Hoje o artigo vai ser diferente…

Hoje o artigo vai ser diferente e por isso escrevo para partilhar o pouco que sei… Vamos aumentar um pouquinho a cultura geral? ‘bora!  Para alternar um pouco com os jogos que analiso passo pois a a fazer uma pequena descrição do que penso ter sido a evolução dos jogos com o passar dos tempos.

Ora bem com o advento do Neolítico e uma maior sedentarização das populações humanas por via da agricultura a existência de tempo livre passou a ser cada vez mais frequente entre os humanos. E como a evolução da espécie se passou cada vez mais a dever-se ao uso da inteligência é natural que os jogos tenham adquirido um lugar de destaque no modo de passar o tempo.

Como seria de esperar os jogos de tabuleiro mais antigos de que existe memória tiveram lugar por entre as civilizações do Crescente Fértil. O conhecido Gamão surgiu na antiga Mesopotâmia, pensa-se à 5000 anos antes de Cristo e é de facto o jogo mais antigo de que há memória. Séculos mais tarde e na mesma região surgiria em cerca de 4600 A.C. o que viria a ser chamado O Real Jogo de Ur. O Real Jogo de Ur descoberto num túmulo real mesopotâmico torna-se deveras interessante por terem sido descobertas as regras originais acerca de como de facto era jogado na sua altura. O Gamão pela sua continuidade pode ter sofrido alterações à mecânica de jogo. Não obstante segue abaixo uma reconstituição do que seria uma partida de acordo com as regras descobertas e decifradas por Irving Finkel, curador do Museu Britânico.

Comentário-pérola no youtube: “White long beard and hair: ✓ Round glasses: ✓ Old age: ✓ British accent: ✓ Visible wisdom: ✓ Possession of forgotten arcane knowledge: ✓ The arrogance of a mage: ✓ The desire for a competition of somewhat equivalent intelligence: ✓ A tiny drop of madness: ✓ Yep. He’s definitely a wizard”

̶O̶ ̶J̶o̶g̶o̶ ̶d̶a̶ ̶G̶l̶ó̶r̶i̶a̶ O Mehen já anda aqui à alguns anos. É o jogo por onde caminhamos pela divindade da deusa serpente até à cauda. Por ser tão simples de jogar vai-se manter mais uns quantos séculos por aí…

No Antigo Egipto surgiram igualmente outros jogos. Mehen era igualmente um race game que em muito lembra o muito conhecido Jogo da Glória, no entanto nada se sabe acerca da sua mecânica de jogo… Também no Antigo Egipto em cerca de 3500 A.C. surgiu Senet que à semelhança do Jogo Real de Ur era um race game. Senet o mesmo em termos conceptuais afigura-se à passagem das almas pelo mundo dos mortos. Temos dois jogadores que irão competir, cada um com 5 peças (que representam as almas), para fazer a passagem pelo o mundo do Além. Na saída da última casa as peças concluem a passagem. O primeiro a fazê-lo é o vencedor. Curiosamente e ao contrário do Jogo Real de Ur utilizam-se 4 pauzinhos (tipo aqueles dos gelados) com 2 lados para determinar o avanço. Consoante o lado seja o escuro ou o da luz, tal determina o número de casas que podemos andar. Podemos atacar o oponente e dado que temos 5 peças e um caminho específico tal como regras de interação rigorosas entre as partes, a componente estratégica é muito elevada. Não deixa igualmente de ser curioso que para um race game tem mais complexidade do que realmente aparenta. Outro dado curioso é que é conhecido o nome de um dos primeiros jogadores de jogos de tabuleiro do mundo (ver abaixo).

 

Os faraós enquanto não estavam a construir pirâmides andavam a dar no vício! Sim jogador de jogos de tabuleiro… tu és um grande burguês ocioso.

Caros leitores apresento-vos a garina de Ramsés II, a rainha Nefertari… (e sim jogava baixo… a usar um véu translúcido para tirar a concentração aos adversários… ah! Sua maluca!)

