No final dos anos 1990 a espanhola Pyro Studios introduziu no mercado Commandos, abrindo caminho para um novo género, os jogos de estratégia em tempo real com ênfase na ação furtiva. A trilogia inicial é genial nas múltiplas abordagens que poderiam ser feitas e pelo papel que cada personagem da equipa tinha na ação, com o seu leque próprio de habilidades. O estúdio viria a perder-se quando decidiu seguir as tendências dos FPS, descaracterizando a então famosa série, que em cinco anos vendeu 5 milhões de cópias e entrou em falência em 2017, passando os últimos anos a fazer jogos para telemóveis.

A alemã Spellbound pegou neste género e criou diversos títulos temáticos com as mesmas mecânicas e abordagem da ação como Robin Hood e Chicago 1930, mas obviamente que foi a série inspirada pelo velho oeste que se tornou mais conhecida: Desperados: Wanted Dead or Alive. A produtora lançou três títulos da série, ainda que o terceiro tivesse mudado o nome para Helldorado, mas mantinha o mesmo contexto narrativo e personagens. Mas mais uma vez, a empresa viria a fechar portas em 2012.

Entra a Mimimi Games, conterrânea da Spellbound, que mais uma vez pega no género em finais de 2016 e oferece-nos do nada Shadow Tactics: Blades of the Shogun, aplicando as mesmas mecânicas num contexto oriental, num cenário japonês. O jogo foi muito bem recebido pela crítica e aqui no canal, com elogios de que conseguia ser melhor que as suas inspirações Commandos e Desperados.

E como tal, o merecido prémio: a THQ Nordic, que herdou a licença Desperados, entregou-a à atual especialista do género e assim nasce Desperados III. E acreditem, este é um dos melhores jogos do ano que vocês não estão a jogar…

Em termos de contexto, como Helldorado não é considerado um episódio numerado da série, o novo jogo assume o número 3. Porém, estamos perante uma prequela do primeiro jogo original. Neste título vamos ver como a tripla principal John Cooper, Doc McCoy e Kate O’Hara se conheceram, introduzindo ainda duas novas personagens: Hector Mendoza e Isabelle Moreau. E ainda conhecer John Cooper quando era um adolescente, em algumas sequências de flashback.

É uma decisão estranha não assumir o jogo como um reboot, mantendo-o numerado, mas é uma excelente porta de entrada mesmo para quem não jogou os primeiros capítulos.

E para quem não jogou qualquer jogo deste género, acreditem que é um dos títulos mais divertidos no formato tático do mercado. Basicamente cada uma das cinco personagens tem um leque de habilidades únicas, utilizadas para lidar com diferentes inimigos ou interações no cenário. Cada missão é um autêntico sandbox recheado de inimigos ou civis, que à mínima ação suspeita disparam alarmes.

E se o tivéssemos de comparar a algum jogo seria à série Hitman, no contexto de uma perspectiva aérea, em formato isométrico, em que os jogadores podem planear como abordar o perigo e avançar pelo mapa. E as abordagens devem ser sempre furtivas, caso contrário, os reforços dos inimigos tornam quase impossível sobreviverem. Isso não significa que não tenham margem de improviso, aliás, o improviso é constante, mas ataques diretos dá quase sempre game over. 

Felizmente isso faz parte da experiência assumida pelo estúdio, o experimenta, morre e tenta de novo. A tentativa, erro, portanto. E por isso terão sempre à mão os atalhos de quick save e quick load, pois num erro, dois segundos depois estão a repetir, sem pausas. Isto convida claro, a fazer experiências, abordagens malucas e divertidas, recuperando rapidamente o ponto de partida.

A história tem lugar no velho oeste de 1870, e conforme vamos vendo pelos flashbacks, John Cooper tem uma missão de vingança pela morte do seu pai. Pelo caminho conhece os restantes elementos do grupo, igualmente com as suas motivações e com interesse em formar aliança. E pelo caminho vão passar por locais como Colorado, Louisiana México e Nova Orleães, onde já impera a cultura do jazz. E claro, o voodoo.

E é por isso que a série estreia também elementos místicos, através da personagem Isabelle Moreau, uma bruxa voodoo, que não só abre novas abordagens, como as suas ações são as mais poderosas e divertidas mecânicas do grupo. No seu caso em particular, consegue possuir um inimigo e levá-lo a fazer ações como recuperar chaves ou mesmo matar os seus companheiros. Mas a sua ação mais divertida é ligar mentalmente dois inimigos, como uma boneca de voodo, pelo aquilo que fizeram a um, o outro sofre igual. Isto abre opções táticas muito interessantes e divertidas. A personagem tem ainda um gato fofinho, que serve para distrair os inimigos momentaneamente.

