Se clicaram a pensar na brilhante série de filmes do Stallone, provavelmente encontraram algo ainda bem melhor. Com isto não quero de todo dizer que as obras em torno do pugilista underdog norte-americano sejam más, que não são, e são verdadeiras peças históricas do cinema, mas o que quero dizer é que provavelmente aquilo que vão encontrar neste Röki é ainda mais surpreendente.

Lançado há poucos dias para PC e Switch pela mão do estúdio Polygon Treehouse (que por sua vez foi fundada por 2 ex-directores de arte da Guerrilla Games), diria que o CV dos seus fundadores é logo justificação para a o aspecto divinal deste jogo.

Röki é uma história infantil como elas eram contadas há uns séculos: com um tom pesado e com uma demonstração de que a vida, apesar da sua beleza, está cheia de momentos difíceis e potencialmente fatais. 

O ambiente de livro infantil animado com um magnífico cel-shading é o pano de fundo para a nossa protagonista, Trove, com a sensação que a jovem criança carrega o mundo às costas na sua casa isolada na península escandinava. Ao seu cuidado o irmão mais novo, Lars, de quem ela toma conta enquanto o pai descansa. 

O folclore escandinavo entra de rompante pela história a dentro, com a mão de uma criatura gigante que lhes irrompe pela casa durante a noite, deixando o pai soterrado nos escombros e os dois irmãos em fuga. E este é apenas o primeiro grito numa história que se vai desenrolar com momentos mais negros do que seria de esperar à primeira vista.

Como fã de point ‘n clicks (nem me vou alongar sobre isso pela enésima vez) acho interessante a forma como Röki consegue apresentar-se como uma versão moderna do género, pensada quase de base para ser controlada com o comando, onde o rato sai do seu ambiente natural. 

É a primeira aventura point ‘n click que sinto que foi feita para ser mais intuitiva com comando.- E sentimo-lo não só na forma como nos movimentamos no espaço tridimensional (com ponto de vista fixo), mas como os botões servem facilmente para gerir o inventário, aplicar itens para resolver os puzzles. Até as combinações de itens no inventário são mais facilmente feitas com os analógicos do que com o rato.

O aspecto moderno de Röki sente-se também na sua quebra com a velha vontade/necessidade de pixel hunting por interacções no ecrã. Tudo fica facilmente “iluminado” com o suave pressionar de um botão, que nos mostra tudo o que existe no ecrã com o qual possamos interagir.

Depois da terna introdução do jogo e do ataque da criatura gigantesca cuja face não vemos, Lars acaba por desaparecer e cabe-nos a levar Tove pela mão em busca do seu irmão. É nas interacções que a protagonista vai tendo com algumas criaturas do folclore escandinavo que percebemos o negrume que o enredo cai, abordando temas como a depressão, a solidão e a tristeza. É um choque emocional a viagem que Röki nos leva, apesar de ao primeiro contacto parecer ser muito mais “boa onda” do que é.

Com um ambiente sonoro que encaixa na perfeição com a frieza do ambiente escandinavo, é provavelmente o voice acting uma das maiores surpresas deste indie tão pouco falado.

Talvez seja esse um dos segredos para o facto de que Röki se tenha tornado um dos meus jogos favoritos deste ano. Para além de ter uma direcção artística brilhante, com animações de personagens e cenários exímios, da modernização daquele que deve ser o meu género favorito e de uma história que explora o folclore escandinavo de forma emocional, sem ter que cair nos clichés recorrentes de tantos outros media.

Röki é provavelmente o melhor jogo que quase ninguém vai jogar este ano. Uma pérola escondida no mercado indie, e uma grande entrada nesta nova década em termos de jogos point ‘n click. E principalmente com uma história que ombreia com o que de mais emocionante o género já teve, lembrando-nos os tempos áureos da escrita do Benoît Sokal.