A invenção de jogos para passar o tempo livre não esteve naturalmente circunscrita geograficamente às civilizações do Crescente Fértil. Os exemplos de Go na China e do Patolli na Mesoamérica são outros exemplos de jogos dos quais se sabe muito. Go por ser tão popular na China e ser quase um equivalente asiático ao Xadrez no ocidente. a semelhança deste serve hoje em dia para programar e desenvolver avançadas máquinas de computação e inteligência articial. Foi aliás através do jogo Go que tive conhecimento do primeiro episódio de nerd rage de que provavelmente há memória. Segundo o capítulo 10 do livro Hagakure escrito, no século XVIII, no Japão, por Tsunetomo foi relatado um incidente em que 4 ou 5 samurais se juntaram para jogar Go. Após um desentendimento um deles acabou golpeado pelo adversário. Estão a ver já têm tema de conversa interessante para aqueles jantares com os amigos para os quais a vossa mulher vos arrasta quando queriam estar a fazer as vossas cenas…

Moral da história… não levar espadas para um jogo de Go

O Ocidente

Se bem que toda a Antiguidade Clássica europeia tivesse certamente, e à semelhança da Antiguidade no Médio Oriente, jogado diversos jogos de tabuleiro os exemplos mais conhecidos prendem-se com os exemplares encontrados por entre as ruínas do Império Romano. Ludus latrunculorum provavelmente baseado no grego Petteia (mencionado na sua República por Platão) é um tal exemplo. Não restam quaisquer regras acerca do mesmo no entanto era tido como um exemplo dos primeiros jogos de estratégia militar de sempre. Restam diversas descrições acerca do mesmo sendo muitas delas deveras coloridas. Crê-se que algumas raízes do Xadrez moderno venham daqui… será? Duvido…

Ludus latrunculorum…

Ludus Latrunculorum, por ser um jogo de estratégia militar de jogador contra jogador, lembra-me imenso o Hnefatafl. De salientar que o curiosíssimo Hnefatafl de origem céltico-escandinava teve as suas regras primeiramente anotadas em 1732 pelo famoso naturalista sueco Linnaeus. Sendo um jogo de estratégia a dois um dos jogadores tem o objectivo de capturar o rei inimigo com ajuda de quatro clãs de seis soldados e o outro terá de usar a guarda pessoal do rei composta por uma dúzia de soldados para o ajudar a escapar por um dos cantos do tabuleiro…

Melhor… melhor será deixar um viking dos tempos modernos explicar como se processa o jogo. Ainda hoje se vendem réplicas no entanto se o vosso nível de riqueza está pelos níveis de Portugal, recessão de 2011 então um exemplar conseguirá ser feito com muito poucos recursos por ser tão simples…

 

E só porque eu sou um degenerado que joga jogos de tabuleiro deixo aqui uma beibe para lavarmos todos a vista das doses maciças de nerdom que já levamos até aqui… :3

Na Idade Média e através das invasões Islâmicas, à Europa Latina chega o Xadrez originário da Índia. Sem dúvida uma das grandes referências quando se falam em jogos de tabuleiro. Para mim que ainda apanhei um pouco da Guerra Fria o Xadrez há-de sempre ser um sinal da luta intelectual entre o Bloco de Leste contra o Ocidente. Quem seguia a FIDE em 1972 teve oportunidade de assistir ao que viria a ser denominado como o Jogo do Século entre Fischer e Spassky. Mais recentemente nos anos 90 o Xadrez foi utilizado como instrumento para afinar a computação e inteligência artificial do Deep Blue da IBM, que em 1997, derrotou Kasparov. Ou como eu acredito: aquele momento histórico em que Kasparov leva as mãos à cabeça não acreditando ter sido derrotado por uma máquina. Aquele momento em que alguns de nós (ok só eu) sabemos que o Skynet nos vai lixar as vidas uns anos mais à frente.