Todas as personagens têm uma ação de distração: seja a moeda de Cooper, os flirts de Kate, a mala de Doc e o assobio de Hector. Cada um funciona à sua maneira. Hector é o brutamontes do grupo, capaz de correr quando carrega dois corpos dos inimigos para os esconder. Mas o mais divertido é o uso da Bianca, a sua armadilha para ursos, que pode colocar no chão, assobiar e eliminar. O seu machado torna-o letal corpo a corpo, e como tem bastante energia consegue eliminar um pequeno grupo sem problema. Tem ainda um cantil de whisky para recuperar energia. E claro, a sua caçadeira de canos serrados é capaz de matar todos os inimigos que apareçam no seu cone de visão.

As restantes personagens são mais familiares. John Cooper usa duas pistolas, arremessa a sua faca ou eliminar silenciosamente os inimigos. É uma espécie do Green Beret dos Commandos. Tem ainda agilidade para trepar lianas ou nadar. Kate utiliza roupas encontradas no cenário para se disfarçar e andar pelos inimigos. É essencial para distrair, seja a conduzi-los para um local de emboscada ou desviar as suas atenções para outro lado. Mas também tem uma arma, pelo sim e pelo não.

O Doc mistura a sua habilidade de curar-se a si e aos companheiros, mas é também o sniper do grupo, eliminando silenciosamente inimigos a grande distância. A sua mala chama a curiosidade, mas também tem um elixir que mete um grupo a dormir. A sua arma melee é uma seringa com veneno.

Com todas estas habilidades disponíveis aos jogadores, basta estudar bem o posicionamento dos inimigos, ter atenção ao seu cone de visão, à sua capacidade de ouvir em redor, as ligações entre si, e claro, as suas características individuais. Certos inimigos não se deixam enganar com distrações, outros são demasiado fortes para serem mortos furtivamente. E até há elementos no cenário como galinhas que podem despoletar alarmes desnecessários.

Tal como outros jogos do género, é possível colocar a ação em pausa e dar ordens a cada uma personagem, para que executem em simultâneo o vosso plano. Serve para quando querem eliminar grupos de inimigos de forma silenciosa, por exemplo.

A Mimimi Games conseguiu construir missões complexas, que podem demorar duas horas ou mais a planear e concluir, e com objetivos não lineares. O mesmo objetivo pode ser concluído de formas distintas, tais como por exemplo, encontrar dinamite para explodir uma ponte, este está em diferentes locais do mapa. Todos os set pieces do cenário foram cuidadosamente colocados, abrindo um sem fim de estratégias que cada jogador pode abordar.

Até porque nos próprios cenários existem elementos constantes que auxiliam as personagens. Os típicos arbustos onde se escondem ou depositam os cadáveres, mas também diversas armadilhas para causar mortes “acidentais” e sem grandes suspeitas, tal como lançar uma moeda para um coice de cavalo ou empurrar rochas, um sino de uma igreja ou paredes falsas para cima dos inimigos incautos. Há sempre formas alternativas de eliminar os gangs inimigos.

E cada missão tem diversas medalhas com desafios secretos que apenas na sua conclusão ficam a conhecer. Isto convida os jogadores hardcore a repetir as mesmas com diferentes abordagens, tentando completar o que se pede, incluindo desafios de speedrun. Além disso, perto do final da aventura vão desbloquear as missões do barão, desafios que remisturam sequências da campanha com outras personagens no seu contexto.

Por ser um género ligado ao PC, os controlos funcionam melhor quando jogado com um rato, auxiliado pelos atalhos das ações. Mas nas consolas terão de se adaptar aos controlos com o comando, que não são tão funcionais e espontâneos, dependendo mais dos seus comandos contextuais.

A jogabilidade é muito fluída e a inteligência artificial dos inimigos é muito interessante, obviamente reagindo perante as regras impostas. O seu cone de visão muda a vermelho quando nos avista, mas é bloqueada por objetos, ou é diminuta ao longe. Mas são altamente astutos em caso de emergência, revolvendo o cenário à nossa procura e chamado reforços, ainda que depois voltem à sua vidinha como se nada se passasse.

E graficamente o jogo é lindíssimo, com uma atenção ao detalhe impressionante em cada cenário das missões. As cidades, os acampamentos, as paisagens naturais dos desertos e pântanos do Mississipi, chegando à lindíssima Nova Orleães. O estúdio trabalhou ao pormenor a arte, sendo possível fazer zoom e rodopiar a câmara para observar todos os detalhes. Além disso, todas as animações das personagens, sendo as cut scenes feitas a partir do próprio motor, sendo bastante agradáveis.

E tudo isto brindado com uma banda sonora de luxo, que invoca bem o universo dos cowboys do velho oeste, inspirando-se em compositores clássicos como Enio Marricone. O seu compositor, Filippo Peccoz foi também o responsável pela banda sonora de Shadow Tactics. 

De uma forma geral, Desperados III é um excelente jogo de uma série que pensávamos morta. A qualidade de mecânicas, do design das missões, a jogabilidade refinada de uma fórmula conhecida e as novidades introduzidas. Além de que o jogo é estupidamente bonito e divertido. É sem dúvida uma confirmação da Mimimi Games como especialista do género que herdou com mérito próprio. E esperamos que continue a explorar o formato inédito no futuro.