Na senda do último artigo… segue a continuação

Na senda do último artigo, que podem ler aqui, acrescento ainda que o universo dos jogos de tabuleiro até inícios dos anos 1970 ficou muito marcado pelos jogos clássicos de mecânica simples:  Jogo da Glória, Monopólio, Snakes & Ladders, Risco e aqueles de mecânica claramente mais estratégica: Gamão, Xadrez, Damas; tal como os típicos Jogos de Cartas feitos com base num simples baralho de 52 cartas de quatro naipes diferentes. São aliás estes baralhos de cartas os jogos os mais populares de entre a população em geral, dada a sua versatilidade de jogos possíveis e a difusão bem generalizada por todo o público de todas as idades. Segue agora aquele pedaço de informação inútil… Sabiam que dada a enorme profusão de cartas de jogar, no século XVIII, durante a época colonial francesa e durante a revolução Francesa, a falta do vil metal (ouro e prata), obrigou a que as autoridades confiscassem as cartas de jogo e as adaptassem para servirem de moeda de troca corrente?

Sim… as belas das cartinhas para jogar que todos temos em casa, já foram em tempos usadas como papel moeda

Curiosidade… sabiam que as cartas de jogar foram introduzidas no Japão pelos portugueses no século XVI?… Outro pedaço de informação inútil… em 1889 uma pequena empresa japonesa chamada Nintendo Koppai criou e comercializou cartas com as quais se podia um jogo de cartas chamado Hanafuda. Mais tarde esta empresa acabou por se tornar no gigante de entretenimento que temos hoje em dia.

Ainda fazendo parte destes jogos se bem que um pouco mais restringido a um grupo de nicho encontram-se os kriegsspiel e de estratégia militar que tiveram o seu apogeu pelos anos 1870 do século passado, especialmente por entre os estudantes de matemática e os pioneiros da computação moderna. Foi igualmente nos anos 1970 que editoras como a Avalon Hill que se notabilizaram por, pioneiramente, oferecerem jogos de tabuleiro produzidos com valor acrescentado.

Rommel, desde o passado, encontrou mais uma forma de nos banzar as cabecinhas…

Aliás ainda hoje é conhecido do público dos jogos de tabuleiro The Campaign of North Africa, o jogo que provavelmente mais tempo demorará a ser jogado. Isto porque ninguém nunca conseguiu começar e terminar uma partida. O jogo é tão massivo e detalhado que possui regras dispersas por três volumes, mais de 1800 marcadores e mapas tipo lençol que se dispõem sobre diversas mesas. The Campaing of North Africa foi publicado pela primeira vez em 1978 pela Simulations Publications e possui regras tão detalhas quanto por a infame regra da massa para o exército italiano.

Passo a explicar: uma vez que a ração de combate italiana consiste de esparguete cozido, o jogador da facção do Eixo, teria que acautelar uma quantidade suplementar de água no abastecimento do exército italiano (!!!), para precisamente poder confecionar as refeições. Outras regras tão detalhadas quanto o destino a dar a prisioneiros de guerra ou o tipo de combustível utilizado pelos britânicos são igualmente consideradas de modo a dar uma experiência de jogo o mais realista possível. De acordo com as últimas notícias um miúdo norte-americano de 16 anos chamado Jake, ficou tão abismado pelas regras que vai convidar nove dos seus amigos para tentarem fazer uma partida. Épico, pois estima-se que uma partida terá aproximadamente 1500 horas de jogo isto claro fazendo fé que os jogadores memorizaram os três volumes de regras altamente detalhadas.

̶O̶ ̶t̶a̶b̶u̶l̶e̶i̶r̶o̶ O lençol de jogo… com o Monopólio a servir de referência…

Lou Coatney, historiador e criador de jogos de tabuleiro, à direita, foi quem me trouxe para os kriegsspiel ainda nos tempos do velhinho mIRC através do print-to-play “Moscow Attacked!”

Nos anos 70, Ian Livingstone mudou-se literalmente para uma loja em Hammersmith, Londres e fundou a Games Workshop que viria a massificar os jogos de estratégia com miniaturas. Segundo a entrevista dada em Essen que acompanhei aqui, Ian Livingstone a título de poupar na higiene entrou para um clube de squash. A sua aposta compensou. Nasceriam poucos anos depois os jogos Warhammer e Warhammer 40000 que se viriam a tornar o padrão ouro para qualquer jogo que envolvesse miniaturas.