A lenda… Bobby Fischer

Ainda antes de chegarmos aos tempos modernos, no século XVIII, muito por via instrução militar, que exigia que os cadetes desenvolvessem espírito de interpretação da estratégia; surgiam na Europa os Kriegsspiel jogos de guerra que acabaram por evoluir até hoje ao que se viria a determinar jogos de guerra (wargaming). Mais tarde consistiriam, a par do velhinho Jogo da Glória (inspirado no Mehen egípcio), do (aborrecido) Monopoly e uns tantos race games, aqueles que viriam a constituir a espinha dorsal do que hoje são conhecidos pelo grande público como sendo os típicos jogos de tabuleiro.

O primeiro jogo de wargaming foi criado por Hellwig, na Prússia em 1780. Pretendia ser realístico o suficiente para simular uma batalha e ensinar estratégia a quem o jogasse. Em 1824, uma variante por Reisswitz e seu pai foi inventada em que a grelha desapareceria. Era estratégico o sufiente para educar e lúdico o suficiente para que os jogadores clássicos de Xadrez se interessassem por ele. Em 1870 por via da vitória da Prússia sobre a França pensou-se, fora da Prússia, que afinal os jogos de guerra poderiam ter uma importância vital na formação militar dos seus comandantes, passando-se depois a tornar pois uma ferramenta muito mais séria e educativa do que meramente lúdica.

O mapa do jogo de tabuleiro de Hellwig…

 

…com algumas das peças propostas… Muito semelhantes às de Xadrez

Uma reconstituição moderna do jogo desenvolvido por Resswitz e seu pai…

O jogo de Resswitz tinha peculiariedades pois ambos os jogadores não o jogavam directamente. Existia um árbitro que recolhia as ordens escritas pelas duas partes e mexeria as peças de acordo com o que acreditava serem as intrepretações das mesmas pelas tropas no terreno. O árbitro era igualmente responsável pelo rolar de dados e computação parcial de danos pois cada unidade ao contrário do Xadrez poderia absorver danos parciais. Para simular o efeito de fog-of-war as únicas unidades que apareciam em jogo eram aquelas que o árbito considerava serem visíveis. O árbitro era também quem impunha as condições de vitória. É deveras impressionante que esta pessoa seria como que uma autêntica calculadora humana assumindo o papel de mestre de cerimónia.

Em 1913 H.G. Wells convidou o seu amigo Jerome para jantar. Depois do jantar na sala de jogos Jerome começou a alvejar soldados de lata com um canhão em miniatura. Seguidamente Wells começou por competir com o seu amigo ao fazer o mesmo. Após algum tempo ambos pensaram que as miniaturas dariam um excelente kriegsspiel . Por isso Wells mais tarde adaptou aos soldados de brincar um conjunto de regras que viriam a ser conhecido como o manual Little Wars. Nasceriam pois os jogos de guerra com miniaturas. Em jeito de nota histórica o nome do manual de regras completo era Little Wars: a game for boys from twelve years of age to one hundred and fifty and for that more intelligent sort of girl who likes boys’ games and books. Esperem deixem eu traduzir para as feministas que me adoram: Pequenas Guerras: Um jogo para rapazes dos 12 anos de idade aos 150 e para aquele tipo de rapariga mais inteligente que gosta de jogos para rapazes e livros. Eu vou repetir esta última parte e meter a negrito e sublinhar: a͟q͟u͟e͟l͟e͟ ̲t̲i̲p̲o̲ ̲d̲e̲ ̲r̲a̲p̲a̲r̲i̲g̲a̲ ̲m̲a̲i̲s̲ ̲i̲n̲t̲e̲l̲i̲g̲e̲n̲t̲e̲ ̲q̲u̲e̲ ̲g̲o̲s̲t̲a̲ ̲d̲e̲ ̲j̲o̲g̲o̲s̲ ̲d̲e̲ ̲r̲a̲p̲a̲z̲e̲s̲ ̲e̲ ̲l̲i̲v̲r̲o̲s̲. Wells was based. Wells era baseado!

Sim! Um árbitro cronometra a jogada enquanto Wells, um pacifista declarado, com um cordel, mede o quanto as suas figuras andam no mapa no seu turno

“O quê foi só a parte 1? Vais pagar! REEEEEEEEEEEE!”