Podia perder tempo com comparações com Celeste, o jogo que obviamente inspirou os criadores de Ageless a aventurarem-se por terras de game development, ao ponto de admitirem que foi com os tutoriais de Pedro Medeiros (pixel artist de Celeste) que aprenderam a desenvolver este tipo de manifestação visual.
Ageless é um puzzle platformer com uma premissa mecânica interessante que me parece altamente sub-aproveitada. A nossa protagonista, a jovem Kiara que se debate com uma depressão, viaja por um portal e ganha a capacidade de disparar flechas que envelhecem ou rejuvenescem os seus alvos.
Os muitos pêlos brancos que ganhei na barba durante a pandemia agradeciam um poder semelhante a este.
Mas regressemos a Ageless. É com estas flechas muito especiais que Kiara vai resolvendo os puzzles que se apresentam à sua frente. Logo de início temos um pequeno teste de como a “coisa” funciona: uma pequena planta é atingida com uma flecha de envelhecimento e cresce até se tornar uma plataforma alta que nos permite chegar ao próximo ecrã.
Ou uma espécie de rinoceronte ovíparo que pode ter a sua idade acelerada para ser um adulto que investe contra paredes, destruindo-as, ou um animal velho e obeso que faz ruir plataformas.
Estas são excelentes ideias, não fosse a fórmula acabar por ser repetida à exaustão. A repetição e reutilização dos mesmíssimos puzzles fazem cair as boas ideias em saco roto, que não são de todo salvos por uma falta de polimento gritante nos controlos de Ageless.
Diria até que controlar Kiara é um puzzle em si mesmo. A sua animação e feedback de salto são bizarros, e lembram-nos que há mais de 30 anos já muitos jogos resolviam melhor o arco de trajectória de um salto do que este. É que ou Kiara comeu a Gomu Gomu no Mi (eu sei que é o segundo dia consecutivo que uso a mesma frase) ou há algo de elástico no seu comportamento que nos prejudica mais os saltos do que os beneficia. Mais difícil do que os próprios puzzles de plataforma é mesmo a gestão destes controlos pouco sólidos, que mais vezes nos fazem falhar saltos do que os obstáculos que os criadores ali desenvolveram.
A outra mecânica adicionada pouco depois do início do jogo é algo clássico de 2D platformers: a possibilidade de projectarmos o próprio protagonista como se fosse uma flecha. Uma ideia que serviu de base ao genial Dandara, e que foi utilizado ainda este ano pelo magistral Ori and the Will of the Wisps. A diferença entre a utilização nestes casos e em Ageless? Polimento. Precisão. Definição. Tudo aquilo que este novo jogo publicado pela Team17 não tem, mas estava tão perto de ter.
A grande sombra de Ageless não é a sobre-utilização das suas ideias mecânicas. De todo. Há excelentes platformers que se limitam a utilizar o salto como mecânica. Ageless até vai mais longe e implementa estas mecânicas de alteração da idade de animais e objectos como tom de todo o seu jogo, o que é, por si só, uma tremenda ideia. Mas falha na sua aplicação e na sua exploração: ou elas soam curtas ou estão atabalhoadamente implementadas.
E isto ensombra também a própria história que Ageless nos quer contar, seguindo as pisadas de Celeste, mas ficando a milhas deste. É a indefinição de controlos quem vem rasgando a narrativa que nos quer ser passado, do sofrimento de alguém que decidiu escapar da sua depressão para outro plano de existência.
Com alguma tristeza minha, tenho de colocar Ageless no mesmo patamar de Neversong, do qual falei ontem. Dois puzzle platformers distintos, que se querem promover como experiências emocionais memoráveis e contundentes, mas que fruto dos seus próprios erros são uma mera sombra do que poderiam ter sido.