A base de um bom RPG de mesa é a imaginação, claro que é preciso um conjunto de regras e uns guias para as coisas não descambarem totalmente mas no cerne de tudo está a imaginação de quem joga e de quem controla o jogo. Como já tinha dito noutro artigo, tenho saudades de jogar RPGs de mesa mas as condições actuais do mundo e da minha vida particular não são as melhores para o fazer com um grupo de amigos e eu sei que podia recorrer às Aventuras Fantásticas em versão física, ou uma das várias edições digitais que existem como esta, esta ou esta e até esta para o meu vício de RPG a solo.
E também podia jogar Alone Against the Flames ou Alone Against the Dark que são mini campanhas a solo de Call of the Cthulhu mas não são bem o que eu gosto e preciso, são RPGs mas são tão limitados em termos de imaginação como os que estão nos jogos de vídeo e PC, é a decisão A, B ou C e alguma aleatoriedade dos dados que muda, mas de resto é tudo bastante limitado.
Eu continuo na minha senda de procura de RPGs clássicos para jogar, e descobri recentemente três jogos que funcionam bastante bem a solo, e um deles pode ser jogado com mais pessoas. Mais ou menos.
Para seguir com qualquer um dos três jogos é preciso a mesma coisa, os seus livros de conjunto de regras, um baralho de cartas de jogar completo, um D6 e a vossa ferramenta de escrita favorita, eu opto por um caderno e uma caneta mas podem usar um processador de texto. O sistema base também é semelhante em todos eles, lançamos um dado e retiramos um número de cartas. Vemos no guia o que é que cada uma vai inspirar através dos códigos de valor e naipe. Com esses códigos escrevemos o que nos vem à cabeça. No fundo as cartas vão ser o nosso Dungeon Master que puxa por nós para dar mais vida e conteúdo à aventura e nós vamos atrás das dicas que nos são dadas. Apesar da base ser mais ou menos a mesma os conteúdos dos jogos e do que cada carta implica, são diferentes como vai ser brevemente explicado a seguir.
Alone Among the Stars
Tal como o nome indica, em Alone Among the Stars somos um explorador espacial, um viajante no cosmos, e as cartas ditam as nossas experiências. Não ditam. Dão-nos um empurrão, são um prompt para escrever o nosso diário espacial. Podemos passar dias inteiros a tirar cartas e explorar um planeta minuciosamente, podemos estar uma hora a saltar de orbe celeste em orbe celeste. Fazemos o que quisermos, as cartas apenas darão uma ajuda. Chegamos a um planeta e lançamos um dado. Sai um 3, o número de cartas a tirar e coisas a explorar. A primeira é uma ruína. O que havia ali, que marcas tinha, que segredos esconde? A segunda, um fenómeno natural. O que é? Uma tempestade? O acasalamento de duas criaturas gigantes como uma dança de titãs? Como nos sentimos a ver o que estamos a ver? O que fazemos?
Usando estas cartas vamos escrevendo um diário das nossas aventuras, não as vocalizamos mas colocamos em papel. Alguma vez quiseram escrever um conto ou livro de ficção científica? É uma grande ajuda para o fazer. Com o tempo até podemos nem estar sozinhos nas nossas aventuras, podemos imaginar uma tripulação extensa numa nave gigante ou um punhado de companheiros que fazem a aventura connosco, o limite é o que nós quisermos que seja.
Gentleman Bandit
Apesar de adorar o setting do velho oeste americano, Gentleman Bandit não é algo que me agrade particularmente por uma razão apenas. Aqui somos um pistoleiro solitário, um assassino sem nome. Mas com o coração de um artista, um poeta incompreendido, os jornais chamam-nos romanticamente “o Bandido Cavalheiro” porque deixamos um poema de 13 versos no corpo de cada uma das nossas vítimas. As cartas ditam os tópicos e tons de cada um, e a nossa veia poética flui com a ajuda dessas musas em formas de números e naipes. Um duelo? Um assalto? Defendendo uma donzela? Foi calmo? Furioso? Quem sabe?
Mais uma vez, é algo com “replay value” porque não temos que manter a temática do oeste. Porque não fazê-lo num futuro distópico ou nas caraíbas do século XVII? Gentleman Bandit não funciona para o diário mas também é um empurrão para ajudar a escrita de poemas e encarnar um dos personagens mais míticos e românticos do velho oeste.
The Machine
O conceito de The Machine é o que fascina mais porque é suposto ser jogado em série por várias pessoas. Cada uma na sua vez. Por trás de tudo está uma máquina e o diário de quem a encontrou e se sente compelido a acabá-la devido a uma maldição. Este jogo foi desenhado para ser escrito num caderno e enviado por correio ao jogador seguinte mas também é possível fazê-lo digitalmente com alguma coordenação. O primeiro jogador escolhe alguns tópicos de uma lista que vão construir o seu personagem. E depois através da tiragem das cartas vai descrevendo como vai completando a construção da máquina e como pouco a pouco, ou rapidamente, essa obsessão nos leva ao nosso inevitável fim. Outro jogador pega no jornal e na máquina, escolhe outros tópicos de construção (excluindo os já usados) e faz o mesmo processo, e por aí em diante criando um jornal de pessoas que foram amaldiçoadas.
The Machine é o mais pesado destes jogos. Os seus temas de dano psicológico podem ser sensíveis demais para alguns mas num grupo preparado para tal pode ser um exercício de escrita e introspecção muito interessantes.
Estes três podem não ser considerados “jogos” propriamente, e até é algo deprimente considerar um RPG forever alone mas para quem quer escrever e está em frente de um bloqueio ou para quem quiser criar um mundo ou conteúdo para uma próxima aventura com amigos podem ser óptimas ferramentas de criação.
Aproveito para lançar um desafio. Se alguém quiser alinhar numa cadeia de The Machine, ou Alone Among the Starts usando o mesmo sistema de passagem de jornal enviem um email para perdidosemachados@gmail.com até o último dia de Agosto de 2020, eu coordeno tudo e depois de ter todos os textos publicamos para quem quiser ler.