“Nerds.. Nerds everywhere…” Naqueles tempos em que a diversidade e a inclusão forçada não eram uma realidade

Miniaturas da subsidiária da Games Workshop: Citadel (ainda em metal), responsável pela criação dos jogos Warhammer e Warhammer 40000k

Ian Livingstone e Steve Jackson (sim o mesmo responsável pelo famosíssimo Munchkin) viriam pois em 1982 publicar a série Fighting Fantasy muito por culpa do fenómeno de roleplay proveniente dos Estados Unidos. Fighting Fantasy foi publicada em Portugal pela desaparecida Verbo. (Autoflageiem-se já, se nunca tiveram um destes na vossa lista de leitura, aqui o je mostra-vos uns quantos directamente da sua mancave) …

d6 + 1 lápis = Horas de diversão

E como os níveis de nerdom estão demasiado altos para esta altura do artigo… está na hora de mais um lava olhos… :3 (P.S. Estou banzado pelo QI da dinamarquesa Zienna Eve <3<3<3<3<3<3<3)

 

Falar nos anos 1970 e não falar do nascimento dos jogos de caneta e papel (ou roleplay games; RPG para simplificar) é quase que um pecado capital. Gary Gygax em 1974 cria Dungeons and Drangons. Dungeons and Dragons transporta-nos para um ambiente tipo Terra Média, onde Gary Gygax inventa o que hoje é denominado por RPG. Um mestre de masmorra (Dungeon Master) guia os aventureiros (jogadores) através da mesma superando obstáculos de forma cooperativa. As primeiras regras são estabelecidas em 1977, e actualmente conta com milhões de seguidores. Percebe-se o sucesso, dado que para jogar D&D só são necessários: papel, caneta, um monte de dados para além de claro o mais importante uma imaginação viva para jogar qualquer partida. Mais informação aqui.

Carisma=0 ; Imaginação = ‘over 9000!!!!’

Até 1994, todo o panorama dos jogos de tabuleiro mais ou menos que se manteve restringido aos jogos acima indicados no entanto e por serem um passatempo de nicho foram quase sempre muito apreciados por matemáticos e programadores pelas razões óbvias. Permitam-me agora pois agora fazer uma teoria.

Passo a explicar: mesmo antes de 1994 já tínhamos jogos de tabuleiro que saiam das regras convencionais dos jogos mais corriqueiros (Jogo da Glória, Monopólio). No entanto eram para Nichos… Alguns exemplos foram Talisman da Games Workshop, os jogos de estratégia da Avalon Hill de entre os quais destaco Advanced Squad Leader e fora da estratégia tipo jogo de guerra Diplomacy ou o party game Nuclear War. 

No caso europeu e com regras mais explícitas e mecânicas mais vincadas tivemos uma editora francesa a Eurogames. A minha teoria é que o nome desta editora acabou por dar o nome ao que hoje chamamos jogos de tabuleiro à alemã. Jogos de Tabuleiro com mecânicas intrincadas em que a sorte muitas vezes é pouca. Um bom exemplo disso são os dois jogos que possuo da Eurogames, Zargos (uma espécie de Risco) e Fief2 (que muito recentemente teve direito a uma re-edição). De salientar a Jeux Descartes como sendo a divisão da Eurogames que traduzia e publicava kriegsspieles da americana Avalon Hill.

Os logos da Eurogames…

…e os respectivos jogos… directamente da minha mancave.

Em 1994, extravasa para o grande público, o Settlers of Catan de Klaus Teuber. Ainda hoje é largamente considerado um jogo de portal para o mundo dos jogos de tabuleiro por ser simples de aprender e sobretudo por ter um equilíbrio de estratégia e sorte muito bem apurado. O facto de permitir qualquer novato inteirar-se facilmente das regras em poucos minutos tornou-o um sucesso de vendas tão grande que dos milhões de unidades vendidas se conseguiu arranjar massa crítica para criar um campeonato mundial como muito poucos jogos o conseguem hoje em dia. Carcassone e Stone Age são outros jogos, tipicamente euro-games, que conseguiram chegar a um patamar semelhante ao Settlers of Catan.

Uma das finais de Catan, de acordo com o Reddit…

Foram aliás os eurogames que despertaram o grande público para o fenómeno dos jogos de tabuleiro. Estes não mais tinham de estar restringidos ao Jogo da Glória nem ao Monopólio. Encontraram ressonância, sobretudo num público com elevados níveis de educação. Há já alguns anos que muitos dos kickstarters efectuados para jogos de tabuleiro ultrapassam em verba os seus congéneres digitais. De certa forma determina o vigor que os mesmos têm, vindo a marcar um passatempo que já não se restringe só ao antigo nicho de jogadores mais ligados às matemáticas.

Hoje tanto os eurogames como os jogos de inspiração americana (com componentes de story telling e sorte mais apurados) também derrogatoriamente denominados por ameritrash, são como os dois pulmões pelos quais o passatempo se espalha tornando-se mundialmente apreciado. Actualmente os jogos de tabuleiro têm sabido modernizar-se e inventar novas mecânicas. Pandemic um dos melhores cooperativos do mercado actualmente é um dos poucos jogos que consegue igualmente todos os anos juntar diversos jogadores num campeonato mundial em que o prémio final é uma viagem a qualquer um dos sítios indicados no mapa de jogo. Outro exemplo de inovação é o interessantíssimo T.I.M.E. Stories que fez um bem conseguido crossover entre os jogos de tabuleiro modernos e os RPGs.

O dito ameritrash inovou muito o panorama dos jogos de tabuleiro mais a partir das mãos de Matt Leacock que quase sozinho revolucionou o género de jogos cooperativos

Passarei seguidamente a discutir, no meio da história dos jogos de tabuleiro, o que foi e é a realidade portuguesa…