Antes de nos aventurarmos por um jogo verdadeiramente brilhante que nos arrebatou este fim-de-semana, deixem-me sugerir a banda-sonora certa. Tapestry, de 1971, para muitos a magnum opus da histórica Carole King, é um dos grandes álbuns de rock clássico da História da música, e eu admito que concordo. Apesar de ter apenas como similaridade o título ser o mesmo, é sempre tempo para sugerir e ouvir um dos grandes álbuns alguma vez escritos. Portanto liguem o Spotify e preparem-se para uma viagem pelo Civilization mais acessível que já jogaram.
Um 4X assusta, seja em tabuleiro ou em videojogo. O impacto inicial dá-nos sempre a impressão que a torrente de coisas para aprender vai tomar mais tempo do que o próprio jogo. Quando abrimos a gigantesca caixa de Tapestry, de Jamey Stegmaier, esse temor inicial aos 4X estava bem patente, e as magníficas miniaturas pintadas ajudavam a aumentar essa sensação.
Há algo que costumo debater com a minha mulher quando jogamos um jogo novo é a incapacidade de muitos criadores em conseguirem ser sucintos ao explicar as suas mecânicas. Jogos aparentemente simples com poucos passos e poucas mecânicas surgem com verdadeiros tratados de Tolstoi para serem explicados. Ainda a semana passada nos aconteceu. Encontrar o inverso, é bem mais difícil.
O manual de Tapestry tem 4 páginas. Sim, leram bem, 4 páginas. Com uma folha de referência para esclarecer alguns ícones e casas específicas do tabuleiro, mas o jogo todo foi resumido em 4 páginas. Um 4X, com macro e micro-gestão (do qual falaremos mais à frente) conseguiu ser explicado em 4 páginas. E bem explicado, por sinal.
Tapestry é composto por duas zonas diferentes: o tabuleiro com hexágonos, típico do género, onde a nossa exploração e expansão decorrem, envolto nas barras de progressão civilizacional e na barra de contagem de Pontos de Vitória. Paralelamente a isso, o nosso tabuleiro pessoal mostra-nos 3 coisas: à esquerda, e encontrado aleatoriamente, o tipo de civilização que temos (e os bónus que conferem), no centro a nossa Era e a nossa capacidade de gerar riqueza, e à direita uma tabela com uma quadrícula de 9×9 que representa a nossa capital, e onde vamos colocar as miniaturas.
A simplicidade e elegância mecânicas de Tapestry são diametralmente opostas ao impacto inicial que temos com o jogo. No nosso turno podemos fazer apenas 1 de 2 coisas: começar um turno de Income (que despoleta o avanço de Era, sendo que à chegada à 5a Era o jogo termina) ou um turno de avanço (no qual vamos avançando nas 4 barras de evolução civilizacional – militar, ciência, tecnologia e exploração).
A civilização que nos calhou aleatoriamente pode condicionar o nosso foco, e fazer-nos investir mais numa das barras de evolução do que noutras. No meu caso, a aposta na barra militarística (ironicamente sem nunca ter entrado em confronto directo com a minha mulher) levou-me a conquistar bastantes hexágonos da ilha. A exploração e conquista é feita através de tile placement, no qual recebemos bonificação se unirmos arestas semelhantes entre si.
Isto associado ao micro-puzzle game que consiste em ir completando o quadro 9×9 da nossa capital, e Tapestry vai mais longe do que ser um mero 4X: e implementa uma série de mecânicas de outros jogos para construir uma experiência complexa mas muito acessível.
Acessibilidade é aliás o grande segredo de Tapestry. Um jogo complexo e equilibrado nas suas muitas componentes, com muito para os jogadores olharem, mas sem nunca ser de tão difícil acesso que deixará alguns jogadores para trás. Muito pelo contrário.
Outro elemento curioso é que existe uma assimetria na evolução de cada jogador, o que pode levar a que alguém termine o jogo muito antes dos restantes opositores. Como dissemos, uma das duas escolhas que podemos fazer num turno é a de ter uma income phase, gerando recursos mas avançando nas Eras. Já que é a escolha de cada jogador saber quando o fazer, é possível que alguém termine o jogo muitos turnos antes dos adversários e tenha de esperar por eles para concluir o jogo.
Por outro lado, é indiscutível a possibilidade de considerarmos Tapestry como um excelente gateway para o género, com as suas mecânicas e iconografias a serem facilmente explicadas a qualquer jogador. E um 4X que não demora dias a terminar (perdoem-me o exagero) mas que num par de horas ou pouco mais fica resolvido.
A parte visual, essa, nem se fala. Aliás, é possível que muitos dos jogadores se tenham apaixonado pelas maravilhosas miniaturas antes sequer de perceberem o quão bom o jogo é. E acreditem, o jogo é realmente brilhante.
Não esperava gostar tanto de Tapestry quanto gostei, e muito menos esperava que ele fosse tão acessível quanto se revelou. Tapestry é um Civilization brilhante mesmo para quem nunca quis jogar um jogo do género, com muito componentes e aspectos para ter em conta mas que estão todos brilhantemente equilibrados.
Tapestry é o 4X obrigatório para qualquer colecção, pela acessibilidade e originalidade que traz. E as miniaturas! Já vos falei das miniaturas?