of the Sojourner será um dos meus jogos favoritos de 2020.