Review feita em 18 de Agosto de 2020 a 1440p com o seguinte setup:
Intel i9-9900k, GTX 1080ti, 32GB RAM, SSD NVME, Joystick Thrustmaster T-flight HOTAS 4.
por Rui Pedro Leite
A série Microsoft Flight Simulator é tremendamente especial para mim. O meu pai foi, durante décadas, piloto de recreio e, como tal, a minha infância foi em grande parte passada em aeroclubes a voar com ele, mas também no computador a tentar imitá-lo no Microsoft Flight Simulator 95, e seguintes.
Foram anos e anos à espera de um novo installment que parecia não chegar. Tendo isto em consideração, as minhas expectativas estavam altas e o hype train tinha saído da estação há mais de um ano, desde que anúncio do jogo foi feito na E3 2019.
Optei por não pagar o jogo completo, uma vez que assino o Xbox Game Pass PC, o que significa só ter acesso à versão normal do jogo. A versão standard custa 69,99€ e traz 20 aviões e 30 aeroportos “feitos à mão”, a deluxe custa 89,99€ com 25 aviões e 35 aeroportos, por fim, a premium, traz 30 aviões e 40 aeroportos pelo valor proibitivo de 129,99€. Os restantes 40.000 aeroportos e aeródromos do mundo são renderizados automaticamente com recurso às imagens de satélite da base de dados do Bing. Os 20 aviões da versão base são mais do que suficientes para qualquer jogador e com um lineup para todos os gostos, desde pequenos ultraleves até ao gigantesco avião comercial Boeing 747. Assinar o Xbox Game Pass PC é a opção ideal porque, por 3,99€, podemos experimentar o jogo durante um mês, ter acesso a dezenas de outros jogos e, no final, decidir cancelar ou não a mensalidade.
Comecemos pela experiência de instalação. Esperei pelas 00:00 do dia 18 de Agosto para iniciar o download na Xbox App. Acordei por volta das 8h e senti-me uma criança no Natal que teve pedaços de carvão como prenda, o download ainda estava nos 70%!
Não é novidade que os downloads na Xbox App são lentos, mas 8 horas para sacar 70 GB é simplesmente inaceitável. Felizmente numa rápida pesquisa encontrei a solução, e, de 150kbps, passei para 525mbps – bastou correr a command prompt com privilégio de administrador, escrever “netsh int tcp set global autotuninglevel=normal”, enter e voilà, resolvido.
Terminado o download, o jogo começa imediatamente com o pé direito. Se há coisa que detesto é começar a jogar alguma coisa e não me ser permitido imediatamente alterar as opções gráficas, bem como outras definições. A primeira janela é precisamente um conjunto de 4 passos de configuração, desde controlos, definições gráficas e a opção para jogar com Satellite Data Streaming, ou não. De salientar que, para quem não tem tráfego ilimitado, existem opções para limitar o volume de dados que o jogo utiliza. Claro está, sem Satellite Data Streaming grande parte das zonas irão ter menos detalhe e apresentar menos rigor.
No menu somos recebidos com uma série de opções:
World Map: permite escolher qualquer aeroporto no mundo e estabelecer um ponto de partida/chegada, bem como começar a voar imediatamente num local à escolha.
Live Events: que, no momento, era uma aterragem na difícil pista de Courchevel, havendo uma leaderboard para aqueles que se aproximam mais da perfeição. Não me orgulho de ter ficado em 10.000 lugar, embora na primeira tentativa.
Flight Training: basicamente o tutorial do jogo.
Acitvities: são também eventos mas com índole mais estática, aterragens com vento forte, navigation skills no meio de nevoeiro denso, etc.
O Flight Training é extremamente bem concebido e essencial para os novatos no mundo da aviação. A terminologia utilizada é profissional, mas sempre com o cuidado de explicar o seu significado e qual o seu objectivo. O tutorial tem 8 fases, desde controlos básicos, câmara, instrumentos, descolagem e aterragem, controle aéreo, navegação, entre outros.
Os Live Events e Activities têm como propósito dar objectivo ao jogo: o espírito do Microsoft Flight Simulator sempre foi oferecer uma experiência sandbox, e, com esta implementação, o jogador tem sempre alguma coisa específica para fazer.
O World Map é, obviamente, a jóia da coroa. Com uma renderização do planeta em tempo real, podemos rodar, fazer zoom, quase como se estivéssemos no Google Earth. Existem alguns pontos de interesse e aeroportos já realçados, mas a barra de search permite encontrar de forma eficaz o destino que pretendemos.
Vamos então voar.
Como é óbvio, tinha de começar por um clássico da minha infância. Partir do Aeródromo de Espinho, junto à praia, e fazer a costa até ao Porto, uma viagem de aproximadamente 7 minutos. “Sentado no cockpit” senti-me imediatamente em casa, fiquei logo impressionado pelo detalhe da linha da costa (que conheço bem), mas reparei também que o rigor das habitações e armazéns deixa muito a desejar. O interior do avião é soberbo, o som é rigoroso e realista e os comandos intuitivos para quem está familiarizado com o mundo da aviação.
