Quem me conhece sabe que raramente jogo no PC e ainda mais raramente com rato e teclado, tendo sempre sido um jogador de consolas. Talvez por isso, sempre me dediquei mais a jogos single player, ou quanto muito com local co-op. Muito de lés a lés lá aparece um jogo que me puxa do sofá e me leva a arriscar-me no terreno de palavras tão estranhas como perícia, pontaria e trabalho de equipa. Um LoL aqui, um Left for Dead acolá, exemplos que se contam nos dedos de uma mão em mais de 20 anos de jogatina. No entanto, quando um jogo o consegue fazer, merece o meu maior respeito, tal é a quantidade de preconceito que tem de vencer. Deep Rock Galactic, a última aposta da produtora Ghost Ship Games, conseguiu fazer exactamente isso.

Não são hobbits, mas também são quatro

Trata-se de um jogo cooperativo em primeira pessoa para até quatro jogadores, onde tomamos o papel de um de quatro intrépidos anões que, a mando de uma megacorporação com o mesmo nome do jogo, se aventura nas profundezas de Hoxxes IV. Encontramos um estilo gráfico simples, mas atractivo e funcional, com cavernas escuras, vida bioluminescente, explosões coloridas e efeitos de partículas bastante satisfatórios, assim como diferentes biomas todos muito bem conseguidos. O nosso objectivo é simples: entrar, explorar, minar e, se tudo correr bem, sair. Digo se tudo correr bem porque os diferentes níveis que podemos explorar, todos eles gerados aleatoriamente, estão infestados com hordas de insectos gigantes que nos tornam a vida difícil. Além disso, a partir do momento em que completamos o objectivo principal, a nossa besta de carga robótica sempre presente, M.U.L.E., dirige-se de volta à nave-mãe e temos um tempo limite para chegar lá, senão seremos deixados no planeta, recebendo muito menos experiência e recursos. Existem missões de recolha de recursos, extermínio de bosses, recolha de ovos alienígenas e até de recolha de M.U.L.E. perdidas em outras missões. Para ultrapassarmos os obstáculos, quer biológicos ou geológicos, que se interpõe entre nós e um trabalho bem feito, contamos com um arsenal variado e bem completo, diferente para cada classe.

Em primeiro lugar temos a ferramenta mais versátil e comum a todas as classes, a nossa picareta. Esta permite-nos extrair os preciosos minerais que encontramos, combater corpo-a-corpo e escavar qualquer superfície que encontremos. Sim, uma das partes mais interessantes de DRG é que os cenários são 100% destruíveis, o que leva a situações em que o jogador pode utilizar a sua criatividade para ultrapassar obstáculos mais complexos, quer escavando uma escadaria numa parede, ou fazendo um verdadeiro “corta-mato” entre pontos de interesse no mapa, em vez de seguir os caminhos pré-definidos na missão. Todos os anões têm também acesso a lanternas e flares, pois os níveis são praticamente 100% escuros, o que torna a exploração muito mais perigosa e cria um ambiente de tensão e perigo, nunca sabendo o que pode surgir da escuridão.

Barbas aprumadas e armas equipadas

Todas as classes têm uma arma primária e secundária, para os auxiliar em combate, assim como uma arma que lhes confere tipos diferentes de mobilidade. O Gunner é o principal combatente da equipa, com uma mini-gun capaz de eliminar ondas inteiras, assim como um escudo AoE e uma arma mais precisa, mas com menos taxa de fogo. Para ajudar a equipa a transpôr fendas ou grandes cavernas com facilidade, consegue criar ziplines. O Engineer opta por uma abordagem mais táctica, podendo colocar torres-sentinela em posições estratégicas para cobrir ângulos menos acessíveis ou um parceiro que está a extrair um mineral precioso. Aliada a esta capacidade, tem uma caçadeira para combate em maior proximidade, um lançador de granadas para lidar com grupos e uma arma que cria plataformas para aceder a minerais ou locais isolados. O Driller faz jus ao nome, tendo um par de escavadoras que lhe conferem a habilidade de escavar mais rapidamente do que toda a restante equipa junta, assim como lidar com inimigos em curto alcance. Tem também um lança-chamas que lhe permite lidar muito bem com grandes números de inimigos, assim como uma arma mais pequena e precisa. O Scout tem uma assault rifle e uma caçadeira e é um combatente versátil, se bem que não tão poderoso. O que o torna único é o facto de ter um grapling hook reutilizável que lhe permite deslocar-se rapidamente entre pontos de difícil acesso, assim como uma arma de flares especiais que não só aderem a qualquer superfície, como também são mais duradouros do que os flares normais.

