Sabem que durante algum tempo, o substantivo próprio “Leonel” esteve a ser cunhado como jargão para “pessoa que demora muito tempo no seu turno a jogar jogos de tabuleiro”? Eu explico. Como sabem, praticamente todos os meus amigos mais próximos passaram aqui pelo Rubber como escritores (e antes que falem de nepotismo relembro que aqui no galinheiro toda a gente trabalha pro bono). Um deles, o Leonel, o meu melhor amigo, que durante muito tempo foi o nosso especialista em jogos japoneses e que até foi ao Tokyo Game Show em 2016, é um jogador de jogos de tabuleiro com características muito específicas: ele demora muito a fazer os seus turnos. Ele quer pensar em cada possível ramificação da sua escolha, a ver os cenários hipotéticos todos, e a tentar desbravar com um peão o tecido do continuum espaço-tempo. O lado mau disto é que normalmente ele acabava por nos quebrar o ritmo de jogo e de nos pregar valentes secas. No pior dia do Leonel, todos fomos jantar a meio de uma partida de um jogo de tabuleiro, deixámo-lo a fazer o seu turno, e quando voltámos ele ainda não o tinha feito. A partir daí comprámos uma ampulheta de 1 minuto que ele tem de girar sempre que joga a algum jogo.

Esta característica dele internacionalizou-se, quando eu e a minha mulher passámos umas férias em Londres, em casa de uns amigos que eram habituées dos encontros semanais de boardgamers londrinos. Sempre que alguém demorava a jogar, apelidávamos essa pessoa de Leonel. E isso começou a ser passado para outros jogadores londrinos, apesar de ninguém saber quem é o Leonel. 

É possível que esse termo tenha sido Sol de pouca dura, mas acredito que toda a gente que tem os jogos de tabuleiro como hobby tenha no seu grupo alguém como o Leonel. Pendulum, o novo jogo da Stonemaier Games que chegará às lojas este mês, é sem dúvida o jogo mais anti-Leonel que conheço.

Quando li as primeiras descrições de Pendulum fiquei curioso. Um jogo de worker placement em tempo real, no qual o tempo é uma mecânica activa. Imaginando desde logo o caos que um elevator pitch destes augurava, foi curioso perceber, depois de pôr as mãos no tabuleiro, que essa tensão de um jogo em tempo real é bem palpável.

Apesar de, por base, este jogo ter as 3 ampulhetas com cores e tempos diferentes como peças centrais, é possível jogá-la sem esta tensão associada. Facto, aliás, que para percebermos o ritmo de Pendulum os autores sugerem jogarmos pelo menos uma ronda com o frenesim do tempo-real “desactivado”. É possível jogá-lo por inteiro desta forma, mas sinto que fazê-lo desvirtua por completo a visão dos seus criadores.

Como eles próprios indicam: em Pendulum não vence quem não cometeu erros, mas sim quem soube gerir da melhor forma os erros que foi cometendo. As estratégias elaboradas e que são deixadas para trás à medida que a tensão de ter de estar a olhar e a agir em três zonas diferentes do tabuleiro ao mesmo tempo.

Cada uma destas três áreas (roxa, verde e preta) tem duas filas idênticas, ao lado das quais são colocadas as ampulhetas. Só podemos mover os nossos meeples para as filas onde a ampulheta não está, sendo que estes só agem quando aquela chegar à sua fila, sendo que só os podemos remover das acções enquanto a ampulheta lá está. É frequente, dado o caos de termos vários jogadores a planearem diversos turnos em simultâneo, que fiquemos com meeples bloqueados numa zona porque alguém moveu a ampulheta para outro sítio. Mas é nesse casos de andarmos a mover os nossos trabalhadores de área em área que está grande parte do desafio mental e estratégico deste Pendulum.

Este caos é interessante porque nos obriga a pensar rápido, e a agir de forma igualmente rápida, ao mesmo tempo que temos de estar atentos ao tabuleiro como um todo. 

Há acções que podemos fazer de forma extemporânea, nomeadamente jogar cartas de estratagemas no nosso tabuleiro pessoal, algumas delas com habilidades únicas dependendo do personagem que estamos a controlar.

O objectivo de Pendulum é ir recolhendo recursos (dinheiro, cultura, poder militar e votos) para ir “comprando” e alcançando Pontos de Vitória em 3 marcadores diferentes (Influência Económica, Cultural e Poder), para além de um quarto marcador, único e lendário, alcançável apenas uma vez no jogo, e que é condição sine qua non para a vitória. Vence aquele que, para além do achievement lendário, esteja mais avançado nos restantes marcadores.

Na área roxa a ampulheta move-se nuns círculos que estão ocupados por tokens. Quando desocuparmos o último círculo na área roxa de um token, termina a ronda e dá-se início à fase do concelho, no qual, por ordem daquele que tem mais votos, os jogadores vão escolhendo buffs disponíveis no tabuleiro do Concelho.

À primeira vista, um dos problemas que sentimos com Pendulum foi a confusão iconográfica e cromática entre os recursos e os PVs, e o quão semelhante estes são no tabuleiro de jogo. No meio do caos de um jogo em tempo real, é muito frequente que confundamos os símbolos, aos quais se somam as acções com ícones de fundo castanho que nos garantem PVs directos.

O outro problema que sinto – especialmente por ser um maníaco da arrumação – é que é daqueles jogos que no meio da confusão das acções dos jogadores,alguém vai invariavelmente dar um safanão no tabuleiro e estragar as colocações dos meeples ou das ampulhetas. 

Por fim, e se falámos dos jogadores que demoram muito, como o Leonel, para quem este jogo é um antídoto natural, Pendulum é por sua vez o jogo perfeito para os batoteiros que têm no vosso grupo. No meio do caos é muito difícil monitorizar todos os restantes jogadores, e caso saibam que há alguém na vossa mesa que gosta de “dobrar as regras”, Pendulum é sem sombra de dúvidas o jogo ideal.

Pendulum não é um jogo para todos, mas temos de dar o devido mérito aos seus criadores por quererem agitar as águas dos worker placement games. Sinto, porém, que é daqueles jogos em que temos de estar com um mindset muito específico para o jogar. Pensemos no facto que normalmente o ritmo dos jogos de tabuleiro – na sua maioria por turnos – permite que este seja um hobby muito bom para desanuviar as tensões do dia-a-dia. Pendulum é desaconselhável nessas situações, já que o nível de tensão é constante. É claro que para muitos jogadores isto é um elemento positivo, já que não existem tempos mortos nem têm que esperar que os leonéis destas vida ajam. Mas é possível que para muitos destes o lado B dos tabuleiros (mais difícil) venha a responder aos seus ensejos lúdicos.

De todos os jogos da Stonemaier, este é possivelmente o menos consensual, mas que acho, pelo facto de ser bastante inovador e de representar um risco criativo dos seus autores, que merece ser experimentado pelo menos uma vez. E para quem tem o seu Leonel, é também aquele jogo para o porem com os nervos em franja por não poder demorar uma hora a agir, sob pena de ficar para trás no jogo.