Voei até à Foz do Douro e comecei a subir o rio em direção às pontes (que são uma renderização de pontes aleatórias/comuns), voei para norte na pseudo Ponte Luiz I, sobrevoei os Aliados, Rotunda da Boavista e lá passei pela minha casa que no jogo é um prédio completamente diferente, mas da mesma cor, amarelo!
Aproveitei para comparar o clima do jogo com o que via pela janela do escritório e o rigor é assustador. O utilizador pode optar pelo clima que quiser, mas eu pessoalmente liguei o Real Weather que vai buscar a informação climatérica em tempo real e aplica-a à nossa sessão.
Apesar disto tudo, fiquei com um sabor amargo na boca… O amor e detalhe das cidades foram todos gastos nas grandes metrópoles como Nova Iorque, Paris, Cairo e afins, mas, visto do ar, tudo parece realista e no sítio. Para quem efectivamente quer voar e fazer rotas, o jogo é absolutamente rigoroso. Por outro lado, quem tem como objectivo voar a 300 pés de altitude e ver a zona onde mora, irá, provavelmente, ficar tremendamente desiludido. Como bónus, fui dar uma volta por terras alfacinhas e tirei uma belíssima foto da “Ponte 25 de Abril” e a um monólito retirado directamente do 2001: A Space Odyssey, ah, esperem… Aquilo supostamente é o Cristo Rei na margem sul! Honestamente prefiro a versão do Microsoft Flight Simulator.
Paris, expectavelmente, é impressionantemente detalhada, e foi aqui que comecei a sentir um frame drop forte. Enquanto no Porto/Lisboa os meus FPSs rondavam na casa dos 50, em Paris sofri com uns constantes 30.
Estava na altura de deixar de ser arrogante e parar de jogar com tudo a 100% em ultra, comecei a fazer uns tweaks aqui e ali e o problema ficou resolvido. Também foi nesta altura que me lembrei de consultar os updates da Nvidia e fazer download dos drivers 452.06 com suporte para o Microsoft Flight Simulator, o que melhorou minimamente a performance. Não obstante, e com tudo mesmo, mesmo no máximo a 4k, é irrealista esperar 60 FPS constantes em cidades como Nova Iorque, mesmo com uma RTX 2080ti. Quero acreditar que com tempo, drivers e optimização haverá melhorias neste campo, mas fica o aviso: o Microsoft Flight Simulator não é um jogo nada leve.
No que diz respeito a bugs, e com 10 horas de jogo, não encontrei nada relevante, tirando uma vez que estava a voar a 500 pés e do nada apareceu um pop up a dizer “You collided with an object and caused critical damage to the aircraft”, mesmo estando em campo aberto sem qualquer obstáculo. Já que estamos a falar de colisões, inexiste qualquer tipo de crash physics – o ecrã simplesmente fica escuro e aparece uma mensagem a dizer que nos despenhamos.
Cada avião é completamente diferente do outro, os efeitos do clima variam consoante a massa do aparelho, o rigor e detalhe de todos os elementos é simplesmente perfeito.
Terminei a minha maratona a fazer um voo curto de 20 minutos de Gibraltar até Tânger, aproveitando o céu limpo e o vento fraco (sempre com o Real Weather ligado), para reflectir sobre este jogo.
O Microsoft Flight Simulator é quase perfeito, o nível de detalhe das aeronaves, as pequenas interferências de rádio, o efeito do vento e da chuva, o barulho dos travões quando aterramos e o impacto da travagem em todo o aparelho, o dashboard do avião que tem mil e um botões, e se passarmos o rato por cima 90% deles são reguláveis ou activam alguma coisa. Absolutamente sublime.
Peca por algumas coisas, sendo uma delas a não implementação de VR logo no lançamento que é (quase) imperdoável, principalmente quando estamos a falar de um jogo perfeito para o efeito. O tempo de loading entre sessões é substancial, mesmo com um SSD NVME. Para fazer loading à zona do Porto foram cerca de 40/50 segundos, para Paris foi (no mínimo) o dobro.
O Microsoft Flight Simulator não é um jogo para as massas, acredito que a maior parte do público chegue ao fim de umas horas e pense: “Pronto, e agora? Já aterrei e levantei voo, já vi as pirâmides, já vi Nova Iorque, está feito.”. O jogo é isso, o jogo é feito para passear, para testar a nossa capacidade de endurance, para conseguir aterrar no meio de uma tempestade terrível, ou para quem quiser aprender as bases da aviação. Passar por baixo de pontes, fazer loopings ou rasar edifícios é engraçado, nas primeiras 3 ou 4 vezes.
Vejo também um potencial gigantesco de expansões de combate, DLCs de cidades (que já existe pelo menos um), aeroportos e aeronaves, e parece-me que este jogo veio para ficar durante uns bons largos anos. Resta saber o quão bem a Microsoft vai cuidar desta pérola que, com toda a certeza, irá inspirar uma nova geração de pilotos e entusiastas.