Ao contrário de muita gente que apenas reconheceu o decréscimo de qualidade de Game of Thrones na última temporada como se estivessem numa espécie de relação acabada em que uma das partes não era capaz de aceitar que já não existia nada do seu amor inicial, eu fui um grande crítico da série quando perdeu o fio dos livros. E de todas as coisas que me desagradaram desde o desrespeito às regras do mundo ao storytelling cada vez mais básico, o pior foi mesmo a desconstrução dos personagens especialmente de Littlefinger que passou de mestre manipulador a ser enganado por um grupo de miúdos tal como um vilão num episódio do Scooby Doo. Mas porquê começo este texto com uma referência tão grande a Game of Thrones? Por duas razões, já não víamos um Crusader Kings desde 2012, quando a GoT estava na segunda temporada mas também porque não há nenhum jogo que me faça sentir tanto respeito por Littlefinger como este. 

No início do da década de 2000 tirei uma licenciatura em jogos de estratégia porque passei grande parte do meu curso a jogar Civilization, Age of Empires e Championship Manager entre outros e por muito bons que sejam são muito técnicos nas suas vertentes de estratégia. Civ e AoE são 4X com vertentes de foco muito específicos a cada um e CM é bola. Crusader Kings, falamos agora no 3 em particular, foca-se naquilo que realmente importa na estratégia histórica: diplomacia e intriga. Já foram conquistados mais territórios com base em casamentos, alianças e traições do que com o recurso a batalhas. 

Crusader Kings 3 tem batalhas, estamos a falar de um jogo que tenta simular a situação histórica começando em dois anos distintos e igualmente importantes 867 quando o chamado Grande Exército Pagão invadiu a Bretanha (fãs da série Vikings podem remeter para a 3a e 4a temporadas) e 1066 ano das invasões Normandas. Nota-se o foco nas ilhas do Brexit mas vamos dar-lhes esta de borla. É devido a estes acontecimentos e à situação política constantemente volátil que não devemos descurar a parte bélica, os nossos exércitos devem estar sempre prontos a ser chamados à acção seja para a ocasional invasão ou simples ameaça mas mais como um dissuasor dos nossos vizinhos que podem ter ideias de anexar os nossos territórios. Para isso é importante manter os nossos lordes felizes mas também na linha. Ser generosos mas com punho forte. Recompensar e punir justamente para que não se virem contra nós. E o mesmo se pode dizer da nossa família. 

O objectivo principal aqui é criar mais que um reino, é criar um legado, uma dinastia. Não, não é uma dinastia destas mas algo que esteja intacto e preferencialmente cresça de geração em geração. O casamento é uma arma forte neste cenário, as intrigas e boatos também. Mexer os cordéis dos fantoches é algo que se aprende com o tempo até que eventualmente podemos fazer algo mexer sem sequer se notar que foi a nossa mão que o comandou mas as repercussões vêm a nós qual ondas de uma pedra num charco. Crusader Kings 3 é sem dúvida o melhor jogo para este estilo de manipulação. Demora um pouco a aprender como o fazer e especialmente a gerir o equilíbrio titubeante do reino mas a satisfação é ainda maior quando somos bem sucedidos. 

Disponível para PC no Steam e incluído no Xbox Game Pass é mais que recomendado para fãs de estratégia. É obrigatório.