Aliando todas estas diferentes classes a um sistema intuitivo de pinging para marcar recursos, DRG está no seu melhor quando jogamos a quatro e utilizamos todas as classes. Há um fluxo natural que permite ao Drilller liderar a escavação de zona para zona enquanto o Scout as explora rapidamente e marca os recursos, facilmente atingíveis pelo uso combinado das diferentes opções de mobilidade do Gunner e Engineer, que são também capazes de proteger a equipa em situações de combate mais complicadas. Há também uma componente de gestão de munições e de comunicação muito interessante, pois quando alguma das opções de mobilidade fica inacessível, é necessário reinventar a maneira como se abordam os níveis. O nível de dificuldade das missões pode ser ajustado livremente, resultando em maiores recompensas e uma jogabilidade mais estimulante para os jogadores mais competentes. A jogabilidade central de DRG é polida, divertida e variada o suficiente para garantir horas de diversão sem se tornar enfadonha. Podemos explorar o jogo em modo solo, acompanhados apenas da M.U.L.E. e de um outro robô companheiro que serve como um multi-tarefas controlável e com os seus próprios upgrades, Bosco. Funciona perfeitamente bem, mas não é tão divertido nem flui tão bem como a experiência multijogador.

Grão a grão, enche a barriga o anão

No entanto, algo que eleva DRG acima de um jogo cooperativo meramente competente, é o backbone sólido de opções de progressão e de cosméticos, assim como um hub central que incentiva à exploração, roleplay e diversão através da experimentação. Quase sempre que voltamos de uma missão, temos uma nova perk passiva ou activa a desbloquear, graças a completarmos acções específicas como eliminar x inimigos ou fazer upgrades às armas e armaduras com os recursos que minamos. Estes upgrades por sua vez desbloqueiam cosméticos, habilidades passivas das armas, ou ainda mais upgrades às perks, que vão lentamente tornando a nossa personagem mais eficiente e mais customizada ao nosso estilo de jogabilidade. Após missões suficientes, é possível desbloquear novas armas e mods mais poderosos e arriscados, assim como ainda mais cosméticos, muitos dos quais centrados à volta do nosso imponente bigode/barba e cabelo, a característica mais forte de qualquer anão (sim, até das anãs femininas).

Cada classe tem a sua progressão separada, por isso se quisermos espremer tudo o que o jogo tem para oferecer, temos largas dezenas de horas de conteúdo pela frente. De 20 em 20 minutos são geradas novas missões, por isso se não estivermos felizes com a oferta atual, podemos participar nas mais variadas atividades enquanto esperamos por algo mais aliciante. Podemos beber (cuidado que afeta a jogabilidade se beberem demais!), dançar e jogar mini-jogos como atirar barris a anéis de fogo com os nossos colegas. Juntando a isto um voice-over constante do nosso supervisor, com um tom de entusiasmo sarcástico típico de uma megacorporação desumana e dotado de uma escrita irónica e deliciosa, encontramo-nos imersos na estética “falso-positivo” de um trabalho perigoso e pouco recompensante, senão pelos bons amigos que nos acompanham.

Nem tudo o que brilha é minério

Existem algumas falhas que aponto ao jogo. A principal é que demora algumas horas até sermos confrontados com inimigos mais agressivos e inovadores em termos de abordagem de combate, o que pode inicialmente afastar os jogadores à procura de um desafio maior. No entanto, este esforço inicial compensa quando começamos a ser confrontados com inimigos que nos obrigam a criar builds de missão mais complexas, com múltiplas classes repetidas ou uso inteligente de alguns dos itens mais avançados do jogo. A outra é que ao início, a hub central parece muito complexa, com várias estações de upgrade/compra disponíveis e muitas outras bloqueadas. Isto não seria muito problemático, se uma secção que guiasse o jogador pelas diferentes zonas da hub não fosse uma carência de DRG. A informação existe, mas está dentro de menus e apenas em texto, tendo o jogador de a ir procurar para se orientar melhor. Para terminar, e isto pode ser uma falha minha, parece não haver uma opção para escolher uma anã feminina. Será que têm o mesmo aspecto que os masculinos neste universo, à semelhança de outros universos fantásticos??

Concluindo, DRG é um jogo indicado para quem quer ter uma experiência multiplayer divertida, facilmente ajustável ao nível de cada jogador e com combate estilo horda com uns twists interessantes e um bom sistema de progressão e costumização. Encontra-se disponível para Xbox e PC na Steam, a 29,99 €. Resta-me só dizer que se estes fossem os anões que se aventuraram nas profundezas de Mória, a história teria corrido de uma maneira completamente diferente para o Balrog.